Pula, pula, Suíno

- Não que eu fosse algo melhor, mas não acho que eu seja, pior. O que digo, não minto, Zeca. Eles dançavam, macabramente. Com roupas limpas, bem branco, branco mesmo, até brilhava. E tudo mascarado. Uns bicos de pato, uns chapéus pontudos:

- Veja bem, só digo que mesmo que toda essa balburdia fosse verdade, nem em lendas urbanas acredito, Aldo.

- Pois o que digo é isso mesmo, eles dançavam em veneração, só pode. Mataram o porco por nada. Só por que ele deu umas risadas, eu acho...

- E veneravam o quê?

- Eu prefiro não saber, como eu disse, eles dançavam macabramente... E a música, não sai da minha cabeça. Rapaz!

- Tu não és o Marquinhos Ladainha não?

- Era coreografado, Zeca, só pode. Começava com um balanço medonho, como se um moinho, daqueles gigante, sabe? Como se estive balançando aquela gente; direita, esquerda. Igual política Brasileira.

- Um moinho, lá no campo grande, Jasvaldo?

- “Como”. Mas a questão nem é esse balanço, depois os cabra sacudia a cabeça que nem louco, e aí o negócio ficava estranho mesmo...

- Parece os contos da dona Zélia lá do Negrau, sabe, lá onde a gente ia catar pedra no rio Tupiri?

- Sei, sei. Continuando... é... Ata! Aí vinha eles e erguia os braços pra frente, assim ô... E começava a estremecer, mas tremia era tudo, até o chão vibrava...

- Mas até o chão, Valdo?! Já pediu a Zélia um lugarzinho lá na casa dela?

- Não entendi, não, Zeca.

- Ué, do jeito que você está inventando as coisas, Zélia já está quase morta já, falta só enterrar mesmo...

- Olha, olha.

- Ela morrendo tu já pega o lugar dela e vai botar medo nas crianças lá no Negrau.

- Rapaz, mas que aquela mulher me amedronta até hoje.

- Te falar, Valdo, até hoje recordo eu da história do Zumbi de Palmares, até arrepio, ô.

- Essa é ruim até de lembrar. Mas deixa eu continuar. Foi indo a coreografia, veio logo um porco, desses de verdade mesmo, que você vê nas fazendas e tudo mais. O bicho tinha mais ou menos o seu tamanho, Zeca.

- Meu tamanho? Nésixte não, Valdo. Os porcos tem um tamanho máximo, se não nem é porco.

- Seu tamanho, mas aí é de lado, né! E o porco todo limpinho, bicho enorme mesmo, tinha que vê! O homem veio trazendo o bicho, passando no meio do pessoal da tremedeira...

- Mas, Aldo, está me dizendo então que você ficou o tempo todo atrás duma árvore assistindo satanismo e os satânicos nem desconfiaram?

- Que Satanismo, Zeca! Tá doido?

- E é o que então?

- Veneração, saudação, maldição, não sei, ué!

- Mas eu hein!

- Pode ser muita coisa, Zeca, melhor não pensar muito não. Então, o homem parou num círculo estrelar e a tremedeira acabou. Aí começou uma música, acho que era Alemão ‘’Arainasi delecaí, Arainasi delecaí, Arainasi delecai ‘’ alguma coisa assim, e aí parou por uns instantes, o homem, aliás, único que vestia a roupa de vermelho lá, carequinha igual o Tio Lalau, puxou uma faca de dentro do bolso, e a faca era grande, Zeca, sei nem como saiu do bolso dele! E foi só uma sepada no pescoço grande do porco, sem dor, sem nada. Aí eu fui embora, dava mais pra assistir não.

- Eita, Valdo, tem que parar de escutar as maluquices da Zélia, está ficando lélé, já. ‘’ Carequinha igual o Lalau ‘’ eu duvido, o cucuruco dele até brilha no sol!

- Mas aí, só para finalizar, quando eu já ia embora veio a música que não foge da minha cabeça, nem vai sair da sua também:

Pula, pula, suíno rindo

Bate o sino

Teu sorriso

Vai-se embora.

Tu rebolas

Ô outrora, já vem vindo

Ria agora, baconzinho.

O outrora, vem chegando

Assa aí, esse suíno.

- Cruz credo, Aldo, se isso aí é verdade, prefiro as histórias da Zélia.

- Cê tinha mesmo é que escutar, coisa melancólica.

- ...

- Entristecedora, Zeca. Então... – Jasvaldo levantou-se do chão e deu umas palmadas na poupança – Vou indo, já deu minha hora já, Tio Lalau disse que hoje ia passar lá em casa com um prato especial para comemorar o ano novo. Deve ser outro daqueles pratos que ele faz lá na Capela do Campo grande.

- Aqui em casa a mãe matou o Garnisé. Ela já deve está terminando de temperar.

- Então vamos fazer assim, Zeca: tu separas um pedaço do Garnisé, e eu guardo um pouco do prato especial do Tio Lalau para você. Pode ser?

- Fechou!

- Boa Noite, Zeca. Até amanhã

- Boa Noite, Aldo. Cuidado com os caras de branco!

- Haha!

Algumas horas depois...

- E aí Tio Lalau, o que você fez dessa vez?

- Meu sobrinho atrapalhado! Estava te procurando, sô! Hoje é feijoada!

- ...

Dmitry Adramalech
Enviado por Dmitry Adramalech em 21/10/2021
Código do texto: T7368859
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