O HOMEM QUE NÃO GOSTAVA DE CARNAVAL

CLTS 18

Valéria Guerra Reiter

 

 

 

Creonte vivia com sua mãe, em uma Comunidade do Rio de Janeiro, aos trinta e oito anos; ele ainda não sabia ler. Trabalha como um "faz tudo" em uma empresa de fundo de quintal de um tio. Ele amava livros, inclusive colecionava este artigo de luxo (como sua mãe dizia). Ele foi com seu tio assistir ao filme Coringa, e se apaixonou pelo personagem, que também amava dançar e tinha afã por justiça, assim como ele.

 

Seu olhar ficava triste, quando ele lembrava de sua condição quase inumana de não saber: nem ler, nem escrever. Ele cresceu na Rocinha, sim, na Favela, que na verdade foi apelidada de "Comunidade", só para disfarçar; seria uma falha minha, se eu não contasse para os meus leitores a verdade: favela é uma planta. Mas ficou a pecha pejorativa de ser um local promíscuo e perigoso.

 

Desde setembro do ano de Dois mil e dezesseis Creonte vinha declarando a Thereza: - Mãe eu não irei passar o próximo Carnaval no Rio. E a mãe de olhos redondos, grandes bochechas, e dona de um sorriso largo olhava para ele com ternura. Lavando roupas com as mãos calejadas, a mulher de apenas 62 anos, quando ouvia o lamento do filho adorado sentia um calafrio na alma...Ah! a alegria que ela iria sentir se um dia pudesse ver Creonte conhecer a terra de Creonte: seria o dia mais feliz da vida dela.

 

 

Thereza Lúcia tinha amor supremo por Creonte, e todos os meses, ela dava lá seu jeito e comprava um livro para o rapaz. Paulo, o irmão dela, o dono da cantina que vendia de tudo lá no Morro, não gostava deste gosto do sobrinho; mas respeitava à vontade que o rapazola nutria de um dia voltar aos bancos escolares e completar seu processo de alfabetização.

 

 

Paulo sabia que no feriado carnavalesco o desejo de Creonte era de viajar, e se pudesse daria de presente ao sobrinho e afilhado este mimo...O rapaz estava muito preocupado com a mãe, ela estava muito doente, com dores no peito, com um tipo de angina sério...e adquiriu esta patologia em função da vida sofrida que sempre levou: havia perdido dois filhos por conta da fome...

 

No Entrudo de 2017 um homem fantasiado de político pulou a janela de seu barraco duas horas da madrugada...

 

Dona Thereza ficou em choque com a presença daquele homem alto, branco e de olhos azuis, que usava um terno e sandálias havaianas; porém em alguns momentos, ele dormia e murmurava palavras de ordem militar. Então a progenitora de Creonte começou a gritar: Quem é você? Saia daqui seu saci Pererê branco de duas pernas!

 

Seu filho que estava folheando uma revista de turismo; a jogou imediatamente longe e acorreu para ver o que estava acontecendo com sua amada mãe. Ele deu de cara com o fantoche, ou melhor, o fantasiado; que rodopiava num círculo de horrores.

 

O homem repetia as mesmas ações em intervalos cíclicos, enquanto a mãe de Creonte mantinha as mãos no rosto, de forma aterrorizada gritando sem parar: Meu filho cuidado com este ser, ele não é deste mundo. O homem travestido de político parecia um autômato, e o rapaz que nunca gostou de folia estalou os dedos na direção do invasor como que para acordá-lo daquele estado nauseante e hipnótico; ele apontava seu 38 em todas direções... E Creonte questionou : - Quem é o senhor?

 

O morto-vivo olhou na direção do homem e disse: - Vim te buscar para irmos à Grécia. O jovem mostrou-se confuso, porém mudou o jeito. Tornou-se mais alegre, como um bom brasileiro. Abaixou a cabeça, e viu um filete de sangue ressurgindo do meio de sua camisa branquinha, lavada de forma caprichosa pela dedicada Thereza.

 

Creonte deu um gemido, e caiu no chão frio do barraco; neste instante a silhueta de um palhaço de terno pulou a janela com uma arma na mão, fugindo daquele imóvel improvisado, onde residia o lindo e musculoso Creonte e sua afável mãezinha. Creonte fora atingido. Ele caiu mortificado ao solo. E o palhaço sorriu e voltou à cena - agora gargalhando. Lá fora se ouvia o som característico de um bloco que passava folgazão gritando palavras de ordem assaz carnavalescas. E Creonte se imaginou em um navio, em um Cruzeiro que o levaria direto para a maravilhosa Grécia. Na realidade Creonte queria ver a antiga Tebas...ele estava sob agonia extrema.

 

O homem volitava por sobre a mãe e por sobre o palhaço assassino. Ele estava sofrendo uma EQM. Uma experiência quase morte. Ele havia recebido um tiro no tórax, e agonizava...

 

Sua mãe pulou em cima do palhaço e a dentadas o matou, Creonte levitava e ingressou em uma viagem fictícia, e no Cruzeiro entrava na melhor danceteria “da hora” para dançar e dançar. Depois leria O Príncipe de Maquiavel, que já se encontrava em cima de sua cama imensa; em sua cabine imensa no Queen Elizabeth. Ele não tinha medo de nada, estava solto, e o melhor; livre do Carnaval do Rio. De repente ele escuta a voz de um homem e de uma mulher que grita: - Massagem já! E aí ele deixa o livro cair de suas mãos, e se vê dentro de um veículo que o está transportando para o famoso hospital carioca Souza Aguiar.

 

Ele vê o rosto de seu pai, que morreu há dez anos esfaqueado em uma briga de Carnaval, durante o desfile da Escola de Samba Flor-de-Lis, situada em Cavalcanti, no Rio. Seu coração pulsava lento, e o tempo parecia se esvair de seus sentidos. Ele procurava o navio, procurava sua cama king size, e nada disso via; aí seu pai o alertou: - Calma filho...tudo acabará mal ou bem...e isso faz parte da vida e da morte; o que vale é que você não está sambando, e nem precisa estar vestido de bate-bola...esta é a parte boa. Sei que tu odeia o carnaval desde os dois anos...

 

 

No banco traseiro da ambulância tinha um demônio com tridente, Creonte o olhava , e via um estetoscópio reluzindo em torno de seu pescoço, e ouviu quando ele questionou: - O neguinho já morreu? E então uma mulher de branco disse: Que horror Meneceu, isso é maneira de se referir a um moribundo? A pulsação voltou agora, se Édipo acelerar um pouquinho vamos chegar ao Hospital em cinco minutos...

 

No exterior o sol já dava boas-vindas àquele dia de fevereiro cheio de carnavalescos ativos e passivos...a rua estava fantasiada de confetes e serpentinas, latas de bebidas pelo chão mostravam a ingenuidade de um povo que amava se alienar...E Creonte não podia assistir a nada disso, ele estava inerte, entre a vida e a morte, e sua única alegria foi viajar em um Cruzeiro marítimo imaginável e inimaginável. Um carro veio na direção da ambulância no terceiro minuto que antecedia a chegada ao hospital, o médico fantasiado de tinhoso foi vomitado para fora do veículo, batendo com a cabeça no asfalto e morrendo ali mesmo, com o tridente ao seu lado, e o cerebelo esfacelado...

 

A enfermeira também voou e foi cair quase à porta do Hospital, sangrando muito foi ajudada por Charles Chaplin, que largou seu bloco e levou-a para dentro, e ela ainda respirava...

 

O motorista morreu dentro da mambembe ambulância do Estado, que estava em condições precárias, e que só foi atender ao Creonte, em função do vizinho dele ser budista e conhecer um pastor local, que conhecia um padre, que conhecia um político que era militar, e havia nascido ali, e tinha namorado Thereza nos anos 1970. Foi um deus nos acuda, para remover Creonte, porém o tio do rapaz também ajudou...ele nem sabia que dentro da casinhola humilde jazia o corpo de um homem fantasiado de político que perdeu sua vida por conta de 88 dentadas advindas de sua irmã...

 

Bom, você deve estar se perguntando o que aconteceu com Creonte, após o acidente que o vitimou. E tirou a vida dos outros três integrantes do veículo. Sim, a enfermeira gentil também feneceu... Creonte evaporou.

 

Seu tio está procurando a irmã e o sobrinho até hoje; ele não viu Thereza ser levada presa por policiais... Ele fundou o Museu do Homem que não gostava de Carnaval. E no dia 28 de fevereiro de 2022, em pleno feriado carnavalesco na Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, a manchete em todos os veículos midiáticos noticiou sob títulos diversos, mas com a mesma mensagem: A PERIGRINAÇÃO CONTINUA NA COMUNIDADE NOVA CREONTE, que foi como a “Rocinha” passou a ser denominada.

 

TODO ANO NO CARNAVAL, HÁ ROMARIAS ATÉ O MUSEU, LÁ AS PESSOAS DO MUNDO TODO QUEREM CONHECER ONDE MORAVA UM BRASILEIRO AFRO-DESCENDENTE QUE ODIAVA O CARNAVAL, E QUE SONHAVA EM SER PROFESSOR DE FILOSOFIA ou REI.

 

 AGORINHA CREONTE ESTÁ EM MARTE, LÁ ELE FUNDOU A NOVA TEBAS, E LÁ ELE FOI COROADO REI. JÁ THEREZA LÚCIA VIROU FANTASMA, E CONTINUA ASSOMBRANDO O CONGRESSO NACIONAL, DIZEM QUE ELA OBSDIA OS SENADORES DIA E NOITE, INFLUENCIANDO NAS DECISÕES QUE ELES TOMAM EM RELAÇÃO AOS PROBLEMAS NACIONAIS...tomara que ela influencie para que minha ideia legislativa já pré-aprovada – seja literalmente aprovada; após receber 20.000 adesões populares, e então passe para a segunda fase, a fim de ser ser debatida pelos senadores para ser patenteada como projeto de lei: Colocar psicodrama na grade curricular do Ensino Médio.

 

Ah! reza a lenda que CREONTE vez em quando visita o túmulo do filósofo e escritor Olavo de Carvalho, nos Estados Unidos...

 

Tema: Carnaval

 

 

Valéria Guerra
Enviado por Valéria Guerra em 19/02/2022
Reeditado em 27/01/2024
Código do texto: T7455997
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