I

Éramos um casal entediado, mas não éramos infelizes um com o outro. Tínhamos nossas rinchas, mas havia uma qualidade essencial: Ela se preocupava com minha felicidade e eu com a dela. Então, eu pensava comigo: “Não, ela não tá com ninguém… Não pode ser. Ela tá dizendo a verdade.”… quando me veio com aquela conversa de que estava vendo uma rezadeira, bruxa… macumbeira… sei lá… E que naquele mês: todas as sextas-feiras passaria as noites por lá, com ela… fazendo uma espécie de “desintoxicação espiritual”. (…) Involuntariamente aquele pensamento bobo masculino invadiu minha cabeça: “Daí… nos outros meses… Ela vai inventar que vai às sextas-feiras orar pela mãe, depois pelo pai, pelo trabalho, por mim… E quando não tiver mais o que inventar, ela vai me contar a verdade… e pedir o divórcio…”. Esse pensamento tirava meu juízo. Eu entrava no banheiro com vontade de chorar evitando cair em prantos na frente dela. Sozinho, ficava imaginando ser traído e pegava um travesseiro, empurrando-o contra minha cara como se quisesse me asfixiar… então gritava um grito prolongado e abafado… Ao fazer isso, me senti melhor? Claro que não. Então a primeira sexta-feira chegou: E ela antes de sair veio falar comigo… calmamente… Dizendo que eu andava bebendo demais, e que sabia que eu estava estressado com esse papo de rezadeira… Sentamos no sofá da sala, e ela já estava pronta esperando que eu me abrisse, mas lutei até o fim. Então ela se levantou olhando o relógio e fazendo uma cara de “Eu não tenho mais tempo pra isso…”. E se foi. Fiquei sentado na mesma posição por horas… “Tudo bem, tudo bem, ela não tá me traindo… Mas então… Pra onde ela está indo??? Que diabo de feitiçaria é essa? Devo segui-la?”

II

Passei o resto da noite sentado no sofá, na mesma posição. Me levantei quando escutei o barulho do elevador lá fora. Corri para o quarto, me deitei e fiquei de olhos fechados. Provavelmente ela escutou… ou sabia que eu estava fingindo. É nisso que dá ficar mais de vinte anos com alguém… Conseguem antecipar quase todas as idiotices que fazemos. Na sexta-feira seguinte, fiquei devorando um balde de pipoca encarando a porta, esperando… E o tempo foi passando… Acabei dormindo na sala, sentado.

Ao abrir os olhos, estava quase amanhecendo e ela estava de pé olhando pra mim e não parecia nada feliz com a cena patética. Me levantei e não dissemos absolutamente nada. A verdade é que ela queria que eu me sentisse TOTALMENTE errado pela falta de confiança… mas ao mesmo tempo se recusava em me dar algum detalhe sobre o que andava fazendo. Sem argumento nenhum, acabamos os dois indo deitar… Juntos, mas não abraçados, como de costume. Não consegui entender…olhei-a bem de perto pra ter certeza…e… Ela estava COBERTA DE TEIAS! No início pensei que fosse algodão, mas eram teias de aranha por toda parte de seu corpo! Braços, axilas, seios… BOCA! “Cristo! Onde essa mulher está se metendo? TEIAS?!”.

Com a chegada do fim de semana, era como se algo em nós tivesse sido reconstruído. Parecíamos um casal de jovens recém-casados. Passávamos o dia todo juntos. Saíamos pra almoçar em bons restaurantes. Curtíamos uma praia e depois uma boa soneca até o final da tarde. De noite fazíamos amor… Depois eu saía e preparava uns sanduíches e comprávamos refrigerante. Assistíamos filmes abraçados até a hora de dormir. Mas… Quando chegava a hora de dormir: uma pontada de realidade picava meu coração. A última sexta se aproximava… A última noite fora de casa. E eu ainda me perguntando “Será que será MESMO a última?”.

III

A verdade é que a ideia de que a perderia estava me deixando em total desespero. Eu estava completamente irracional e precisava fazer alguma coisa pra recuperar minha paz. Então tive uma ideia… Uma péssima ideia:“Vou tentar pingar remédio pra dormir no suco dela e então fico com seu celular. Se ela tiver um amante… Ele deve telefonar ou mandar alguma mensagem suspeita. Ou… essa tal ‘rezadeira’, essa PILANTRA… vai me explicar direitinho o que anda fazendo com minha mulher!”. O plano era simples. A semana foi passando e eu estava uma pilha de nervos por dentro. Minha mulher e eu mal conseguíamos conversar. Ela também estava estranha… Tinha enormes olheiras, estava engordando rapidamente e o estranho é que eu quase não a via comendo. Tudo que eu pensava era: “E aquelas teias de aranha?!”. A semana passou devagar e na verdade aqueles dias foram mais lentos do que todos os anos inteiros que passamos juntos. Eu estava exausto e triste e ela parecia estar milhões de vezes pior… Afinal, o dia chegou. E realmente o plano do remédio pra dormir correu perfeitamente… E eu nem imaginava o terror que viria depois. Não podia imaginar que a partir daquela sexta-feira, eu passaria o resto dos meus dias e noites com medo e isolado. Medo de que ela me encontre… Como um bom marido ofereci o suco e ela tomou tentando sorrir e parecer meiga. Mas estava nitidamente ansiosa pra sair… Ela saía às sete e já era cinco e meia. Segui conversando como se nada tivesse acontecido. Estávamos sentados no sofá. A quantidade de remédio que coloquei em seu suco, derrubaria até mesmo um cavalo… A medida que a conversa se seguiu ela ia piscando os olhos mais lentamente… mais e mais… e sua fala foi ficando embolada. “Estou me sentindo mal, mas TENHO que sair… preciso sair. Hoje é o último dia… Lá… com… meu… compromisso.”. Desmaiou. Encarei ela caída no sofá. “Deus, o que eu fiz??”

IV

Deitei-a na cama, tranquei as portas do apartamento, peguei seu celular e sentei na sala bebendo uísque. Eu estava eufórico, louco… Mas de qualquer forma a VERDADE seria revelada. “Alguém desse ‘compromisso’ vai procurar elaE eu vou ter RESPOSTAS!”. Nunca podia imaginar o que viria em seguidaLevei um tempo na sala com a televisão ligada, encarando o telefone… mas… nada. Ninguém telefonou. Então resolvi ir até quarto e ver como ela estava; Já me sentindo terrivelmente culpado. Parei na porta… E a vi… A verdade me foi mostrada e eu jamais estaria preparado pra ela. Pude sentir e escutar meu próprio grito brotando de meu corpo, misturado também com os gritos que “aquilo”, aquele seraquela ABERRAÇÃO em cima da cama produzia. De barriga pra cima, sacudindo as enumeras patas de forma alucinada, me fazendo vomitar no chão de agonia e medo. Era uma ARANHA GIGANTE, que ocupava toda a cama de casal se contorcendo de raiva por não conseguir ficar de pé. Ela soltava um grunhido agudo e alto, que fazia tremer os vidros da casa. Suas patas chacoalhavam no ar… não havia nada de humano ali. Mas EU SABIA QUE ERA MINHA MULHER e estava tudo explicado: Fizeram alguma maldade com meu amor…Uma experiência, uma maldição… E agora ela era um monstro! Uma coisa gigante que se debatia na cama. Em segundos pensei em milhares de atitudes… Pensei em ajudá-la a ficar de pé. Pensei no que poderia acontecer se simplesmente a deixasse livre… Não conseguia parar quieto num lugar… Assim como não conseguia parar de gritar a cada tremelique que a aranha na cama emitia. Corri pra cozinha e voltei com querosene e isqueiro. Atirei primeiro o líquido e a aranha parou de gritar… Seus movimentos ficaram lentos. Fechou-se unindo as patas como se tivesse drogada, aliviada. Hesitei… Pensei em minha esposa e em todos os fins de semana de várias décadas que passamos juntos. Pensei em tudo que tínhamos construído. Mas então, ela voltou a berrar ainda mais alto e seu ventre peludo se mexia enquanto suas mandíbulas ABRIAM E FECHAVAM como se quisessem me morder. Acendi o isqueiro e ateei fogo em minha esposa… O fogo se espalhou rapidamente tomando seu corpo. O zumbido ficou ainda mais agudo, histérico e assustador. Saí correndo do apartamento… A cena daquele monstro queimando é o que guardo constantemente na memória e atormenta meu sono, todos os dias. Vivo recluso. Sempre com medo. A intenção desta carta é dizer que MONSTROS EXISTEM… Eles são 100% são reais, estão entre nós! E que… Possivelmente se reproduzem! Existem outras iguais a ela, SEI dissoProcurando por mim…

 

 

 


 


 


 

Henrique Britto
Enviado por Henrique Britto em 04/03/2022
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