NOITE FRIA
Os meninos se agruparam perto da grande pedra. Todos ali não tinham idade maior que 12, e eram apenas crianças buscando por aventura, nada mais. Eles estavam atrás da rua que chamavam de “fundo”, pois ficava atrás do hospital. Lá no “fundo”, perto da pedra onde Manezinho estava deitado, Pedroca, o líder, deu ordem aos outros meninos.
- Todos se preparem, não sabemos o que podemos achar.
Era uma noite fria e todos ali sabiam que seria também uma noite de surpresas. Como se dentro de uma história de suspense, os meninos esperavam ansiosamente para o que iria acontecer. Apesar de ser tão macabro e misterioso o motivo que os levavam ali, ninguém se importa sobre o que aconteceria ou não na casa. Uma casa velha, que transmitia abandono e horror, e que por uma semana atormentou os meninos.
Pedro, ou Pedroca, Mathias, Nezinho, Manezinho e Lucas. Cinco crianças movidas pela adrenalina. Sentadas no chão, elas tentavam escutar o som da coisa. Todos ali esperavam uma descoberta épica, algo para contar aos netos e filhos no futuro. A coisa que berrava parecia algo mais de outro mundo do que desse. Apesar de eles nunca terem a visto, apenas seu som já parecia um cântico de ninar de algum mundo caótico e nefasto.
Pedroca era tido como líder por causa da sua genialidade e perspicácia. Os meninos, em sua plena infância, viam em Pedroca uma alma madura que devia ser respeitada e seguida: Pedroca sabia o que fazia. E por que ele ajuntou todos os amigos ali naquela rua de terra pisada, quase perto da noite? O motivo estava refletido em seus rostos.
Há alguns dias atrás, Manezinho voltava da escola, sozinho e a pé. Decidiu, por vontade própria, passar pelo "Fundo" até chegar em casa. Seria um arrodeio e tanto, mas compensaria o tempo livre da ultima aula vaga. Andava devagar, cabisbaixo. Chegando no final, 100 metros depois da pedra, Manezinho escutou o som. De súbito, parou, estatelado. Era algo parecido com um grunhido ou berro de animal, mas soou tão estranho nos ouvidos de Manezinho que esse prestou uma atenção exagerada; Olhou para o lugar de onde vinha o som. Era uma casa abandonada, com tipica arquitetura rural. Com os muros já cheio de lodo, plantas mortas no jardim e uma porta quebrada, a casa passava uma energia ruim que só Manezinho sabia.
Manezinho botou-se em estado de alerta. Colocou a mão direita em concha no ouvido, prestou mais atenção. O som veio de novo, dessa vez mais assustador. Por um momento, pensou em entrar na casa. Logo desistiu dessa ideia. Com medo, voltou-se e saiu correndo. Uma hora depois, Manezinho contava para os amigos a aventura. As crianças escutaram a historia com a admiração de um mundo novo e macabro, algo como uma história de trancoso. O som foi detalhadamente descrito por Manezinho, com um que de cientismo. Pedroca não deu outra: Vamos investigar, ele disse.
Era bem verdade que não foi só Manezinho que visitou o jardim morto da casa abandonada. Depois do relato, todos, um a um, foram ao "fundo". Cada um guardou para si a experiência assustadora. Agora, em grupo, teriam mais coragem para passaram além daquela porta de madeira podre. Manezinho saiu da pedra. Pedroca contou um a um os integrantes da noite.
Nenhum deles sabiam muito sobre a casa velha. Era como três pontinhos no meio da história da cidade. Alguns do grupo especulavam sobre o que iriam encontrar lá dentro: um animal, uma pessoa, ou... Um ser de natureza desconhecida. Sem perder tempo, Pedroca falou logo.
- Vamos lá.
As crianças seguiam em silêncio na direção da casa. Pedroca ia na frente, sempre como líder. Depois de andarem os 100 metros, pararam em frente a velha casa.
- É aqui.
Ninguém respondeu, todos sabiam do que se tratava. Mathias estava com o olhar assustado. Nezinho, ansioso. Os demais apresentavam um misto de curiosidade e medo. Depois de cinco minutos, escutaram o grito. O som ecoou pelos confins da cidade silenciosa. Todos tremeram. Era um som tão diferenciado que isso fazia dele algo tão macabro quanto um a la Edgar Allan Poe.
Pedroca também estava com medo, mas tentava não demonstrar nada. Devagar foi até a porta da casa e bateu, três vezes, rápido como um tocador de tambor. De dentro da casa, depois de um silêncio mortal, o grito, berro, som, seja o que fosse, veio. Pedroca deu um passo para trás. Parou, estatelado.
- Pedro...
Ele se virou e olhou para todos com certa indiferença. Todos ficaram assustados. A face de Pedroca transpassava medo e horror, alem de ódio. Todos acompanhavam, com o olhar, os gestos dele, esperando por algo. Logo depois, todos viram Pedroca ir para o mato que ficava atrás do hospital e do caminho do "fundo". Só deu tempo de escutar o som de capim sendo pisado, e Pedroca adentrou o breu daquela mata. Mata fria, que passava sentimentos de nostalgia de algum filme de terror.
Ninguém o seguiu. Hora ou outra, um deles olhava para a casa. A porta velha de madeira abriu depois das pancadas de Pedroca No escuro, iluminada apenas por um velho e único poste de luz do " fundo", a porta balançava para lá e para cá, rangendo e sendo guiada pelo vento forte da noite. As trevas dentro da casa eram como um limiar do mundo, algo entre o natural e um mundo desconhecido que as crianças não sabiam explicar e muito menos conheciam. Pedroca demorou-se a voltar.
Minutos se seguiram, e então depois todos ouviam passos no capim, e o líder dos meninos saía do mato com 5 pedaços de pau na mão.
- Vamos matar a coisa. – Ele disse.
Matar o quê? Algo que eles nem conheciam? Todos olharam para o Pedroca, que suava frio.
É de certo que a criatura, tão fantasiada, acabou por ganhar formas na mente dos meninos. Agora tida como algo que devia ser varrido desse mundo (numa lógica que nem eles compreendiam) e desaparecer para sempre. Em uma espécie de transe, Pedroca foi para a porta de casa e então parou, bem na sua frente. Depois de um minuto de tensão, Pedroca gritou. Um grito de guerra, assim se pode dizer. Com um ódio no coração que ele não conseguia compreender, que talvez fosse apenas o barulho ecoado no seu ouvido, sim, o barulho da criatura transmitia horror demais para ser guardado, e isso acabou fazendo com que Pedroca nutrisse tão instantaneamente um ódio tão mortal pela coisa.
Então ele entrou na casa, mergulhando no breu. Passou-se trinta segundos. Os integrantes do grupo olharam um para os outros. Todos acompanhavam com ansiedade o resultado da entrada de Pedroca. Por um minuto não se escutou barulho nenhum vindo da casa. Inspirados, eles sabiam que iriam vencer. Manezinho início a batalha.
- Atacar!!
Com pressa e armados de paus, todos entraram na velha casa. Com uma determinação de um guerreiro, todos passavam do limite entre o mundo racional e a casa. Lá, no meio do escuro e dos gritos, encontraram algo que não vale ser lembrando. O ser corpulento e de olhos baços surpreendeu a todos com seus berros e com as mãos em garra. Dois dias depois, os acharam, no mato. Sem língua e sem coração. Todos eles. Uma morte tão nefasta que foi lembrada por muito tempo pelos moradores; Um fim trágico para uma aventura de criança.
O som? Esse vai morrer no esquecimento. E, depois de tudo isso, tenho certeza que ninguém mais irá no "fundo". Que Deus tenha essas inocentes almas, diziam as pessoas. Na cidade, depois de três semanas, tudo voltou ao normal. Apesar de tudo, a coisa continuava lá, dessa vez, calada. Sua fome fora saciada por um bom tempo.