Dora

Em criança brincara às estátuas. Corriam pelo jardim, paravam ao assobio e ficavam tempo bastante emudecidos, quietos, na posição em que estavam quando o som lhes chegava. Iam descaindo os braços que ficassem em posição mais incómoda e ganhava quem estivesse rigidamente mais parecido com o que Orlando imaginava. A dificuldade era saber o que ele tinha na ideia. Pose de bailarina era diferente da que nos acostumara Napoleão.

Um dia apareceu à beira de ser adulta e no seguinte casava, sem júbilo nem amor, com o antigo menino mandão. Não sabia como chegara ao absurdo de ter por marido um assobiador tirano. Ele não amava, violentava; ele nunca pedia, exigia; ele era sempre o dono do jogo!

- Hoje paro, morro, transformo-me em granito. Estarei inerte, alheada, fria, ausente, decidiu. Não reagirei a vozes de comando, nem a gestos obscenos ou pancadas.

E ele, libertando-se da roupa justa, cresceu para ela, gritou as vozes, marcou os dedos na sua nudez e, admirado da falta de colaboração, espumou: - és de pedra ? Morreste? E Dora, a passiva mulher que tinha, permaneceu distante e não respondeu. Naquela noite foi ela a estátua de pedra que, sobre a sua fúria, sangrou.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 19/12/2021
Código do texto: T7410895
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