Foi um casal de mulheres jovens, que ocuparam aquela casa, no meio do nada…há três semanas. Tinha uma piscina, mas elas não usavam, pois estava imunda e não sabiam ou não queriam limpar. Elas levavam a maior parte dos dias, sentadas a borda da piscina suja, lendo livros, ouvindo uns bons Rocks dos Beach Boys e também cantarolando canções de Caetano Veloso. Fumavam cigarrinhos de palha ou maconha. Beth e Zula eram seus nomes.
– Acho bom sair dessa borestia e ir lá… né não? No portão dos fundos…ver se é de verdade.
– As pessoas que foram ver… no passado…nunca mais voltaram de lá, é a história dessa cidade. É uma “energia” deles, melhor não mexer.
– Isso é boato Bete! Lenda besta… somos espertas, VAMOS!
A história – brevemente – contada é que havia no quintal daquela casa… um portal… e que todos sabiam. Um portal para outra dimensão? Pro INFERNO…? Não se sabe, pois ninguém retornou pra contar. Era a casa mais cara da cidade. Turistas do mundo inteiro iam ali, grandes escritores, cineastas, roqueiros… Chegavam perto, eram tomados por um horror não explicado… se sentiam doentes e esgotados. Saíam sem poder devolver o dinheiro. Beth e Zula batiam o recorde de 2 dias na casa, quase sem sair… sem mal estar, sem grilos ou gritos… Apenas muita cerveja e peixe-frito. De mãos dadas chegaram em frente ao portão que separava a casa do quintal onde o portal se encontra. De repente as mãos das duas não paravam de tremer e de suar… Seus olhos se encontraram. Zula sorriu, mas estava rindo de nervoso.
– Beth, acho que vou me urinar aqui. BEEEETTHHH…? Tá me ouvindo? Hahahaha! – Beth encostou o rosto na porta e fechou os olhos parecendo bem concentrada. Realmente não deu ouvidos pra Zula. Estava atenta a outros sons.
– Vozes… Vozes Zuzu… do lado de lá do portal…
Deram-se as mãos outra vez e Beth era mais corajosa. Abriu levemente a porta… as respirações estavam fortes e poderiam ser escutadas de longe. Em meio ao silêncio, um cheiro muito forte de jasmim saiu pela brecha da porta. Um cheiro leve e pacífico. “O inferno não poderia produzir algo assim”, - Pensou Zula, que então, tomou a frente e escancarou a porta.
Inesperada… a cena que viram. Um quintal cheio de plantas e flores com um pé de caju enorme e cheio de frutos. Alguns passarinhos bicavam os cajus que estavam no topo da árvore. Bem lá no fundo… encostada num muro… lá nos limites do quintal, havia uma pessoa. Ela vestia um manto negro e não puderam ver o seu rosto, apenas um pouco da boca. Usava um capuz também preto.
– Oláááá! – Gritou Beth. – Somos a Beth e a Zula!
– Boa noite moças… – A figura respondeu.
– Ainda é meio dia… “Moço”. – Sussurrou Zula. – As duas amigas avançaram em direção a figura de capuz.
– Beth já parou pra pensar… se ali… aquela pessoa lá… Se é HUMANA, mesmo?
– Como assim, Zu?! Tipo “espírito”, “entidade”?
– É! – Respondeu Zula com voz trêmula.
– Zula, não dá mais pra voltar…
Pararam então, frente a frente com a figura de preto.
– O que você é?
– Daqui… vocês vão prum local, que é entre os locais, e outros que ficam entre planetas… daqui também, vocês pode ir prum lugar que – em seu mundo – vocês chamam de “INFERNO”… ou voltam pra casa… se eu assim permitir. Mas pra isso tem que se passar numa prova de amizade.
– Passaremos por qualquer prova de amizade! – Bradou Beth.
A aparição apenas riu um riso gutural com um eco, que se transformou numa gargalhada que era quase obscena. Se sacudia de uma forma meio sexual. Uma cena confusa de se ver.
– Pare de rir… Para quê prolongar isso? O que temos que fazer? – Bradou Zula. – Ele então se virou para Zula sorrindo…
– Você terá que contar… a verdade das verdades e você sabe qual é.
Zula sentiu seu corpo tremer de cima abaixo. Ela sabia do que a figura estava se referindo. Beth balançava os braços e olhava pra cima suspirando de impaciência.
– Solta logo Zula… Desembucha… vai.
– Isssso… hahahaaaaa… – Zombou figura de preto.
– Beth… eu… EU NÃO SOU HOMOSSEXUAL. Só lhe contei isso porque senti que seriamos mais amigas se você pensasse que eu também gostava da mesma coisa que você. E tem mais… Eu dormi com…
– Tempo esgotado menina, termine sua verdade. – Disse a entidade, se divertindo. – As duas choravam, uma de vergonha… e a outra já desconfiando de que seria o final dessa história, chorava de raiva.
– DORMIU COM QUEM ZULA?!
– … com seu pai.
A figura de negro deu uma gargalhada ainda mais histérica do que todas as outras que ela vinha dando. As meninas estavam se encarando e chorando. Beth estava com muito ódio e asco, enquanto Zula, com muita culpa…Mas na verdade o que se pensa depois de uma revelação como esta é: Acabou? Como seguir em frente? Como vamos nos olhar? E rir juntas??
– Agora a prova final… pra saber se vocês entrarão no Portal, ou se voltarão pra casa.
– Pode falar. - Disse Beth.
– É bem simples. “Perdão é Divino”, não é isso? Não pertence ao inferno… Não pertence a mundo nenhum, desses que tenho aqui, pra vocês. Se você… Beth… conseguir de coração perdoar sua amiga, estarão então LIVRES! Para voltar pra casa. E digo mais! Moverei o portal deste lugar. Já me diverti demais por essas bandas… e vocês duas: Tem certo potencial.
Zula caiu de joelhos… Beth cerrou os punhos e os dentes. “Como será possível?!! Depois de TUDO que ele me fez… ELA SE DEITA…” Ela pensava sozinha. Beth ajoelhou-se em frente a Zula.
Levou as mãos ao queixo da amiga e encostou o rosto em seu rosto limpando suas lágrimas com suas próprias bochechas. Se encararam em prantos por vários minutos. E a figura de negro… paciente… se manteve em silêncio e de pé, ao lado das duas sem dizer nenhuma palavra. Foi então que as duas responderam juntas como se tivessem ensaiado.
– VAMOS.
– Vamos o que?! – Perguntou a figura de negro.
– Pro inferno. NÃO a perdoo, mas a amo… a amo muito mais do que antes, agora que sei a verdade, mas não a perdoo e ela não se perdoa. E decidimos permanecer JUNTAS! Mesmo que na… “Zona-fantasma”, ou sei lá que droga você nos levar!!
– MARAVILHOSO – Disse o espectro. E então levantou os dois braços pro alto… e estalou os dedos.
As duas Beth e Zula despertaram no gramado da casa, em volta da piscina, com pequenas formiguinhas subindo e mordendo suas peles. Se olharam…
– Meu Deus…Acabou. – Disse Beth.
– Não, não foi sonho… Né? – Zula perguntou sorrindo e chorando ao mesmo tempo. Mas não havia mesmo, graça nenhum em seu riso.
– Não, não foi… Nós vencemos. Cigarrinho?
– Claro… Claro.