Estação Paralela - CLTS 17
Tinha sido um dia agitado e confuso; isso já era normal para Carla. A única forma de aliviar um pouco a tensão era ir a uma padaria próxima do local onde trabalhava. Olhou o relógio que marcava sete em ponto.
— Eu não sei o que a maioria das pessoas fazem para aliviar a tensão, mas eu preciso muito de um doce. — pensou.
A dieta podia esperar.
Pediu uma deliciosa bomba de chocolate e um café quentinho. O frio do inverno rigoroso, intensificava o sabor daquele lanche. Ela estava aliviada; era sexta feira e finalmente teria um fim de semana para descansar.
Alguns minutos depois comeu o último pedaço, que por sinal estava maravilhoso e deu um gole no café. Pegou suas coisas e foi em direção à estação de metrô. As pessoas andavam às pressas de um lado para o outro; 'horário do rush'.
Tudo o que ela precisava agora era descansar. A mente acelerada pelo 'corre-corre', aos poucos foi serenando. Ela então fechou os olhos, buscando se sentir mais a vontade e focou seus pensamentos em coisas boas.
Pegou-se pensando na próxima viagem de férias e na bomba de chocolate que acabara de comer. Surgiram também lembranças de sua infância e mesmo com o barulho da estação, adormeceu.
Quando acordou não sabia exatamente quanto tempo havia passado, mas percebeu o local completamente vazio. Olhou o relógio de pulso e constatou algo estranho: ainda marcava sete horas em ponto.
— A bateria do meu relógio deve ter acabado.
Ao poucos se levantou. Percebeu também que as luzes da estação estavam muito fracas e algumas até falhavam de vez em quando. Pegou o celular para tentar ligar pra seu marido, mas o aparelho não funcionava. Passou a se sentir incomodada e de alguma forma, ansiosa à espera do seu merecido descanso.
O metrô chegou tão vazio quanto a estação e parecia ter uma espécie de fumaça branca saindo dele. As portas abriram e Carla sentiu calafrios.
Apesar do medo, entrou. A sensação era estranha, mas tudo o que desejava era sair dali e tomar um bom banho. O metrô começou a andar e na caixa de som surgiu uma voz muito grossa; um gutural. Anunciava a partida e a próxima plataforma: almas.
Carla não entendeu nada e riu pensando ser algum tipo de brincadeira. Ela fechou os olhos, contou até dez para tentar descansar mais um pouco. Não adiantou. Aquele vagão vazio a estava incomodando muito. Ela resolveu andar e ver se encontrava outro passageiro, pois estando sozinha, temia ser assaltada. Não encontrou ninguém. O frio aumentava.
Caminhando lentamente, teve sua percepção prejudicada pela iluminação fraca e sua visão ficou um pouco turva.
De repente, enxerga um menininho sentado, chorando. Aproxima-se com muito receio e pergunta se está tudo bem. O menino a empurra e grita:
— Sai daqui!
O som da voz é incrível e assustadoramente alto. O vagão treme, e as janelas criam pequenas rachaduras. Assim como o local, as pernas dela começam a chacoalhar.
— O que está acontecendo aqui? Quem está fazendo essa brincadeira tola?
Carla sentiu seu corpo esfriar. Tremia e estava ofegante.
Enquanto isso, o menino correu em direção aos vagões da frente até sumir.
O metrô parou e as portas lentamente se abriram, fazendo um som familiar, rotineiro, que todos os dias significava: 'ok você pode ir pra casa'.
Desesperada, correu para uma das saídas e no mesmo instante foi lançada de volta para o interior do transporte, por uma rajada violenta de vento. O impacto foi tão forte que Carla tropeçou em um dos bancos e bateu a cabeça na parede. Apagou novamente.
Ao acordar, estava sentada e agora o vagão tinha passageiros; muitos! As pessoas conversavam, liam livros, cantarolavam. Ela soltou um suspiro de alivio e pensou:
— Foi tudo um sonho ruim, afinal.
Olhou para o mapa que indicava o próximo destino e viu que era o dela. Isso trouxe ainda mais paz.
Contudo, algo ainda a incomodava. Mesmo estando bem agora, sua mente ainda inquieta buscava por respostas para esclarecer como havia entrado ali; ela deveria estar na estação, pensou.
Algum tempo depois, algo roubou a sua atenção. Sentiu-se observada, como se todas as paredes do lugar tivessem olhos. Percebeu as pessoas no vagão. Eram rostos e mais rostos a encarando, sem expressão alguma.
— Tudo bem senhorita? — Todos perguntavam ao mesmo tempo. — Senhorita, você está estranha! — A situação voltou a se tornar sombria, à medida que era pressionada por múltiplas vozes.
A paz novamente deu lugar ao medo e o desespero de entender que o pesadelo era real e naquele momento não tinha fuga; não havia nada que pudesse fazer para acabar com sua angústia.
Ela percebeu um tom irônico nas perguntas e os passageiros começaram a rir e a debochar dela. Sacaneavam traumas, apelidos e situações de bullying, que há muito haviam ficado para trás, mas que um dia a fizera sofrer.
Carla pediu para que parassem:
— Seus estranhos, parem de rir de mim! Essa brincadeira de mal gosto já foi longe demais.
O som das gargalhadas era ensurdecedor e só aumentava.
— Parem!! Parem com isso!! — ordenou novamente, correndo para outro vagão e esbarrando em todos os seus opressores. Aos poucos, as pessoas foram sumindo e as gargalhadas se foram também.
Ela não acreditava no que acontecia, ainda vivia o pesadelo. A cada segundo as coisas ficavam mais estranhas e seu peito se enchia de um pavor irracional. A impressão que estava tendo agora era a de que entrara em outra dimensão. Já tinha ouvido muitas histórias a respeito de projeção astral e 'Sete Além': supostamente um universo paralelo onde tudo é sombrio. No entanto, nunca tinha acreditado nessas coisas. Sua cabeça doía muito.
O vagão novamente desacelerou, no entanto não parecia que ia parar. Manteve um ritmo muito lento e do lado de fora, flashes de luz muito fortes começaram a invadir, passando pelas janelas. Carla não conseguia enxergar direito devido a forte claridade dos raios que surgiam. Fechou os olhos e só os abriu quando ouviu uma voz chamar seu nome.
Ao olhar para fora do vagão, que neste momento andava muito devagar, viu o menino que a havia empurrado. Sentiu um misto de pavor e raiva e gritou. A imagem sumiu.
Ela ficava cada vez descrente de sua sanidade mental. De repente ouviu a chamada do metrô. Das caixas de som uma voz de criança disse:
— Eu também preciso ir pra casa. Me ajude.
A voz sumiu aos poucos. O medo permanecia. Precisava sair daquele metrô, não aguentava mais viver aquela experiência. A voz que saiu pelas caixas seria do menino que havia visto? — Ela não tinha as respostas.
O metrô voltou a acelerar e imagens de uma família surgiram na parede. A esta altura, Carla já imaginava estar louca.
As imagens que se formavam de maneira espectral, mostravam um casal e seu filho. Brincavam felizes em um parque, sorriam e corriam de um lado para o outro. Uma família linda. Ela continuava assistindo aquele cinema fantasmagórico em meio a névoa branca que percorria todo o vagão. Pode assistir todos se divertindo e ao final do dia se preparando pra voltar pra casa; pegando as toalhas e cestas do piquenique.
Pelo caminho foram parados por marginais que sequestraram o menino sem dó, roubando o carro. Dali pra frente os pais do menino sofreram muito, realizando buscas sem nunca encontrar respostas. Carla chorava. Estava começando a entender algo naquilo tudo. Talvez estivesse fazendo um pouco de sentido aquele momento em meio a tanta confusão, terror e medo.
Quando as imagens sumiram, ela novamente viu o menino sentado na última poltrona do vagão. Não mais chorava, apenas observava.
Carla então se aproximou, emocionada.
— Por que eu?
— Senti teu coração e soube no mesmo momento que poderia me ajudar. — respondeu o espírito. — Carla, me chamo Jonas. Encontre minha família e diga que eu os amo. Vou te falar onde está meu corpo.
Ela ouviu as coordenadas e o que o menino tinha a dizer. Algum tempo depois, foi tomada por uma sensação maravilhosa.
— Fique em paz, eu vou falar com sua família. — O menino deu a ela um sorriso e da mesma forma que apareceu, sumiu lentamente.
As caixas de som no vagão começaram a tocar uma música linda e suave. Carla sentiu um enorme alívio no peito, enquanto podia ver as luzes do vagão, antes fracas, voltar a iluminar com força total.
Viu que finalmente estava chegando a sua estação.
— Lar, doce lar.
Assim que saiu do metrô, mais lágrimas ainda escorriam em seu rosto aveludado e doce, mas estava feliz agora. O que tinha acabado de vivenciar ia além de sua compreensão. Ao por um pé fora da plataforma, uma voz ecoou por toda a estação embalada pelo vazio.
A voz era conhecida. Ela sentia que aquela criança ia além da mera compreensão humana. Era um aviso, um sinal; precisamos de coragem e do amor para fazer tudo se ajustar no universo e nas demais existências. Era o divisor de águas entre o medo e o correto.
Apesar de assustadora, essa era sua missão: ajudar aquele espírito a achar seu caminho e a paz; o mesmo ocorria com ela, pois havia chegado ao seu destino e também poderia descansar agora.
FIM
Tema: Fantasmas