Vermes...
Um clarão se fez nos céus de São Tomé das Letras em Minas Gerais.
Tarde da noite, as poucas pessoas que faziam churrasco na Serra ou bebiam cervejinha não perceberam. O meteorito rasgou o espaço deixando um rastro azulado e bateu na encosta partindo-se ao meio na propriedade do Seu Izauro. Era uma pedra pequena. Porém, bateu forte e trincou. Esfriou aos poucos e, graças à pancada contra a pedreira natural deixou vazar um líquido negro, gosmento, como um piche. Se tivesse batido em terra macia ficaria ali, inerte, por milhões e milhões de anos, mas o destino tem suas armadilhas. O líquido vazou e penetrou em uma pequena nascente dágua. Foi deslizando pela água flutuando sem se misturar descendo calmamente em seu curso obediente à gravidade. Era uma água cristalina que só pela cor já deixava ver o quanto era fria.
Alguns poucos metros abaixo a nascente virara um riachinho que irrigava a horta de Seu Izauro havendo uma pequena represa. Dessa, também saía por bombeamento indo direto à sua caixa dáqua para abastecer a propriedade. Tudo muito moderno, apesar da simplicidade do homem e de sua esposa.
Alguns cães, corajosos, quando o piche do espaço entrou na bomba tiveram um arrepio e uivaram todos quando faltavam poucas horas para o galo cantar. E esse ficou irritado. Deveria ter dito:
- Ora, gente! Que isso faço eu! - Mas não disse, ficou calado no seu assombro de bicho burro.
Os bichos tem esse assombro de sentir coisas que os homens ignoram. Deve ser uma falha ou programa intencional na Matrix. Vá saber.
O certo é que o piche, caprichoso, ficou na caixa dágua boiando. Depois de algum tempo, moveu-se. Era uma forma viva. Se aproximássemos um microscópio veríamos, que em verdade, aquela pequena massa era formada por milhões de criaturinhas resistentes a quase tudo. Quase.
Seu Izauro se irritou com os cães àquela hora, tão cedo e perturbando. Pensou que deviam ter visto um lobo guará, ou uma onça e deixou quieto. Levantou-se, como sempre, e foi escovar os dentes. Nesse lapso, como que prevendo, o líquido desceu pelo encanamento. O primeiro jorro dágua sobre a escova fora natural. Depois, como de hábito ele enchia um copo com água fazendo um gargarejo com um punhado de sal para limpar a garganta. Fazia isso há anos. O sal ficava ali, em um frasquinho típico para que despejasse. Aproveitando-se como se pensasse, a massa se espremeu no cano permitindo à água passar e liberou uma porção dos seus minúsculos seres. Muito pouco para que o homem percebesse, mas o suficiente para começarem os trabalhos. Seu Izauro encheu o copo e fez seu trabalho. Os pequenos seres se irritaram um pouco com o sal, mas avançaram para a garganta do homem, passando pelo esôfago e chegaram ao estômago. Não tiveram dificuldade alguma para vencer e se adaptar aos ácidos estomacais. Dali, viram que seria bom penetrar pelas mucosas e assim o fizeram...
Seu Izauro não se barbeava. Deixava crescer e adorava coçar os pelos do rosto com tranquilidade. Dava-lhe calma. Sua esposa, Maria, acordara e já fazia o café. Naquela manhã havia bolo e queijo de minas fresquinho. Comeram e conversaram sobre os filhos, as criações e a agenda do dia. Ainda na mesa o homem sentiu um desconforto, uma queimação e atribuiu à idade:
- Ficar velho é complicado!
Depois, pegou o chapéu e foi seguindo sua rotina de alimentar as criações. A queimação aumentava. Ali dentro do homem, sem que soubessem, em uma velocidade descomunal, as criaturinhas encontraram ambiente propício à reprodução acelerada. Tiravam a glicose do sangue e se multiplicaram a uma velocidade estonteante. Em pouco tempo cerca de 15% das entranhas estavam negras, naquela massa uniforme de milhões de bichinhos alegres e festeiros:
- Oba! Que mundo bom esse!
O restante da turma, que ficou no cano, logo desceu para a torneira. Alguns entraram no café. Ficaram incomodados com o calor, mas era pouco para quem viajara pelas estrelas e logo se recompuseram.
Dona Maria, quando começava a arrumar a casa, sentiu também aquele calor no ventre e começou a suar em profusão:
- Ai, menopausa! Dá uma trégua hoje! Tenho muito o que fazer.
Os bichinhos cresciam rapidamente em quantidade e qualidade achando tudo muito bonito, muito bom.
Depois de algumas horas, Seu Izauro caiu no chão gritando de dor e vomitando aquela gosma sombria. Dona Maria teria ajudado, mas também já agonizava. Os cachorros, que sempre acompanhavam o dono, não sendo bestas, haviam fugido estrada abaixo uivando. E se pudessem falar diriam ao povo:
- Corram, que o mundo vai acabar!
E a massa foi escorrendo, penetrando nas criações pelas patas, pelos couros, pelas penas... Em pouco cobriam todos os corpos e, descobrindo as articulações, se moviam. O próprio Seu Izauro era agora uma forma de piche que se movia. Os bichinhos queriam prosperar, crescer, seguir adiante nesse impulso lógico da vida. Entrando no cérebro do homem perceberam ao ler os neurônios como era a vida e entenderam das cidades, dos negócios no campo e uma base da nossa organização social. Reunindo-se à massa negra que era agora Dona Maria e as criações, foram caminhando estrada abaixo para levar ao resto do Brasil aquela novidade...