Ad Hoc - CLTS 17
"No gozo, todos os defeitos se tornam valores"
(A Torre)
O chão estava, como todo, na história dos pisos, amassado por sua condição de amparar. Tal fatalismo embotava qualquer tentativa de lidar com alguma dialética sobre sua natureza, fosse ela passível de escrutínio, ou um dogma a ser masturbado.
Já era tarde. Avançava a noite no cu depilado da madrugada fria, com servil acento aos cânones da patifaria redigida aos lugares comuns da prosa mais rasteira, quando Viriato deu-se estouvado por aquela urticária amarela que inicia na superfície, pede a intervenção afável dos dedos, e célere cobra o estupro pelas unhas.
Já sangrava, um fedor sem decoro, com todos os escrúpulos do cheiro cagando em diarréia, há horas e nada de emplastro que desse conta de estancar o ressumar através da escara. Bálsamo era uma utopia ontológica para Viriato. Afinal, se posso imaginar, condição obrigatória existir! Mas, pois é no mas que a vida efia-nos o dedo médio no rabo, sem acordo entre filosofia, metafísica e realidade. Boticário a priori de cu é rola, amaldiçoava Viriato.
É que a coceira agora lhe comia as vísceras da existência, naquela bolha carmim que parecia a barriga verminosa de uma guria prenhe pela hipérbole de mil gêmeos num regime socialista.
E, o prurido, como só um tem estudo para, se agigantava tal qual um show de rock onde cada composição, de cada canção, invade-nos o crânio, nada lá encontra, e fica reverberando contra a sua parede interna, na batida oca natural de espaços vazios.
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- Então, doutor Fulano, o que é isso?
- Viriato, estou às cegas, também. Meus anos de medicina falham em me fornecer, sequer, uma conjectura. Vou solicitar exames. Você os faz. Aguarda resultado. Traz-me. E, veremos.
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Não foi trabalhar, Viriato. Urgia manter isolamento, falou, em tom peremptório, o dermatologista. Podia ser contagioso. Dada a estética pútrida, a cor eivada em deterioração, era bem possível haver uma colônia de organismos ávidos por saltar de pele em pele, fosse o veículo para isso um simples toque, ou algo ignorado ainda, já que ainda é uma desculpa perfeita para fugirmos da única coisa que sabemos. Que nada temos de certo.
Acordou com um sabor rançoso na garganta e naquela parte incógnita do corpo que resolvemos chamar de alma, uma vez que nos negamos uma relação de sinceridade com a natureza fenomenológica da coisa toda.
Foi ao banheiro, levantou a tampa do vaso e mijou. Tudo em ordem. Cor sadia. Desenhou uns círculos concêntricos com a urina enquanto pensava em como não pensamos em absolutamente nada de ordenado metodologicamente durante a evacuação de dejetos, não importando por qual orifício precisam sair. Talvez, talvez , considerou, Montagne. Ele, em seus Ensaios, falou sobre a escatologia da qual somos escravos. Sim, só Montaigne admitiu que tínhamos uma bunda com um cu que cagava todo dia.
As últimas gotas deixaram o falo, na chacoalhada sine qua non, quando sentiu o fragor de madressilvas grassando pelo banheiro. Um êxtase inopinado lhe verteu espinha, de cima a baixo. Olhou, mas podia ter fitado, se fitar ainda fosse útil em nosso abastecido vernáculo, para a ferida encalistrada, mas encalistrada já não era, nem mesmo podia receber rótulo médico de ferida.
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Sentado na cama, atônito diante do que é Lei, imperativo categórico mesmo, flutuava considerações a respeito. Levantava hipóteses, mesmo sem conhecer a mínima definição etimológica para, sem lograr efeito em qualquer silogismo. E, aqui mesmo é tudo se perdia no afluente da estupidez sem nenhuma reticência.
Desistiu. Sua cabeça doía. Lembrou do documentário sobre cérebro e Evolução. Nosso cérebro. Que tá com o nome errado. Era massa encefálica. Eis o respeito à verdade. Massa encefálica! Não somos feitos para pensar como personagens de romances de Dostoiévski. Não. Somos feitos para atalhos. O nome disso é heurística. Pulando etapas, do raciocínio, vamos saltando na lógica e poupamos energia. Pensar gasta muito deste artigo precioso.
Levantou, foi à cozinha. Preparou o café, derramou na única xícara que tinha, sentou à mesa e bebeu. Com a calma que só quem não se dá conta das contingências essenciais de uma xícara de café pode desfrutar.
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- Viriato, agora deveríamos organizar um congresso científico para discutirmos seu caso. Seus exames de nada me adiantaram, porque nada é o que neles vejo. Fala-me de cenários onde cheiros singulares e abruptas curas se dão, e a mim só resta resignar. E, se vergonha nesta cara barbeada e rugosa tiver, vou-me a estudar até arranhar sequer uma explicação.
- Bem, doutor, faça como achar melhor. A mim basta saber, então, que estou livre da sevícia.
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Retumbava alhures os surdos barulhos das elétricas descargas na atmosfera. Não demorou, avizinhou-se a precipitação torrencial. O firmamento estava a despejar belicosamente seu sêmen sobre a terra úmida de desejo. Como um ejaculador precoce o faz ao roçar a carnuda vulva da mulher que sonhou foder a vida toda.
Viriato via as estrias iluminadas descendo trêfegas ao solo e o estampido que as anunciava tal e qual uma sinfonia de uma nota só a atender o desejo das entranhas do planeta. O vento arremessava a água contra a janela da sala com a violência de uma trepada entre dois amantes envolvidos no mais urgente apetite.
Quando ia sugerindo uma fraqueza, a tempestade tornou a vomitar o caudaloso rio que ainda estava em suas tripas flutuantes. A beleza daquela sinfonia caótica penetrava em Viriato como se fosse aquela experimentada no momento em que foi-lhe concedida as nádegas volumosas da puta que ele nunca pôde pagar.
Um sorriso largo brotou nos lábios grossos daquele sujeito comum, de perspectivas idiossincráticas ecumênicas.
Recolheu-se, Viriato. Deitava-se, e esquecido estava das agruras de dias passados. Não demorou sentiu uma ereção. Mais rápido ainda, ela fez-se túrgida e autoritária. Um priapismo doloroso lhe assomou. Meteu-lhe a mão, o tirou das cuecas e arrependeu-se. Tomado por veias esverdeadas pulsantes que alimentavam uma glande intumescida em hipérbole prestes a estourar. Eis a visão de Viriato diante do seu pau.
Ai! Ai! Mil vezes ai!! Gritou o infeliz. Arriscou um auxílio com a mão. Mas, como entrega esta infame carta ortográfica, uma dor lancinante reverberou pelo membro monstruoso. Viriato caiu numa síncope que solapou-lhe os sentidos.
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Viriato, homem probo, um prócere onde ser um é obrigação ética para com a moral que é a primeira na prática, reclamava uma explicação à Fortuna. Afinal, não fora, sempre, desde tenra tentativa de saber ser gente, uma criatura digna de aplausos e estima? Ora, se foi! Foi sim!
Quando o silêncio respondeu, Viriato se viu numa luta estéril, uma estória ruim, imitação ainda pior de um livro conhecido há muito nos anais das estórias mal escritas. Também calou-se.
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Há por aí adágios. Tentam simular a realidade através, e por meio, de analogias, comparações aflitas, desesperadas até. Muitos se misturaram aos simulacros que pretendem ser e se perdem no sepulcro onde acabam dobrando seus joelhos estragados.
Viriato havia adotado um, para a vida. Justificava e explicava, pensava Viriato, essa sentença moral. Um axioma mesmo. Daqueles que nem um parachoque antes do plástico tinha força igual. Bem, Viriato cria nisso.
Diante das necessidades, meus caros, todo idealismo é inútil, uma mentira esperando para ser colocada em xeque.
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Aposentado por invalidez, afinal ninguém mais conseguia mirar Viriato sem que engulhos fossem a única paisagem possível no horizonte, inevitável golfar, passava em casa a maior parte de seu tempo miserável. Justiça seja feita, o tempo o é para todos. A condição de Viriato só lhe participava enxergar tal adjetivo.
Ao concurso das circunstâncias, o acesso às condolências do existir emprestavam alguma alegria ao condenado Viriato. Condenado a ser um pária onde ser pária era o único papel aceitável na sociedade . Uma que segue a lógica do produto. Que segue a da mercadoria. Que segue a do lucro. Que segue a do foda-se tudo. Que levou o herói, exagerado como tudo em importância, denunciou o velho safado, a ruminar pormenores auditáveis só pela consciência de quem não tinha nenhuma.
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Naquela manhã, enfiada em primaveril sutilezas, onde os pássaros mentiam a beleza de seus cantos, as esperanças eram renovadas sem que fosse possível tê-las outra alternativa, pois vivemos de um amanhã que promete o que nunca vai entregar, Viriato levantou em sua habitual solenidade porosa, com os orifícios de sua existência regurgitando a pus almiscarada que usamos para cobrir a mesa de nossos fracassos.
O peso inchado entre as pernas hirsutas e flácidas lhe curvavam a postura em um gancho toráxico típico dos provectos derrotados pelo tempo antes do tempo sequer pensar em vencer-nos a estupidez de lhe poder argumentar.
Sentou no vaso sanitário, forcejou, e fez a porcelana ser agredida por um jato de lixo orgânico diplomado em fedor insuperável.
Foi ao chuveiro lavar-se.
Enquanto a água escorria pelo ralo toda a imundície que ficou pintada na bunda de Viriato, pedaços seus iniciaram a descida junto aos excrementos. Viriato suspirou, revirando os olhos injetados nas órbitas fundas e escuras como o coração de qualquer pessoa que tenha atravessado a infância sob as regras de convivência numa sociedade montada para escoar nossas virtudes mais figadais.
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O corretor jurava ser um imóvel de impecável moral estética e de dogmas éticos firmes como o cimento que sustentavam aquelas paredes robustas!
O casal ouvia a tudo de boca aberta, já que boca aberta é seleção natural de um processo evolucionário que nos meteu dentes para que a boca não sirva para outra coisa. Talvez para morrer engasgados, também. Vá lá.
No box do banheiro, aquela mancha de psicológicas sugestões fez a mulher curiosa.
E, esta marca escura no piso, meu senhor? Também acompanha sua retórica sobre as propriedades inefáveis de tijolos, argamassa, vergalhões e reboco?
Tema: mutação genética