******
“UM BOLSO, QUATRO PEDRAS”
–“Todo escritor deveria escrever ao menos UMA história sobre um hotel amaldiçoado”… Stephen King disse algo assim, não foi…?
– Então é POR ISSO que você tá aqui? Hahaha…! Que bobo… – Nicky não riu. Apenas revirou os olhos como se procurasse qualquer coisa no bar ou no hotel inteiro que fosse melhor do que ela (e não encontrando) – A garota ajeitou o cabelo atrás da orelha; suas bochechas ficaram imediatamente coradas.
– Você trabalha aqui, então… sabe do que dizem Baby. Sobre a parte “antiga” do Hotel Riviera. Tudo que dizem daqueles apartamentos antigos no fundo… eu vou descobrir. Hoje. – Ela então suspirou cruzando as pernas dando um pequeno chute no ar… Era pra ser sensual, mas acabou desajeitado e derramou um pouco de vinho no chão. Também, pudera… Ele mencionou a “parte antiga do Riviera”. Não dava para ficar simplesmente tranquila. Ninguém nunca falava sobre isso. E também ele era “o” Nicky Solomon em pessoa! O grande escritor de histórias de horror e caçador de fantasmas! Ele mesmo em carne e osso! Nicky prendeu a risada mas estava satisfeito. A vida ainda parecia normal até o momento e tudo sempre podia piorar bem rápido…Ele contava com isso.
– Meu nome é Cathy. Não que você tenha PERGUNTADO e pare de me chamar de Baby. – Ela sorria o tempo todo, apesar de não disfarçar o nervosismo. Era muito linda…Tinha cabelos loiros pouco abaixo dos ombros. … usava um batom vermelho (assim como seu vestido) Nicky chegou a pensar que tudo nela era, meticulosamente desenhado, por um “criador” (mas não acreditava em “criadores”) … Cathy ficou mexendo na bolsa, procurando alguma coisa. Tirou quatro pedrinhas e pôs no balcão.
– Toma. Fique com elas.
– Hum?! Que é isso agora…?
– Pega. Elas me dão sorte. Elas… Me mantêm… Viva.
– Nicky pôs a bebida na mesa. Olhou-a nos olhos. Parece que o “Momento Casa Amaldiçoada” finalmente tinha chegado.
– Você fará assim: mas NÃO agora! Põe elas na boca entre as bochechas. Mas SÓ quando estiver tendo MUITOS problemas. Elas só funcionarão quando você precisar… de verdade. E talvez você encontre isso hoje, né? É o que você tá procurando, então…Fique com elas e quando sair me devolva; Senhor Escritor.
– Gostei… obrigado.
******
“… E UM TCHAU, TCHAU”
Nicky tinha que entrar de cabeça no “clima místico” dos lugares que ia (a história por trás das mentiras, era o que de fato importava) e conhecer uma linda mulher que lhe entrega “pedras da sorte para bochechar nas horas de pânico” dava um ótimo início. Pegou as pedras e brincou com elas jogando-as para cima. Cathy fez uma careta, indicando que aquilo não podia ser feito mas permaneceu calada. Nicky percebeu e parou. Pôs as pedrinhas no bolso.
– Acho que você devia se mandar daqui, grande escritor… Eu até que gostei de você e por isso emprestei as pedrinhas. – Nicky mexia no gelo da bebida com um ar distraído… Era comum que tentassem impedi-lo. – Te devolvo de manhã…Prometo! – Nicky deu uma olhada em torno do hotel e quando retornou, Cathy tinha sumido. Apalpou o bolso sentindo as pedras. Sentiu-se tenso pela primeira vez desde que entrou… Pensou que teria trabalho pra convencer o gerente a deixá-lo usar um dos (tão temidos) apartamentos do fundo. Mas logo ficou claro que o homem estava interessado “apenas” em suborno. E diga-se de passagem… ele era bem barato. Assinou um contrato isentando o hotel de “culpa por qualquer acidente”. Nicky seguia com um riso constante de deboche “contido” indicando a todos que tinha encontrado o seu “Paraíso Particular dos Escritores do Terror-trash” o que não era – nem um pouco – apreciado por mais ninguém. – Pronto, já é quase meia-noite… Hora de parar com a bebida e subir… nada de ficar sonolento e perder a festa. – Sussurrou para si.
– Inteligente. – Disse uma voz atrás dele, era Cathy outra vez. – Passei para dar o último “tchau, tchau”… Ainda te vejo nessa vida… “Baby”?
Nicky foi pego de surpresa mas, logo assumiu sua postura arrogante de sempre, dando um sorrisinho cínico.
– he he… CLARO!! Te verei em todas as vidas possíveis… – Cathy lançou um olhar triste… e severo. Seus olhos diziam algo que Nicky preferia ignorar.
– Bem… Eu realmente preciso ir. Quer tomar café amanhã de manhã comigo? – Cathy passou a mão nos cabelos com um ar de quem estava sofrendo… sentindo alguma dor… Em seguida disfarçou e abriu um largo sorriso.
– Claro Nicky Solomon, seria uma honra. Você devolva minhas pedrinhas tá bem? – Cathy se virou bruscamente e saiu apressada, sem olhar pra trás. Nicky se sentiu morno no peito…Mas não confiava em alertas e palpitações do coração desde que teve de enterrar sua esposa… Num passado que ele fazia de tudo pra parecer muito, muito mais distante do que realmente era.
******
“O PASSADO TEM CHEIRO DE MOFO”
– Aposto que não puseram televisão e internet de propósito… Difícil um homem não ficar tomado de horror numa espelunca dessas por oito horas seguidas e sem Wi-Fi… DROGA! – Pegou o bloco de anotações… dali sairia a matéria bruta do próximo livro. Começou (oficialmente) a escrever no caderno… ainda de forma reflexiva: “O que pode assombrar alguém, muito mais do que monstros num armário de um hotel mal assombrado? O quê?! LEMBRANÇAS podem…”, escreveu. Tentou sorrir e não conseguiu.
– Chega de fingir, não tem mais ninguém… No final das contas, não têm. Melhor eu me acomodar… – Olhou em volta…Um quartinho com uma cama e uma janela (que não abria). Um banheiro e mais nada… A janela tinha vista pro estacionamento.
– Então ESSE é o quarto mal assombrado de que tanto falavam…
A cama era confortável e cheia de travesseiros. Nicky juntou todos eles e se sentou. Continuou tentando escrever… “Monstros não existem. Eu os procuro por toda parte e… nada. Assombrações…? Nada. Na verdade me sinto vazio.”. – Sentiu uma respiração em seu ouvido, um perfume bem conhecido… e voz…
– Eu posso ficar com você… ou continua sem tempo pra mim?
A voz o fez pular no chão de susto. Nicky permaneceu por alguns segundos respirando ofegante com o rosto no tapete, tentando em vão se acalmar… – Conte, conte, conte… 1… 2… 3… AGORA! Se virou de uma vez e sentou no chão encostado na beira da cama tapando o rosto com as mãos. Queria olhar, mas ainda não tinha coragem…Tremia de medo, mas não de fantasmas… Ele tinha medo DAQUELE fantasma específico. – OLHE PRA MIM, HOMEM!!! Você vai ficar assim até de manhã?! – Nicky se levantou… e devagar foi tirando dedo por dedo do rosto, até olhar… Ela estava deitada na cama vestindo uma camisola branca. Seus olhos eram totalmente brancos, mas o resto continuava quase igual ao que era. Nicky Fechou os olhos de novo apertando-os com força. – É A MINHA IMAGINAÇÃO, 1… 2… 3… É claro… É claro que é!! – A mulher na cama coçou a garganta como quem dizia: “Então… Eu continuo aqui.”. – Fazendo-o gritar e se sacudir pelo quarto.
– Uau… Para quem ganha à vida com histórias de susto, você se assusta e da chilique até que fácil demais, amor…
– Eu não sou seu AMOR!! VOCÊ É UMA ALUCINAÇÃO!! Eu cremei você… eu perdi você…
– Arrrh… Já está chorando? E tudo é sobre você, você… e você… TÁ BOM, então… Feche os olhos. Garanto que já vai passar… – Nicky piscou e quando abriu ela ainda estava lá. Agora usava um vestido que ele gostava demais no passado. Mas tinha um olhar furioso.
– Meu corpo mal tinha ESFRIADO!!! … quando você… você… Já dava entrevistas sem aliança nenhuma!! Então… Nicky SOLOMON!? São Lembranças e não merdinhas de horror que apavoram um homem. Hum? Você escreveu. Estou ADORANDO sua nova linha de pensamento… Do que você se lembra?! DIGA MEU NOME!!!!!!!
– AAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHH!!!
– … O MEU NOMEEEEEEEEEE!!! Está com medo? FINALMENTE!!! Abra a porta! Saia correndo!
– VOCÊ NÃO É ELA!!!!!!!
– AAAAHH NÃÃÃOOO… ??????? – O fantasma surgiu bem diante do rosto de Nicky e tentou beijá-lo. Ao recuar Nicky caiu batendo a cabeça na quina da cama. Uma gargalhada soou por todos os lados do quarto. Caído no chão… “O Grande Escritor de livros de Horror e Caçador de Fantasmas” preferiu não se mexer enquanto o sangue descia e a dor na cabeça ficava tão aguda que o quarto inteiro girava. – Você Não é ela… não é… ELA NÃO ERA ASSIM!!! Ela era uma pessoa incrível!!! – As lágrimas desciam enquanto ele segurava o machucado na cabeça. O sangue escorria num filete vermelho pelo seu rosto sujo e suado. Começou a chorar outra vez, alto como uma criança…Tentava cobrir o rosto com a mão e as lágrimas escorriam entre os dedos. Ela apareceu mais uma vez ao seu lado com um vestido de noiva.
– E como EU ME SINTO… Nicky? Vendo você sair paquerando por aí…agindo como se nunca tivesse tido uma esposa na vida?! VOCÊ NEM FALA MAIS DE MIM!!! Você nem se esforçou pra que eu vivesse mais…
– ISSO É MENTIRA!! Eu fiquei do lado… dela. Nós fizemos de tudo, todo mundo!!! Os médicos, eu, a família dela… todo mundo…
– ESTAVA ESTAMPADO NA SUA CARA, canalha… Você… cansado de ficar comigo me vendo MORRER. Você queria que a doença me levasse logo, queria sua juventude de volta… Você queria que a doença me levasse, todo mundo percebeu… Você queria que a doença me levasse… Você queria que a doença me levasse… Você queria que a doença me levasse…Você queria que a doença me levasse… VOCÊ QUERIAAAAAA!!!! VOCÊ QUERIA, VOCÊ QUERIA, VOCÊ QUERIA…!!!! – Nicky agarrou o abajur e atirou nela com ódio. – CALA A BOCAAA!!!! – O abajur a atravessou batendo na parede e caindo. Ela sorriu… E então, desapareceu. Nicky se atirou na cama, se sentindo esgotado… fraco e nauseado… dormiu.
******
“VOCÊS VENCERAM, OBRIGADO”
Nicky despertou… – Deus… tomara que já tenha amanhecido… Preciso sair daqui. – Olhou em volta… Completamente suado e machucado… a cabeça latejava de dor. As lembranças daquelas terríveis horas recentes vieram a tona rapidamente. Começou a chorar outra vez… Soluçava, se sentia patético.
– Foi uma alucinação… foi, foi, com certeza… Mas… Esse hotel realmente é “dos bons”. Darei nota CINCO (jamais dada) no livro, nos sites… Eles conseguiram. – Nicky rodava sem rumo pelo quarto batendo palmas e berrando.
– TENHO MINHA HISTÓRIAAA… OBRIGADO…!! Preciso dar mesmo e o fora daqui. O QUÊ?! NÃO ACREDITO, não pode ser… ainda são 3 da manhã?! AINDA? – Se levantou com dificuldade olhando em volta… andou pelo quarto e ligou o ar-condicionado. Sentia a pele fervendo. Sentou-se na cama desolado.– Se eu sair agora… é meu fim! Não posso fugir… Eu disse “de manhã” eu disse pra todo mundo… Uma noite.
Uma mosca encostou em sua pele e Nicky gritou quase caindo outra vez. Deitou-se no tapete em posição fetal, balbuciando… – Eu fiquei com ela? Sim, sim. Até o fim… Fiquei… Eu vi tudo. Eu não parei de OLHAR ela morrer… – Se levantou num salto e foi até a janela. Uma mulher estava lá embaixo ao lado de um automóvel, pulando e balançando os braços tentando chamar atenção. – É a Cathy!! CATHYY… Aquiii!!! – Ela sorriu e acenou, fazendo sinal pedindo pra que ele esperasse. Escreveu alguma coisa num cartaz e o levantou. Apenas uma palavra: “FERIDAS” – Nicky balançou o braço fazendo sinais dizendo que não conseguia entendê-la; Houve um barulho no banheiro e Nicky se virou…Quando voltou novamente e encarou a janela… Ficou boquiaberto e frustrado; dando passos pra trás até se sentar na cama, mais uma vez sem poder acreditar no que via…
– Vidro… VIDRO… FUMÊ…?! – Rindo e chorando ao mesmo tempo… Nicky encarava o azul-escuro (e preso por parafusos), sem vista para lugar algum: Espelho do quarto do Hotel Riviera. Sentiu-se doente, enlouquecendo…
– Tá legal Riviera, vocês venceram… Vocês existem. Mesmo…. Vou dar o fora daqui.
– Mas antes… o banheiro… Eu tenho que ir lá… é meu trabalho, eu TENHO que ir lá… tenho que ver… – Nicky Solomon se lembrou de todas as vezes, desde que era pequeno em que “tinha que ver” alguma coisa. “O Homem do Saco” ele tinha que ver. “O Monstro no Armário”, “O Bicho-papão” ele tinha que ver. Qualquer coisa que fosse malévola, monstruosa, fantasmagórica, fantástica… Nicky queria olhar e nunca encontrava nada. Entrou no banheiro e não havia ninguém… Suspirou.
– SE VEJA NO ESPELHO VOCÊ NÃO FEZ NADA QUE PENSA QUE FEZ!!! – Nicky gritou olhando em volta e se viu no espelho. Estava coberto de feridas nos braços, pescoço e bochechas. As feridas estavam cobertor por moscas e vermes que caminhavam livremente.
Apertou os olhos mais uma vez… – Calma, calma, calma… 1… 2… – lembrou-se das quatro pedras da sorte de Cathy. Imediatamente tirou-as do bolso enfiou na boca; do jeito que ela tinha ensinado… Duas em cada lado. Começou a se apalpar e percebeu que suas mãos davam-lhe informações diferentes dos seus olhos. Ele não sentia as feridas. Elas não existiam. Ainda de olhos fechados, devagar retirou o espelho e o virou ao contrário. – Eu entendi este quarto…A voz novamente soou acusadora:
– Se entendeu… Por quê não me olha e fala comigo?
– Porque É ESSA a maldição desse hotel barato! É isso! É A CULPA. Eu… eu… fiz tudo por ela, tudo…
– Será?
Nicky soltou os braços no ar e bufou com desprezo. Por mais que tentasse sair triunfante, seu coração indicava o contrário. E seu pavor era indisfarçável.
– Se não acredita em mim, ou que posso te machucar. Porque não vem aqui, pegar seu caderninho e caneta da sorte?
– Se você fosse ELA saberia que tenho um milhão de caderninhos e um milhão de canetas sorte. Basta que sejam minhas… – Nicky correu e agarrou a maçaneta. Atrás de si começou a escutar gritos, gemidos e gargalhadas. A porta não abria. – A CHAVE!! – Olhou pra trás…
– Deus do céu… você ainda está aqui.
– Você agora acredita nessas coisas? Deus…? – De repente o fantasma surgiu ao seu lado com uma roupa de freira de couro e a saia era minúscula. Até o cheiro era igual ao dela, mas os olhos não… Sempre brancos, nulos… Não tinha vida. – Nicky abaixou a cabeça e olhando pro chão… e foi andando muito devagar até a cama onde estavam a chave e seu caderno. Ela o acompanhava bem ao seu lado e ele a ignorava.
– Diga meu nome… amor, por quê você não diz meu nome?
– Eu não sei quem é você.
– Diga que tipo de MARIDO VOCÊ FOI!!! – Nicky continuava andando…
– Do tipo que: alguns dias é ruim… e noutros dias é bom…
– Eu queria muito… Que minha esposa estivesse viva. Ou que ela aparecesse pra mim, aqui hoje. Mas você NÃO É ela!
– DIGA MEU NOME!!!!
– VAI SE FODER!!!! – Nicky Solomon, “O Escritor de Histórias de Horror e Caçador de Fantasmas” agarrou as chaves, caneta e caderno e correu até a porta, ela ainda o seguia. Agora chorava…
– Você vai me DEIXAR… DE NOVO!!! DE NOVO E DE NOVO E DE NOVOOOO…!!
Nicky saiu.
******
“CATHY”
– Garçom, er… Oi! Me desculpe…
– Você foi ATROPELADO ou coisa assim?! – O garçom riu enquanto empurrava um copo d’água para Nicky como quem diz: “SIM, você merece um copo d’água.”
– É que eu estava nos quartos dos fundos, passando a noite…
O garçom - que antes estava distraído limpando alguns copos - virou e encarou Nicky de cima abaixo como quem observa um homem vindo da guerra. Suspirou…
– E tá vivo… Legal, isso é raro. Você deve ter a cabeça boa… amigo.
– hã… hã… obrigado. Escuta, você pode me informar onde eu encontro a Cathy, que trabalha aqui?
– Você encontrou.
– Não entendi…
– CATHY é nome da mulher que morreu lá no fundo, e é DELA que todo mundo tem medo, amigão. Os caras que morreram lá dentro escreviam o nome dela nas paredes… E quem saía, ficava maluco repetindo o nome dela! Inclusive a gente evita ficar dizendo o nome dela, sabe…
Nicky segurava o copo quase a ponto de quebrar. A boca tremia… todo aquele pavor de horas atrás parecia estar latente em cada parte do corpo. Mas ele tinha que perguntar… (pois ele “tinha que olhar”) tinha que saber…
– Por quê evitam dizer o nome dela?
– Ué… Porque ela gosta. Ela adora que repitam o nome dela…