Pacto

Caio chegara aos seus trinta e três anos como um homem rico e feliz. Dono de um casamento sólido como suas posses, uma bela esposa e três filhos lindos, em nada mais lembrava o rapazinho empobrecido que chegara do interior há tantos anos. A não ser pela cicatriz no formato de cruz invertida na mão direita. Era a senha para que o Diabo lhe aparecesse em pessoa e lhe propusesse um pacto.

Estudioso de Ocultismo desde os 13 anos, Caio encontrara a resposta final às suas buscas no Tomo Negro de São Cipriano. Não essas imitações baratas, vendidas em qualquer banca. O Tomo era o manuscrito original, em pergaminho, do Mago dos primórdios da era cristã. Cipriano abandonara as artes negras para se converter ao catolicismo. Chegara a ser Bispo de Antioquia, sendo canonizado após sua morte. Uma fina ironia, para quem ensirara todas as formas de invocar o maligno.

Caio roubara o manuscrito de uma sociedade secreta da qual era membro. Para ajudar a traduzi-lo, contou com a ajuda de Rodrigo, um amigo estudioso de letras e latim da UFRGS. Rodrigo achava aquilo uma excentricidade. Mas...

O conteúdo do manuscrito, agora vertido para o português, era impressionante. O pacto, que nosso protagonista tanto almejava, era relativamente simples. Numa meia noite de sexta-feira, em uma encruzilhada deserta, oferecia-se um sacrifício do próprio sangue. Ele cortou sua mão, conforme o orientado pelo bruxo. Do sangue vertido na terra brotou um cristal rubro. Era muito importante guarda-lo consigo. No instante seguinte surgiria um demônio, que realizaria todos os seus desejos, em troca de sua alma aos trinta e três anos. Fechado.

Pela atenta leitura do livro, Caio sabia haver um jeito de driblar a sina: estilhaçar o cristal rubro à meia-noite do seu derradeiro aniversário. Antes que o enviado do maligno aparecesse. Estava preparado.

Na noite que antecedia o 13 de agosto daquele fatídico ano, estava em seu luxuoso escritório residencial. Abriu o cofre para pegar o tão precioso objeto que lhe pouparia a vida. Não encontrou nada. Não encontrou nada. Não encontrou nada...

Foi quando Débora, a esposa, adentrou. Seguida de Rodrigo. Agora um professor universitário. Especialista em manuscritos antigos.

- Não estou entendendo...

- Simples, meu caro Caio. Eu não vendi minha alma... Esperei você perder a sua, para ficar com tudo que você adquiriu, inclusive com Débora. A propósito, seu cristal está guardado num local seguro...

Meia-noite. As luzes se apagaram. Uma horrenda criatura brotou do chão, arrastando Caio consigo.

A população da cidade achou louváveis os esforços do amigo e da viúva nos seis meses de busca pelo desaparecido. Unidos pela dor da perda e para manter a estabilidade da pobre família, casaram-se discretamente no final do ano.

Sergio Vinicius Ricciardi
Enviado por Sergio Vinicius Ricciardi em 21/11/2021
Reeditado em 21/11/2021
Código do texto: T7390623
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