O escritor

Untado por um ódio iracundo, como sói todos com virtude necessária para empregar a tarefa original, pespegou, afinal só escritores pespegam alguma coisa, ou todas, o artefato de encontro a dureza da parede tijolar. Ao violentar-se na robustez invulnerável, pedaços alçaram vôo randomizados. Um destes, obedecendo as leis da física mais elementar, lhe enfiaram suas arestas cortantes na cara casmurra.

O grito de dor tendeu ao túmido sofrimento e fez suas mãos ao rosto em reflexa reposta, como ensinou os milhares de anos desde a ascenção da bipedia em nossa espécie.

Sentado à mesa da cozinha, olhava a fumaça sair da xícara de café, subindo em volutas, enquanto o espectáculo em espiral o perguntava: então, velho, onde imiscui-se aquela inspiração?

Lembrou do voivod que, enquanto o empalado a sua frente sofria a atrocidade natural de ser atravessado do cu à boca, embebia os nacos de pão no sangue do condenado a gemer a dor atroz e os mastigava com sexual prazer.

"Por que não posso tamanha verve, caralho?!"

Sorveu, porque só escritores sorvem, um pouco do café, brandiu uma reposta que não saiu, libou, porque só escritores sabem o que é libar, o líquido fumegante outra vez, deixou-se acolher pela queimadura em espasmo esofágico, depositou mansamente a xícara, como quem drapeja, porque só escritores é que drapejam alguma coisa qualquer, a língua na vulva túrgida de sua amante, e debulhou-se, pois só escritores, enfim, em lágrimas.

Havia 1 semana sem que o vissem. Quando conseguiram, não fazia diferença.

O bilhete era uma peça de hermenêutica para espistemólogos não alfabetizados. Em cima da mesa, na cozinha, embaixo da xícara, com manchas de café, participava a quem os olhos fossem deitar:

"Que se foda o que se é para foder! O resto, meus amigos, são só buracos esperando um cacete, ou uma língua"

MementoMori
Enviado por MementoMori em 27/09/2021
Código do texto: T7351323