COSTAS LARGAS

“Talvez eu devesse pedir socorro mas não quero que meus ‘amigos’ me vejam assim e… Pra falar a verdade nem somos TÃO amigos só bebemos juntos. Caçoarão de mim, nunca vão parar de me azucrinar… deixa pra lá. Essa cola… comprei a cola errada?! Mas a pintura foi anteontem! Colei as costas na parede… me encostei, droga! Colei. É uma cola é muito boa… forte (o vendedor tinha razão)! Puxei o máximo que pude e senti minha pele rasgar. A dor foi tão grande que parei. Se puxasse com TODA força, minhas costas ficariam em carne viva… completamente. Como esconderia ISSO das pessoas? O povo do trabalho, já pensou? Já fazem OITO HORAS, sinto fome. Talvez pudesse ligar pra família… algum primo por perto. Mas… eu nunca os procuro pra nada! Reclamavam tanto que eu não ligava… que só ligava quando precisava de dinheiro. Então consegui um trabalho legal e não liguei mais, e nem fiz por mal. Não foi vingança, orgulho, nada disso… Só não tive tempo! Uma coisa atrás da outra e de repente já é de noite… já é domingo, sempre tem mais… Puxei um banco, sentei. Logo a questão do intestino e bexiga – não querendo entrar em detalhes nojentos – PIORARÁ. O quarto ficará fedido, terei nojo de meu próprio corpo. Aí é que não vou chamar ninguém, mesmo! Deixo registrado que optei por morrer aqui preso, mesmo. E espero que não seja alguém conhecido que me ache. Mas… mortos são fáceis. Mortos não se importam, VIVOS se importam! EU me importo tanto com o que acham de mim que prefiro morrer do que pedir ajuda. Tudo bem… Não faço falta. Não acho que evoluiria pra “mais” do que tenho sido. “Um humano melhor” acho que não. Só ficaria mais velho e pronto. Ninguém liga, já passaram… hum… Talvez dois dias. O celular descarregou, claro. Peguei um guardanapo e um lápis do bolso, só pra acabar. Estou exausto, com fome e sono… impressão de que se fechar os olhos e dormir… será o fim. Então: ninguém bateu (nem o porteiro!). O celular descarregou e nada de ligação nenhuma… mensagem… nada. O cheiro incomodará os vizinhos. As contas… internet, água, luz… Aí é que aparecem. Preciso fechar os olhos… Muito sono. Que sono bom…! Queria ter sentido um sono assim outras vezes, mas é que…”