PT.1

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Está AQUI comigo. Está ao meu lado junto com outros exemplares de outros autores. E eu amo todos eles… eu fui criado para amar livros; É um amor que dura até a última página. Quando leio o último parágrafo o fogo se extingue e o que era uma preciosidade se torna um monte de papel descartável. Todos exceto “ele”. É um livro de horror com uma história que se baseia num acontecimento real. … A primeira vez que tentei lê-lo foi há mais ou menos nove anos atrás. Não sei como, mas… uma edição antiga apareceu em minha casa. Fiquei empolgado, era um verdadeiro clássico… Folheei. Li muito pouco, achei até que tinha páginas demais. Mais do que minha atenção conseguiria suportar. Mas alguma coisa nele me causava imensa curiosidade, eu mal podia me controlar ou esquecê-lo. Já sabia que o conteúdo era difícil de ingerir. É que era um livro famoso. Todos conhecem sua história e sabem que é uma história terrível. Aquela frase na capa… aquela frase… Ela deixa TUDO mais intenso, mais difícil de tragar… e mais charmoso também: Baseado numa história real” Minha namorada na época estava grávida. Foi uma época difícil… éramos jovens demais. Mas eu ficava feliz em ver sua barriga crescendo. Imaginava a vida ali dentro, se formando. Ficava pensando em como seria. “Parecido comigo?” “Parecido com ela?”… “Parecido com os dois? Por que não?” Eu ficava citando nomes em voz alta pra saber qual soava melhor… Apesar de não estar preparado, conseguia curtir o momento (…). Logo na primeira noite que comecei a ler o livro, os pesadelos dela começaram… Ela acordou tremendo e não quis me contar sobre o sonho…Parecia aterrorizante demais para relembrar e descrever. Então virou e dormiu novamente. Eu segurava meu livro de horror contra o peito e um pensamento veio em minha cabeça. Um pensamento como se fosse colocado em minha mente, de fora pra dentro: “Joga ESSE LIVRO NO LIXO, LÁ FORA NA RUA…”. larguei-o numa estante.. Perdi o interesse. Não tinha chegado a ler nem mesmo um capítulo inteiro. Mas alguns dias depois, de madrugada… ainda acordado… lembrei que ele estava lá e senti um medo intenso. Fui tomado de ansiedade e inquietude; como se aquele livro fosse carregado de certo “poder”… O poder de me causar mal-estar. Chegava a quase sentir DOR ao lembrar dele. Querer lê-lo me enchia de culpa… Mas eu estava intrigado… curioso… mais e mais e mais.

Não conseguia me conformar que um objeto pudesse estar ligado a sentimentos e sonhos tão terríveis; meus e de minha namorada também. “Pesadelos são comuns nesta fase.”, pensei. Estava entretido demais. Mas… ao mesmo tempo não CONSEGUIA avançar! A história se desenrolava num mistério sem fim. Eu podia sentir meu coração batendo descompassado no peito, mas tentava ignorar me sentindo absurdamente tentado. Numa dia de tarde, de repente… minha namorada – que estava deitada dormindo ao meu lado – começou a gemer sentindo dores na barriga. Fiquei preocupado, olhei ela e o livro no meu colo… larguei o livro no chão. Ela segurava a barriga com força. Segurei suas mãos e a beijei. Novamente um sonho ruim enquanto eu lia aquele livro ao seu lado… Era difícil ignorar os sinais. Na tarde seguinte estávamos no quarto ouvindo música e conversando. O livro estava em minha cabeceira… Ela encarou o livro com um olhar de nojo. Disse que não sabia por que eu estava perdendo tanto tempo com “aquela coisa horrível”. Alguns dias se passaram até que tentei mais uma vez, continuar minha leitura. Nem mesmo EU, sabia dizer o motivo de querer continuar, pois não estava gostando da leitura, mal conseguia avançar. Simplesmente queria aquele livro comigo em minha casa. Na mesma madrugada… ela acordou gritando e acordando a todos. Chorava e me apertava. Eu olhei pro livro e ele estava ali parecendo me olhar de volta. “Por favor, por favor… Joga esse livro fora. Ou tira ele daqui do quarto.!!”. Na manhã seguinte ele estava no lixo.

PT.2

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Dez anos depois… Tudo estava diferente… Me tornei um verdadeiro leitor, mais do que antes. O prazer de ler um livro pra mim… se tornou descomunal. E as outras coisas que me davam prazer… tornaram-se vazias… bobas… eram rebeldias sem sentido. Estava sozinho numa banca de jornal, quando… ELE estava apareceu. “OLHA, NÃO ACREDITO!”. Agora com capa nova (muito mais sombria do que a anterior) e nela tinha escrito: “EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO” (…) Senti novamente aquela curiosidade de anos atrás… Senti o desejo. Pensei nos fatos passados, mas me convenci de que aquilo era bobagem de crianças assustadas, que viviam uma fase de tensão. E que todo aquele medo e estresse… era apenas tolice. Acabei comprando o livro e comecei a ler exatamente de onde parei. Mas durante a nova leitura experimentei novamente as mesmas sensações estranhas.

O tempo inteiro me sentia observado pelo próprio livro… Mesmo assim continuei. Passei a sentir fortes dores no estômago sempre que lia as falas da personagem principal; uma menina de doze anos possuída pelo diabo. Durante suas falas, eu acabava interrompendo a leitura e correndo para o banheiro… tinha crises de diarreia e vômito. Ficava reproduzindo em minha mente a imagem da menina com rosto desfigurado. Seus olhos brancos… mortos… seu sorriso cruel estampado na face destruída, cheia de cicatrizes e feridas. Podia ouvir a voz gutural em minha mente dizendo coisas ruins, grotescas, obscenas… assassinas. E que não eram exatamente passagens do livro; eram coisas que ela dizia PRA MIM. Eu ria nervosamente tentando fazer aquilo soar ridículo. “É só um livro…Quantos livros de terror você já leu?!”.

PT.3

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O que quero dizer… é que desde o início: tudo parecia apenas fruto de uma imaginação supersticiosa… apegada a crença numa energia que após ser “depositada num objeto”… ativava a sensação do medo REAL em todas as pessoas em sua volta. Mas… O pesadelo tomou dimensões verdadeiras, apenas há três dias. Senti um aperto no peito… Tive uma certeza absoluta de que algo realmente ruim aconteceria, e que a presença do livro estava diretamente ligada a todo e qualquer azar que ocorresse comigo… e com minha casa. Mas… eu não conseguia desapegar da leitura e nem me desfazer da Edição Especial de Aniversário. Levava comigo para TODOS os lugares que ia… Com ele debaixo do braço, desci o elevador… “Joga isso fora antes que você acabe PERDENDO alguém…”. Era uma frase bem específica… que foi dita dentro minha cabeça. Decidi, de verdade, atirar aquele exemplar no primeiro cesto de lixo que encontrasse. O ELEVADOR PAROU… As luzes se apagaram. Engoli seco. Meu corpo inteiro tremeu… Não existia vento, nem passagem de ar… mas as páginas começaram a passar sozinhas até chegarem exatamente onde eu tinha parado de ler. Enfraqueci de medo deixando-o cair no chão… Num acesso de raiva comecei a pisotear o livro com força enquanto soltava grunhidos de ódio. A porta do elevador abriu e a luz voltou. O zelador do prédio estava parado em minha frente me olhando assombrado. Quando o notei, ele tentou sorrir e com uma voz meio nervosa brincou: “Não gostou da leitura patrão?”, não respondi. Tentei sorrir, mas não me lembro se consegui. Saí correndo como louco pelo prédio até ganhar a rua e encontrar uma lixeira.

Atirei o livro na primeira cesta que encontrei, empurrando-o para que ficasse bem no fundo e escondido… não queria que ninguém mais o achasse. Antes de voltar pra casa resolvi caminhar pela orla e ver o mar. Estava realmente aliviado e feliz… Bebi uma água de coco e fiquei sentado pensativo enquanto observava as ondas. A maré estava cheia de ondas grandes que faziam uma espécie de dança pra mim. Pensei em Deus naquela hora… e me toquei de que não pensava nele desde que tinha comprado o livro. Fiquei ali por mais alguns minutos e foi muito bom… Entrei em casa e me esperavam pro jantar. Eu estava animado e falante… Me sentia leve… Não durou muito tempo.

PT.4

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Depois de jantar fui até o meu quarto e entrei acendendo a luz… Quando dei de cara com a EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO. Estava no chão, bem no meio do caminho. Senti como se meu coração fosse perfurar o peito e correr sozinho pela casa. No mesmo instante me escorei na porta e vomitei no chão e um pouco em cima do livro. Me recuperei rapidamente limpando o chão antes que chamasse atenção das pessoas. Limpei o livro com um pano molhado… só que não consegui remover o cheiro. De fato, o mau cheiro lhe caía bem… Já queria tê-lo comigo outra vez. O feriado de São João estava próximo e no dia seguinte iríamos pruma casa no interior e de noite acenderíamos uma fogueira. Comecei a maquinar mais uma vez uma forma de me livrar daquele livro. Não preguei os olhos remoendo a imagem da Edição Especial de Aniversário sendo queimada na fogueira. A meta estava estabelecida… Enquanto isso… o livro permanecia ao meu lado na estante. Me olhava o tempo inteiro e agora eu tinha certeza disso. Ele me vigiava.

Na noite seguinte… quando acendemos a fogueira, eu corri em sua direção. Segurava o livro com as duas mãos. Ninguém entendeu quando o atirei no fogo. Com um riso sem graça inventei a primeira desculpa que me veio: “Foi uma PROMESSA”. Sentei ao lado da fogueira e fiquei assistindo ele queimar até o fim. “Quero ver você voltar agora, desgraçado.”. Mas… Sim, ele voltou. Assim que a fogueira se desfez eu corri pro meu quarto e encontrei a Edição Especial de Aniversário em minha cama. Em cima de meu travesseiro como se quisesse ter CERTEZA de que eu a encontraria… assim que chegasse. Desta vez eu não me desesperei… Pois… Sabia que ele retornaria. Tomei a decisão de terminar o livro… Página por página até a última linha. Talvez assim finalmente ele “se cansasse” de mim. Talvez tudo que esse maldito livro queria é ser lido, como todos os outros. Mas ele não foi embora… está aqui, agora mesmo. Enquanto escrevo esta história que ninguém acreditará ser real. Sempre ficarão na dúvida… “Ele inventou tudo isso?”, “Ele pegou um acontecimento verdadeiro e fantasiou toda a história?”, “Será que ele ainda tem o livro em algum lugar da casa dele?”. Como saber…? Como saber…???

 

Henrique Britto
Enviado por Henrique Britto em 24/03/2022
Código do texto: T7480160
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