LENIRA
Cada pessoa nesse mundo vive sob uma sina, eu acredito.
E ninguém escapa dela, sem exceção conhecida.
Eu sempre fui obcecado por mulheres desde moleque, tanto no sentido sexual quanto nos outros.
Namorei com dezenas delas, desde as mais lindas até aquelas consideradas feias pelo senso-comum, e todas me marcaram de alguma forma.
E isso provavelmente foi recíproco, pra bem e pra mal.
E quando eu conheci Lenira no bosque do museu do Ipiranga achei que ela seria definitiva , a personificação de tudo que busquei nas mulheres: beleza etérea, sensualidade invulgar e uma força quase palpável.
Ficamos juntos por dez anos, até que ela descobriu que eu não cumprira a fidelidade total que prometi à ela.
E se foi da mesma forma abrupta e quase sobrenatural com que surgiu na minha vida.
Simplesmente disse:
- Estou indo, você me decepcionou.
Mas se quiser me ver um dia pra matar a saudade, você sabe onde me encontrar.
E atravessou a porta sem olhar pra trás.
Eu nem tentei impedir, pois sabia que não adiantaria.
Tive outras mulheres depois disso e, à bem da verdade, fui um escroto com todas elas: engravidei e abandonei duas, traí compulsivamente todas, explorei financeiramente a maioria e as tratei como lixo depois de obter tudo que queria.
Talvez porque nunca tenha esquecido Lenira, e inconscientemente estivesse castigando-as por não serem ela. Talvez.
Até que então uma noite decidi tentar revê-la.
Passava da meia-noite e fazia frio e vento, como na tarde em que a conheci. Pulei o muro da Avenida Nazaré e simplesmente andei à esmo pela mata de trás do Museu do Ipiranga, no meio da escuridão.
Não demorou muito para vê-la encostada numa árvore, num belo vestido florido azul e com os cabelos soltos como quando a conheci.
- Você veio, Carlos. Sempre soube que uma hora viria, e fico feliz que tenha tomado essa decisão sem precisar de maiores chamados meus.
Eu peguei em sua mão e andamos juntos até um clarão o qual, conforme nos aproximávamos, mais parecia um círculo de fogo .
E então pude ver todas as mulheres que fiz sofrer, que tratei como objetos de carne me olhando por entre as árvores, porém sem ódio nem rancor nos olhares, apenas uma calma complacência.
E aí percebi que o círculo não era de fogo, mas sim de gelo e do seu interior emanava uma temperatura baixíssima.
Justo, enfim...
Afinal eu sempre detestei frio.
E, quando finalmente cruzei o círculo, por um instante olhei pra trás e vi que todas elas agora sorriam. Inclusive Lenira.