APARECIDA DO NORTE

Fernando sempre acreditou que sua fé na Padroeira o protegeria de tudo e lhe garantiria uma vida no mínimo confortável ou sem maiores privações.

Por isso desde criança ia pelo menos uma vez por mês até Aparecida do Norte orar e agradecer à Santa por tudo que conseguia, das maiores às menores coisas.

Como morava numa cidade quase vizinha, se deslocar pra lá era rápido e geralmente tranquilo.

Sua esposa também era devota, e o casal de filhos pequenos já estavam sendo doutrinados pra serem também.

Quando completaram quinze anos de casados, Fernando e Clara nem precisaram pensar onde iriam comemorar, a resposta era óbvia.

Juntaram os filhos, o casal de sogros dele que eram também devotos, e foram no sábado de manhã pro velho destino de praxe.

Iriam almoçar lá, depois assistiriam uma missa e no final da tarde voltariam pra casa deles e lá fariam um churrasco com os demais parentes e amigos.

Um roteiro simples, com pouquíssimas chances de dar errado.

Mas um pouco antes de chegarem ao destino, Fernando teve uma visão na estrada: um brilho ofuscante refletido no parachoque do caminhão à sua frente lhe pareceu ter todos os contornos da Santa, quase como uma aparição nítida, um chamado.

E, enquanto continuava acelerando, mal pôde ouvir a voz de sua esposa berrando:

- Fernando, breca pelo amor de Deus!!!!

Não deu tempo, então ele só desviou e o carro voou pra fora da estrada e capotou.

Por ironia do destino, somente Fernando sobreviveu.

Passados três meses do acidente, ele, que voltou à morar com os pais, disse à eles que queria ir à Aparecida pra buscar um consolo espiritual.

Eles deixaram, mesmo não concordando com a idéia. Tentaram acompanhá-lo, mas ele foi enfático que queria ir sozinho pra orar e buscar algum conforto com a Padroeira.

Quando lá chegou e atingiu o ponto mais alto da passarela que dá acesso à basílica, ele já sabia bem o que devia fazer.

Beijou o crucifixo que nunca tirava do pescoço, fez uma rápida oração pra Santa, pôs as duas pernas pra fora da grade e pulou.

E enquanto caía olhava fixamente pro chão na certeza de ver a Santa lhe chamando igual a meses atrás no parachoque do caminhão.

Mas só que viu foi o asfalto sujo, e um folheto de puteiro pisado e rasgado.

E mais nada.

Caio Braga
Enviado por Caio Braga em 16/10/2021
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