Debaixo das Cobertas
O artificio para fazer as palavras brotarem é sempre semelhante. Começo rememorando todos os pontos a serem explorados na narrativa e quando cada pedaço parece devidamente aglutinado, o desafio se torna deslindar um ponto de partida, por meio de palavras ser capaz de atiçar a curiosidade alheia.
Alvejado por um turbilhão de ideias em forma de letras, mesmo concentrando energia para atravancar o desejo, sou impelido pelo súbito desejo de lançar a pergunta: como será que Stephen King faria?
Tudo bem, até aceito o fato de não ser o mestre do terror, mas ao lançar ao léu a despropositada indagação, ao passo de um singelo estralar de dedos, a antes claudicante trama passa a ser adornada por novas nuances, a irromper na mente como resultado de alguma bruxaria ou coisa do tipo.
Certa feita, durante um bate-papo deveras inspirador, duas perguntas acarrearam instantes de ruminação fulcral. Você praticamente venera alguns escritores, mas parece evitar a todo custo “copiar” o estilo deles. Certo? Nunca tinha analisado as coisas por esse prisma. Talvez eu me leve a sério demais para resumir minhas desventuras literárias à condição de reles simulacro, mesmo comprometendo o resultado final. No entanto, o experimento é um tanto mais complexo, acaba atrelado a uma segunda pergunta, até incessantemente respondida por outros autores mais gabaritados: por que o terror? Simplesmente por não ter outra escolha, embora não seja raro me ver enveredando por caminhos diferentes, às vezes mais líricos e melosos.
Essa falta de “escolha” acaba dissociando os textos produzidos das leituras cotidianas. Em quase letargia, agarro mais forte as cobertas enquanto a chuva espessa se choca contra a janela. Ao abrir os olhos, alguma coisa se revela, parece velar meu sono, sorrateira no breu. Se simplesmente me rendo ao temor e tento me ocultar em meio ao cobertor, os pés e tornozelos acabam desnudos, vulneráveis aos gadanhos capazes de desossá-los e gradativamente esgaçar todas as partes corpo, para seguidamente deixar reverberar um riso inclemente, retumbante.
A aparição cessa antes de berrar alto o bastante para despertar os mortos. Será que realmente se foi ou ocultou-se debaixo da cama? Não tenho coragem de olhar! O melhor a fazer é voltar a dormir e, se mais uma vez puder acordar, irei me ater a escrever. Narrar até poder ser o que me mantém vivo, mas o terror, o terror sim é a minha vida.