COBRA (ESPECIAL HALLOWEEN 2) - HISTÓRIA 27
Estava chovendo, e não havia nada para fazer a não ser resolver as palavras cruzadas da revista e assistir alguma coisa na pequena TV 5 polegadas, preto e branco, que também funcionava como rádio.
O ruído da chuva era incessante e com ele o ruído das águas do rio que estava plenamente cheio.
Clóvis Alencar tinha 49 anos e estava trabalhando sozinho no centro de captação de água da Sabesp que ficava às margens do rio Paraíba.
Pindamonhangaba parecia ter desaparecido ou consumida pela tempestade.
Clóvis não se lembrava de ter chovido tanto assim.
Trabalhar de noite na estação não era ruim, desde que não estivesse chovendo tanto assim. Ele não gostava muito de chuva e muito menos de trabalhar tão perto de um rio como o Paraíba em plena tempestade. O barulho das águas correndo no rio chegava a ser assustador.
Clóvis tinha uma garrafa de café, ele sempre trazia uma garrafa de um litro que costumava durar a noite inteira. Mas naquela quarta feira, à meia noite, ele já tinha consumido mais da metade de sua reserva de café. Sentir-se mais nervoso do que era de costume, e parte daquele nervosismo todo vinha por causa da tempestade que estava caindo. Com a natureza não se brincava, e aquele lugar era perto demais do rio.
De vez em quando um carro passava na ponte lá em cima, mas o som era abafado por causa do barulho da chuva.
Por volta da meia noite e vinte, Clóvis sentiu vontade de fazer um número dois daqueles, e o banheiro ficava na parte de trás do prédio da enorme bomba de captação, que estava desligada àquela hora da noite.
Estava passando um filme clássico, mudo na TV, era Nosferatu, um filme de vampiro. Clóvis odiava filmes de terror. Quando era criança sua mãe costumava contar histórias de terror para ele e para seus irmãos. Clóvis morria de medo, mas não queria ser taxado de "mijão" pelo irmão mais novo. Ele ouvia as histórias e tinha pesadelos horríveis à noite.
Clóvis colocou sua capa de chuva, pegou uma lanterna e abriu a porta.
Ele viu (ou pensou ter visto) alguma coisa perto da margem do rio. Podia tirar que tinha alguém parado lá, olhando para ele, pôde ver os olhos brilhando no meio do escuro. Sentiu um arrepio de medo percorrer todo seu corpo e o primeiro pensamento que povoou sua mente foi que aquela coisa não podia ser humana.
A coisa pareceu rastejar como uma cobra e depois foi engolida pela escuridão.
Clóvis quase deu um grito. Ligou a lanterna e iluminou o lugar, não vendo nada além de mato.
Mas seu coração estava palpitando.
Podia ser algum animal, podia ser uma cobra, ou podia ser nada.
" Isso. Não é nada. "
Era melhor pensar que não era nada. De tanto pensar o cérebro acabava aceitando e o medo ia embora.
" Não estou com medo. Não estou. "
Ele saiu no meio da chuva. Contornou o prédio e viu
(Uma sombra)
o portão de entrada.
A única lâmpada que havia no poste ali perto estava piscando, talvez por conta da chuva.
" É isso. Isso mesmo."
E então um pensamento estranho mas verdadeiro:
" Monstros não existem."
A porta do banheiro era branca. Pálida demais na opinião de Clóvis.
Ele a abriu e entrou acendendo a luz. Tirou a capa de chuva molhada e a deixou pendurada perto da pia.
Entrou no mictório, abaixou as calças e ficou ali, fazendo o que precisava fazer. Arrependeu-se por não ter trazido a revista de palavras cruzadas.
O único ruído era o da tempestade caindo. Havia algo incômodo naquilo.
Clóvis ouviu alguma coisa do lado de fora, algo além da chuva caindo. Não tinha ideia do porque, mas sentia-se inquieto.
Ele começou a assobiar.
De repente ouviu uma pancada na porta e seu coração palpitou.
Terminou de fazer suas necessidades, se limpou e deu a descarga. Subiu as calças e lavou as mãos na pia, olhando seu reflexo no pequeno espelho que estava na parede. Parecia tenso demais.
Clóvis vestiu a capa e pegou a lanterna. Caminhou até a porta e a abriu.
Ele viu uma cobra. Estava parada ali diante da porta pálida do banheiro. Era a maior cobra que ele já tinha visto na sua vida e estava em pé, literalmente em pé.
Ele viu os olhos dela e eles eram amarelados, estranhamente (e terrivelmente) humanos.
" É humana! É uma cobra humana!"
A cobra emitiu um silvo e deu um bote bem na hora em que ele fechou a porta.
Ele ficou ali, de costas com a porta. O medo o consumia em toda a sua intensidade.
Clóvis começou a rezar, enquanto do lado de fora, a coisa cobra investia furiosamente contra a porta:
— Pai nosso que estais no céu, santificado seja o teu nome… Jesus, me ajude! Me ajude!
Os ruídos da cobra atacando a porta eram fortes, terrivelmente assustadores. E havia aquele silvo, aquela voz que era uma mistura de silvo e fala humana. Era terrível. Era como o monstro das histórias que sua mãe costumava contar quando ele era criança.
— Abra a porta Clóvis. Eu vim comer você. - Silvou o monstro do lado de fora. — Eu sou leviatã e vim comer a sua carne!
Clóvis começou a chorar. Aos poucos ele deslizou para o chão e ficou ali. Encolhido uma posição fetal.
Ele fechou os olhos.
†
— Clóvis. Você tá aí?
Ele abriu os olhos acordado desnorteado e assustado.
Alguém estava batendo na porta e o chamando.
Clóvis se levantou sentindo seu corpo todo tremer.
— Clóvis. Você tá aí cara? Abre a porta.
Parecia a voz de Osvaldo, o vigia do turno da manhã.
Clóvis abriu a porta e seus olhos foram ofuscados pelo brilho da luz do sol.
De fato era Osvaldo quem estava batendo na porta.
— Ei Clóvis. Se trancou aí meu chapa?
Clóvis olhou de um lado a outro, tentando ver alguma coisa, algum ser parecido com uma cobra.
— Está tudo bem Clóvis?
— Sim… eu… me deu… uma caganeira. Eu…
Clóvis caminhou até a parte de trás. Olhou para o lugar onde, à noite, tinha visto aquela coisa.
" Você não viu nada. Não viu nada. "
Ele olhou para a porta e viu diversos arranhões ali. Sentiu-se gelar de alto a baixo.
— Tem certeza que está bem Clóvis?
Clóvis ouviu um silvo vindo de dentro do banheiro e olhou para lá.
Osvaldo viu o homem caminhar de maneira estranha até o interior do banheiro.
Ele estendeu a mão e abriu a porta do mictório e arregalou os olhos.
De repente Osvaldo viu o que pensou serem tentáculos. As coisas puxaram Clóvis para dentro do banheiro e Osvaldo arregalou os olhos.
Tremendo, ele caminhou até lá. Hesitou olhar no mictório mas então o fez.
O mictório estava vazio.
Osvaldo franziu o cenho.
A única coisa ali era uma cobra que estava saindo de dentro do vaso sanitário.