AS ESCAPULIDAS DE COMPADRE POLICARPO.
O cachorro se levantou e latiu. Olhar atento na direção da estradinha de terra. Os dois meninos desceram do pé de goiaba. Os pés no chão. Afrânio coçou a cabeça. -"Ué. Parece que tá vindo gente." A silhueta de uma mulher surgiu no horizonte. Ernesto cobriu o sol com a mão. -"Tá vindo mesmo, meu irmão." Eles correram e entraram na casa. -"Mãe. Tem visita." A mulher se virou, a beira do fogão a lenha. O lenço florido na cabeça. Limpou as mãos no avental. -"Fiquem aqui, meninos." A mulher saiu. As galinhas se ajuntaram, pensando que ganhariam quirela. -"É a comadre Eudóxia. Deve ter notícias da filha do coronel José Frausino. A bichinha vive doente, tadinha." A visitante se aproximou. -"Comadre Eudóxia. Bons ventos a trazem." Elas se abraçaram. -"Meninos, peçam a bênção da comadre e vão brincar." Os dois garotos, educadamente, obedeceram. -"Tão grandes, comadre Bastiana. Graças a Deus, né? Logo irão pra roça." Bastiana puxou uma cadeira. O vaso de vidro, sem flores, sobre a mesa com toalha xadrez. A outra mulher sentou-se, olhava, ora para a porta, ora para o teto de folhas secas de palmeira. -"A comadre parece aperreada, meio desinquieta." Bastiana percebeu que a amiga nem tocou na travessa de bolo de fubá com goiabada. Ela se levantou. O bule de café quente. As xícaras de esmalte branco. -"Vou comer pois não almocei. Levei almoço pro meu Poli na roça mais não me deu fome." Bastiana cruzou os braços. -"Não almoça e sai nesse sol? Em tempo de cair dura por um passamento ou fraqueza." A visitante desatou a chorar. -"Meu Pai eterno, mulher. O que foi?" Bastiana deu a volta na mesa. O choro da mulher chegou até os ouvidos das crianças, jogando bolinhas de gude no quintal. -"É o Policarpo, meu Poli. Anda dando umas escapulidas, me traindo." A outra mulher se benzeu. -"O compadre? Não acredito. Sempre foi bom, trabalhador." Eudóxia concordou. -"Isso é verdade. As crianças o amam, a roça de abóboras tá rendendo, ele me ajuda nas tarefas e nunca gritou comigo." Bastiana apoiou-se na mesa. -"Então, comadre. É coisa da sua cabeça, invencionice. Fofoca dessa italianada que se mudou pra colônia. O compadre Policarpo não é dado a gracejos, nem gosta de bailes. O que a faz pensar que ele faz coisa errada?" Eudóxia engoliu em seco. -"Já é a terceira vez que desperto de madrugada e ele não tá do meu lado. Finjo que estou dormindo. Ele entra nas pontas dos pés, sem as botinas. Não acende as lamparinas. Deita do meu lado e ronca igual um porco cachaço. Passei a mão e senti que ele está com os cabelos úmidos, o corpo gelado. No outro dia, deu a desculpa esfarrapada que tava no mictório, com desarranjo na barriga por ter comido carne gorda. Essa noite passada, tive a certeza da traição pois o safado falou o nome da sirigaita." Bastiana estava com raiva. -"Mas que coisa. Então tá explicado pois se falou o nome é porquê tem caroço nesse angu. Pau na cabeça desse safado." Bastiana abraçou Eudóxia. -"Qual o nome da satanás, destruidora de lares? Vamos falar com o bom padre Osvaldinho e liderar uma cruzada das mulheres da fazenda Aliança e da vila, pra expulsar essa filha do gramunhão pra longe daqui." Eudóxia desandou a chorar. -"Policarpo disse o nome de Jaci. Esse é o nome da fulana." Bastiana tomou água. -"Jaci?!?! Não conheço nenhuma Jaci nessas bandas." Disse Bastiana, implicada. -"Nem eu! Comadre Bastiana, o Policarpo sai sempre nas noites de lua cheia. É quando ele e essa tal Jaci se encontram." Bastiana gritou. -"Aham.... vamos pegar o safado no pulo. Na próxima noite de lua cheia, eu e meu marido Armando, vamos ficar escondidos no mato, perto da casa da comadre. Quando o compadre Policarpo sair, nós o seguiremos do pegaremos no pulo." Eudóxia se deu por satisfeita. Após um bom tempo de papo sobre amenidades, antes do sol se pôr, a visitante se foi. Bastiana contou tudo ao marido, quando este chegou do roçado. Incrédulo, Armando aceitou participar do plano de Bastiana. -"Vamos só sondar. Em briga de marido e mulher ninguém deve meter a colher." Os dias se passaram. A noite de lua cheia chegou. Armando e Bastiana de tocaia, atrás de uma moita de colonião, a trinta metros da casa de Eudóxia e Policarpo. -"Cochila não, marido. Vai que o compadre sai e a gente não vê?" Armando olhou as horas. -"Cada empreitada maluca. São quase meia noite, mulher. Vamos embora dormir." A lua cheia no céu. A porta da casa se abriu. Policarpo saiu. O chapéu de palha na cabeça. Bastiana cutucou o esposo. -"Tá saindo, tá saindo. Vontade de voar na guela desse safado." O homem andava rápido. A mata fechada. Um barulho de cachoeira. -"Tá na pedreira." Sussurrou Bastiana. -"Jaci? Sou eu, Poli." Gritou Policarpo. -"Eita, ferro. Tá chamando a talzinha, a Jaci." Sussurrou Bastiana, com misto de medo e curiosidade.
A encruzilhada na estradinha pra vila. A lua cheia. O vento gelado. Armando se arrepiou. -"Hoje é que dia, Tiana?" A mulher respondeu que era sexta feira. Armando olhou para o compadre sozinho, olhando para o alto. Policarpo começou a se transformar em um lobo peludo. -"Vade retro, coisa ruim. O compadre é o sétimo filho de uma família de seis irmãs. É homem pálido, orelhudo e narigudo, só podia ser lobisomem. Bastiana, não tem amante nenhuma aqui." Policarpo rosnava e estava sendo atraído pela força da lua, tendo seu corpo a três metros do chão. -"Tiana, não tem mulher nenhuma. O compadre é inocente pois agora que me lembrei que os índios chamam a lua de Jaci. Jaci é a lua." Bastiana estava aterrorizada. -"Vamos embora, homem." Eles correram o mais rápido que possível. Com medo, o casal mal dormiu o restante da madrugada. A tarde, foram até a casa de Eudóxia pra contar a novidade. -"Poli está na roça, agora. Está sofrendo com isso tudo. Na próxima lua cheia quero ir ver a transformação." Armando e Bastiana tentaram impedir mas foi inútil . Eudóxia estava resoluta em ver o lobisomem. -"É perigoso, comadre. O compadre é um, o lobisomem é outra coisa. Um ser ruim, sedento de sangue e violento." Tempo depois, uma noite de lua cheia. Armando, Bastiana e Eudóxia seguiram Policarpo. A encruzilhada na estradinha de terra, ao lado da cachoeira. A transformação do lobisomem. A atração da lua. Os primeiros raios de sol. Policarpo voltou ao normal e dormia sobre uma pedra. Eudóxia correu até ele e o abraçou. -"Eudóxia, você aqui? Não está com medo de mim?" Ela o beijou. -"Não mesmo. Vamos pra casa." Armando e Bastiana assistiam a cena. FIM