Quarto de bonecas
Desde o começo do inverno, os noticiários regionais relatavam contínuos desaparecimentos de moças novas em noites de baixa visibilidade, sem deixar nenhum vestígio e sem a Polícia encontrar qualquer suspeito.
Já era dezembro e a chuva fina do final da primavera caía sobre a noite. Maria Clara, uma jovem de pouco mais de vinte anos, esguia, branca, cabelos longos pretos e com um metro e setenta de altura caminhava pela beirada de uma estrada completamente deserta.
Seu carro havia furado o pneu na curva anterior e a garota caminhava sozinha, debaixo da chuva, utilizando somente um casaquinho como proteção. Sabia que havia um distrito à frente e que ali poderia conseguir ajuda – ou ao menos, sinal para o seu celular.
A estrada estava completamente vazia e a aproximação de um carro de passeio apertou o coração de Maria Clara. Esta se encolheu dentro dos próprios braços e quase paralisou de medo quando percebeu o veículo diminuindo a velocidade.
O veículo parou ao seu lado, com o pisca alerta ligado. O carro, um Strada vermelho, bem conservado, era ocupado somente pelo seu motorista, um senhor de cabelos grisalhos, beirando os 60 anos, com pele enrugada, jaqueta grossa e calça jeans.
- Moça, posso lhe ajudar? Você parece perdida.
- Eu estou bem. – disse Maria Clara – Só vou ali no distrito à frente.
- Eu moro ali. Você vai onde? Eu te deixo lá! Estou indo para lá agora!
- Não se preocupe. Eu estou bem!
O senhor olha para trás e aponta com o polegar direito:
- Aquele carro quebrado ali atrás é o seu? Se for, eu te levo na casa do seu José. Ele é borracheiro.
Maria Clara respirou fundo. A água já escorria por dentro de suas roupas e lhe congelava.
- Ok! – disse. – Vamos lá!
A garota adentrou no interior do veículo, sentando-se no banco do carona, colocou o cinto e o carro disparou.
Pouco mais de cinco minutos depois, Maria Clara e o homem – que se apresentou como o aposentado Jorge – chegaram na entrada da casa do último. Era uma singela casa de dois andares, dos anos 80, com a entrada direta no passeio, janelas que davam para a rua e um telhado de amianto.
Os dois desceram juntos do carro e Jorge caminhou em direção à entrada da casa. Abriu a porta e disse:
- Entre. Vou pegar algo para você se secar!
- Não iríamos na casa do seu José?
- Eu vou lá para você e trago ele aqui. Ele mora ali na frente. Enquanto isso, você se seca e espera aqui, no quente.
Maria Clara concordou. Jorge entrou na casa e a garota lhe seguiu. Entrou em uma escura sala. Em primeiro plano, haviam dois sofás velhos e rasgados no centro, junto de uma mesinha e uma estante à direita. À esquerda, havia um ponto escuro, a qual a luz da rua não chegava no local. Ao fundo, estava a entrada para o restante da casa.
A garota se sentou no sofá enquanto aguardava o homem – que havia adentrado na residência – voltar. Em pouco mais de dois desconfortantes minutos, Jorge volta com uma toalha, um copo de água e um guarda-chuva.
- Tome! – disse, entregando a toalha e o copo de água à Maria Clara. – Ele mora logo ali. Já volto com ele. – o homem se afastou. Porém, em seguida, parou. – Ah, se quiser, o interruptor está ali – ele apontou para um ponto da parede ao lado da porta oposta – Eu esqueci de acender. Mas fique à vontade para acender. E tem TV também. Só não sei onde está o controle.
- Está certo! – disse a garota. Deixou o copo na mesinha e usou a toalha para se secar.
Jorge saiu do local, fechando a porta que dava para a rua. Maria Clara se levantou e foi até o interruptor acender. A luz rapidamente iluminou a sala.
Algo chamou sua atenção. No ponto outrora engolido pela escuridão, à esquerda da porta principal, havia uma porta sem batente. A parte superior era baixo e nitidamente o teto do outro cômodo também era mais baixo.
Curiosa, Maria Clara caminhou em direção à porta. Chegou até o local e olhou para dentro. Surpreendeu-se. Era um quarto logo abaixo, descendo quatro grandes degraus. Só uma parte do cômodo era ali visível, pois o restante estava à direita, escondida pela parede da escada.
À frente da porta, estava o que lhe surpreendeu. Haviam bonecas grandes, entre um metro e sessenta e oitenta de altura, com braços e pernas finos e esticados, sorriso no rosto indo quase de orelha a orelha, olhares vítreos e paralisados, vestidas cada um de um jeito diferente.
Haviam quatro bonecas deste jeito à frente de Maria Clara. Esta desceu as escadas e, à medida que ia descendo, o restante do cômodo foi se relevando. Tinham bonecas brancas, pardas e pretas, com cores de sua pele semelhantes a de humano. Estavam em prateleiras que imitavam uma escada até a parede, na qual as inúmeras bonecas ocupavam quase todo o cenário – com exceção de um ponto ou outro.
Não dava para contar o número exato de bonecas, mas a garota sabia que tinham mais de trinta bonecas ali alojadas.
Maria Clara foi adentrando no recinto, caminhando calmamente enquanto fitava as inúmeras bonecas. Sentia a espinha congelada nas costas e os músculos involuntariamente querendo tremer. Apesar de não ter qualquer tipo de medo de bonecas, aquelas lhe causavam sérios arrepios.
A garota fitava boneca por boneca. Estavam alojadas nos três lados do cômodo e rapidamente se sentiu cercada pelas bonecas.
Apesar de apavorante, não posso deixar de notar que o trabalho dele nas bonecas é impecável, pensou Maria Clara.
Aproximou-se de uma delas, do outro lado do cômodo e fitou seu rosto. Encostou a mão direita e alisou a pele da boneca. Apertou e esfregou o local.
- Não sai tinta, é bem firme. Gostei. – disse a garota. Havia se acostumado com o quarto e estava mais tranquila. Abaixou-se a cabeça para ver os detalhes do restante do rosto. Surpreendeu-se. Os olhos da boneca mexeram.
A surpresa de Maria Clara foi tão violenta que, ao se afastar, acabou caindo ao chão. Naquele instante, sobre os próprios braços, a garota percebeu que a boneca estava com as pernas abertas, de saia e que na virilha havia uma vagina com os mesmos detalhes de uma humana, inclusive com pelos pubianos. Além disso, era visível a diferença de pele entre a virilha e a perna.
- Que merda é essa? – se perguntou, assustada. Virou-se rapidamente o rosto a fim de fitar à sua volta. Percebeu que todas as bonecas que estavam no seu campo de visão eram semelhantes à primeira.
Desesperada, Maria Clara rapidamente se levantou. Olhou para a boneca à sua frente e percebeu lágrimas escorrendo de seus olhos.
- Que Diabos...? – se perguntou, completamente assustada. Afastou-se até bater com as costas em algo. Virou-se, em um só movimento. Fitou Jorge logo à sua frente. Junto dele, havia um segundo senhor, mais baixo, gordo e pouco mais novo que ele.
- Era para você ter tomado o copo de água. Ia ser bem menos doloroso.
Em seguida, Jorge lhe desferiu um violento golpe com um pedaço de madeira na sua têmpora, fazendo-a ir ao chão desacordada.
Maria Clara acordou. Ainda parecia zonza. Fitou o teto de um cômodo com uma forte luz sobre seu rosto. Fechou os olhos momentaneamente. Olhou ao redor. Percebeu, em primeiro plano, seu braço esquerdo amarrado, levantado e com uma agulha cravada na altura do cotovelo. Sangue passava por um tubo e caía para dentro do braço.
Percebeu Jorge e o outro senhor a rodeando. O primeiro estava mexendo em equipamentos cirúrgicos à esquerda e o outro estava em outro ponto do quarto. Naquele momento, percebeu que suas pernas estavam amarradas.
Entrou em desespero. Começou a se mexer e a tentar puxar braços e pernas. Porém, ambas estavam devidamente presas na maca. Tentou falar, mas não conseguia. Conseguia abrir a boca e a gesticular, mas não saía nenhuma voz.
- Não perca tempo tentando falar ou gritar! – disse Jorge, aproximando-se de Maria Clara com um bisturi na mão. – Suas cordas vocais foram arrancadas.
A garota se assustou. Tenta se desvencilhar, forçando o corpo contra as cordas, mas continuava presa na maca. Jorge segurou seu rosto, pressionando-o na região do nariz contra o local.
- Você fica quietinha! – ele disse, calmamente
Maria Clara parou os próprios movimentos. Entretanto, seu coração estava a mil no peito.
- José... – disse Jorge. O outro começou a prestar atenção na conversa – Vamos começar!
José se aproximou das pernas de Maria Clara. Jorge se distanciou do rosto da garota e caminhou até a região da sua virilha. Levantou um fino lençol que estava sobre seu corpo nu e cravou o bisturi no local.
Maria Clara se contorceu de dor. José pressionava o ponto com um pano molhado. Jorge segurou o corpo da garota para parar de se mexer. Percebendo não ser possível, pegou novas cordas e amarrou pescoço e tronco junto da maca.
Em seguida, continuou a cortar com o bisturi a perna da garota até fazer a volta completa. Com a perna esquerda separada do corpo, Jorge a jogou sobre a pia que estava às suas costas. José estancou o sangramento enquanto Jorge se distanciou da garota. Esta, por sua vez, alternava entre a consciência e a inconsciência.
Jorge voltou com uma perna de manequim com um pequeno ferro pontiagudo no topo. Maria Clara se surpreendeu. Jorge deitou a perna do manequim ao lado da perna direita da garota e foi, pouco a pouco, se aproximando do seu corpo. Maria Clara começou a sentir uma violenta dor e tentou gritar de desespero e dor, não conseguindo. Em seguida, dada a profunda dor que sentia, apagou.
Maria Clara acordou. Estava o local escuro, apenas com uma luz central artificial no centro. Percebeu à sua frente ter várias bonecas. Tentou mexer a cabeça, mas apenas mexia os olhos. Tentou mexer braços e pernas. Nada. Começou a ficar desesperada. Continuava tentando se mexer, mas sentia apenas o tórax, mas não o restante do corpo.
Repentinamente, a porta do local se abriu e Jorge desceu as escadas.
- Ora, ora. É hora de experimentar minha nova boneca.
- Ela é minha primeiro. – disse José.
- Pode deixar. – disse Jorge. Caminhou até ficar em frente à Maria Clara. Fitou-a. – Dessa vez, eu caprichei na boneca. Olha a estreia vai ser empolgante.
Maria Clara arregalou os olhos. Continuou a tentar se mexer, mas não conseguia. Jorge a retirou do local onde estava sentada, colocou-a nas costas e saiu.
- Estou chegando com o seu jantar. – disse Jorge, para José – Mas deixa um pouquinho para mim.
- Oba. Hoje, a noite vai ser longa.
Jorge saiu do cômodo, fechou as portas e passou pela sala. Naquele momento, Maria Clara, com a cabeça virada de lado, conseguiu se fitar diante do espelho da estante. Com laços na cabeça, roupa infantil, braços e pernas de manequim, a garota finalmente entendeu o que havia acontecido com ela. Fora transformada em uma verdadeira boneca.