A maldição das três Marias
Uma cidade pequena no sul do país, rodeada por montanhas e vegetações, se esconde por entre um denso nevoeiro matinal. Alguns sítios se espalham nas redondezas de forma sutil, se dividindo entre o cultivo de grãos e criação de gado. Na cidade há apenas uma igreja no centro da única praça, com uma enorme cruz e alguns santos e talhados a mãos. Apesar de não se tratar de pessoas religiosas, existem muitas lendas que perpetuam entre gerações. Algumas fantasiosas de mais, alegando a existência de um animal semelhante ao lobo, mas que anda apenas com as patas traseiras, uivando e rasgando a carne de quem ousa desafiá-lo. Mas também existe a lenda das irmãs Marias, que faz com que a igreja fique lotada uma vez por ano.
A lenda diz que uma mulher que não tem o nome revelado, casou-se contra sua própria vontade por ordem do pai. Mas que mantinha um relacionamento extra conjugal com um amigo de infância, Paolo. Poucos anos após o casamento desastroso, regado por violência e álcool, a mulher decidiu fugir com o amante durante a madrugada. Assim que o marido alcoólatra dormiu, a mulher pulou a janela apenas com as roupas do corpo e correu em direção à estrada onde supostamente o amante estaria. O marido acordou de repente e percebendo que a esposa não estava na casa, apanhou uma espingarda e a procurou por suas terras. Um único disparo foi ouvido, seguido de um silêncio aterrorizante. Ninguém se preocupou, pois era muito comum animais noturnos invadirem as terras para procurar comida e geralmente eram recebidos por disparos. Os dias se passaram e o casal foi dado como desaparecido, amigos e familiares procuraram por meses e o paradeiro deles nunca foi encontrado. A família então decidiu vender a casa, já que gerava gastos desnecessários. Todos se reunirão para limpar e organizar a casa, e assim facilitar a venda. Assim que os primeiros familiares entraram na casa, ouviram choros abafados vindos do quarto dos fundos. Encontraram três bebês deitados sobre um berço apertado, claramente desnutridos, com poucas forças e com as roupas sujas. As crianças foram limpas, alimentadas e cuidadas pelos familiares. Maria Anne, Maria Helena e Maria Clara cresceram de forma saudável, se tornaram mulheres fortes e independentes. Voltaram a morar na casa dos supostos pais, fizeram uma pequena horta de frutas, verduras e Ervas - legais -, e passaram a auxiliar os vizinhos com problemas de saúde. Faziam chás e unguento medicinais, e com o tempo se tornaram as curandeiras da cidade. O padre da cidade vizinha notou a ausência de alguns fiéis nas manhãs de domingo e decidiu visitá-los. Horrorizado, o padre descobriu que uma nova fé se instalou na pequena cidade, algo totalmente inexplicável para ele. A igreja com a grande cruz foi demolida, as pessoas que sentavam na praça para reclamar de sua saúde frágil já não estavam mais lá. Ele caminhou pelas ruas de terra e atônito avistou seus fiéis até então doentes, carregando toras de madeira, andando sem a ajuda de bengalas, sorrindo e cantando. O que estaria acontecendo?
Ao fim de sua jornada de descobertas, o padre encontrou a casa das três Marias, rodeada de plantas coloridas, com diferentes odores, animais livres e uma energia que ele nunca sentiu antes. Maria Helena se aproximou com balde em umas das mãos, vestia um vestido velho, cabelos loiros desgrenhado, sandálias desgastadas e um sorriso genuíno atravessado no rosto. Mas de uma beleza inexplicável.
-Boa tarde padre.
-Boa tarde - ele respondeu desconfiado.
-A que se deve o prazer de sua visita?
-Nada em. Especial - ele respondeu controlando seus olhos - Apenas visitando os fiéis.
Maria Helena balançou a cabeça de forma positiva.
-Aceita uma xícara de café?
-Não - ele respondeu de forma ríspida - Estou de partida.
O padre se afastou inconformado, sentia que a forma gentil daquela mulher o afrontava, pois o fazia ter desejos pecaminosos. Refletiu sobre o relato dos fiéis, que se curaram apenas com chá s e unguento, dando as costas para a igreja, aquilo lhe parecia heresia. Algo deveria ser feito. E aos poucos pessoas começaram a dizer que viram o demônio sair de madrugada da casa daquelas mulheres, outras afirmaram que as viram fazendo rituais com orgias e sacrifícios na florestas. Diziam que as três não se casaram com nenhum homem, pois já eram casadas com o diabo, afinal, como podem ter o poder curar pessoas com algumas plantas? Na época essa conta não batia, e a cidade, que antes muito se beneficiaram com as curandeiras, agora as perseguiam e acusavam. Uma criança desapareceu próximo a casa das três Marias, e foi encontrada dez dias depois, na floresta, com a barriga aberta, com os órgãos para fora, em cima do que parecia ser um altar, cheio de símbolos. A cidade imediatamente apontou para as curandeiras que foram levadas para a cidade vizinha, arrastadas por uma carruagem, amarradas pelas mãos e pescoço. Foram amarradas em cadeiras de madeiras, apanharam com socos, chutes, porretes e chicotes. Tiveram os dedos das mãos arrancados, a auréola dos seios arrancados, os dentes retirados a força, os cabelos retirados pela raiz. Passaram por sessões de estupro coletivo, por horas e horas. Maria Helena morreu em decorrência de uma infecção uterina, após um instrumento chamado de pera ter sido inserido em seu canal vaginal e a rasgado por dentro. Maria Clara foi amarrada em uma mesa de ferro, sua cabeça foi presa por ferros pontiagudos e teve uma barra de ferro atravessada na cabeça lentamente até morrer. Maria Anne foi a única que não aguentou a tortura e depois de introduzem uma cobra em seu ânus, confessou ter matado a criança. Ela foi levada até um sítio afastado, amarrada a uma árvore, e a queimaram viva. Dizem que suas últimas palavras foram.
-Vocês nunca vão nos esquecer, esse lugar nunca mais terá paz.
O corpo de Maria Anne permaneceu na árvore até que alguém decidiu levá-lo até a casa onde morava, e ela foi enterrada com as irmãs na horta que tanto cultivou. A casa nunca foi vendida, a horta morreu e a terra começou a escurecer. Os gados morrem devorados por animais que nunca foram vistos, mas que destruíram a carcaça. As plantações secaram e a terra se tornou infértil. As pessoas que saíram da cidade, nunca chegaram a seu destino, foram Mortas pelo caminho em circunstâncias estranhas, como atacadas por cães que desapareciam, empaladas por troncos que caiam do céu e afogadas com o próprio sangue. A morte chegou na cidade furiosa, e agarrou um por um. O homem que acendeu o fogo que matou Maria Anne, morreu de joelhos, queimado no banheiro de sua casa. A primeira mulher que disser ter visto o demônio sair da casa das mulheres se enforcou na árvore próximo ao túmulo das curandeiras. Os homens que arrastaram as Marias, morreram arrastados por seus cavalos. Os que cortaram os dedos das curandeiras, se infectaram com bactérias carnívoras e ironicamente seus dedos foram os primeiros a apodrecer. Passaram meses se decompondo ainda vivos, com o corpo repleto de larvas e insetos oportunistas, sentindo muita dor e desejando a morte. De repente a casa das três Marias se tornou um local oficial para os suicídios, todos que tiveram alguma ligação com a condenação tiravam suas vidas no local onde as mulheres moravam. Uma lei foi emitida, proibindo a entrada de pessoas naquela casa, mas de nada adiantou. Centenas de corpos se acumularam na sala daquela casa fria, com os olhos arregalados, se dissolvendo aos poucos. Quando a última pessoa envolvida com a morte das Marias foi encontrada aos pedaços depois de atravessar uma máquina de moer madeira, as poucas pessoas que ainda estavam vivas decidiram levantar um Memorial para as três Marias onde era a igreja. Levaram flores todos os dias e uma vez por ano faziam uma vigília com velas e músicas para acalmar suas almas. As mortes estranhas pararam, a terra mudou de cor e a terra se tornou fértil outra vez. A cidade recebeu o nome de três Marias, e passou a ter o dia de suas mortes como sagrados. Há quem diga que a horta sangra em noites de lua cheia, a árvore de Maria Helena se incendeia novamente e todas as noites, quando o céu está limpo, se pode ver três estrelas alinhadas, que seriam as três Marias cuidado da casa de seus pais. Não se tem informações sobre o que teria acontecido com seus supostos pais, ou que fim levou o padre. Paolo, o amante que fugiria com a mulher casada não foi aquela noite encontrar com ela, pois decidiu casar-se com sua prima, Izabele. O casal envelheceu juntos e felizes na Itália, onde tiveram cinco filhos saudáveis e quatorze netos. E quando Paolo estava prestes a morrer, olhou para a janela e sorriu.
-O que foi Paolo?
-Elas vieram me buscar - disse o velho cansado.
-Quem?
-Minhas filhas.
Izabele virou o corpo em direção a janela que estava fechada, não tinha como ele ver alguém ali.
-Não tem ninguém - disse Izabele.
Assim que ela jogou seus olhos para o marido, percebeu que já lhe faltava a vida. Izabele viveu por mais cinco anos, e no dia de sua morte disse ao filho que Paolo e suas três lindas filhas a aguardavam. E naquele quarto, a última pessoa que sabia toda a verdade sobre a lenda, morreu.