A hora do lobisomem
A hora do lobisomem
Aquela noite ficou marcada para sempre na memória da cidade, foi quando Leodoro quase enlouqueceu... Nunca foi provado, mas a lenda urbana contava que Leodoro era uma besta fera que em noites de lua cheia perseguia os notívagos, e as pessoas que por algum motivo se afastavam de suas casas durante as horas de escuridão...
Leodoro era o filho mais novo do senhor alcaide Lindolfo, como filho da autoridade máxima era considerado intocável; o rapaz arrastava uma asinha pela donzela Cleidenice, na verdade arrastava as duas asas pela garota que era filha do chefe de polícia da freguesia...
Desde que o mundo é mundo as grandes paixões não correspondidas jamais trouxeram conforto à um enamorado; Leodoro nunca obteve um simples gesto de afeto da parte de Cleidenice, muito pelo contrário, a donzela o desprezava...
Quando o senhor alcaide solicitou formalmente a mão da donzela Cleidenice para o seu amado filho, o senhor chefe de polícia não teve como recusar o pedido da autoridade; era negar e perder o rendoso cargo na hora...
Cleidenice amava em segredo o jovem pescador Ranulfo; a donzela ficava horas e horas observando o lagamar na espera de ver a canoa de Ranulfo aportar... O que ela não sabia é que o pescador era doido pela menina moça Zildinha, escrava na casa senhoril do senhor alcaide...
Maria Zilda desde a mais tenra idade sonhava em casar com o sinhozinho Leodoro; sabia ser um sonho impossível, uma escrava não poderia ser esposa do filho de seu amo e senhor, mas sonhar não era proibido...
Naquela noite Leodoro teve uma discussão com a donzela Cleidenice, coisa feia, coisa trágica... A moça jogou na cara do rapaz todo o seu desprezo, disse de sua paixão pelo pescador Ranulfo, e afirmou que Leodoro jamais possuiria o seu coração; o noivo tentou beijá-la, e a rapariga correu para o lagamar...
Era o momento de revelar a Ranulfo os seus sentimentos; Maria Zilda que ouvia escondida a conversa dos noivos ao saber que Cleidenice fora ao encontro do pescador com Leodoro em seu encalço, também se dirigiu ao portinho onde Ranulfo aportava a sua canoa de pesca...
Estavam os quatro personagem reunidos a margem do lagamar; Cleidenice se abraçou a Ranulfo confessando a sua paixão, o pescador tentou afastar a donzela dizendo de seu amor por Maria Zilda... Maria Zilda tomou coragem e disse de sua paixonite por Leodoro desde a mais tenra idade... Foi quando a lua cheia surgiu iluminando o mar.
A primeira vítima a tombar sobre a sanha da besta fera foi Ranulfo, o lobisomem dilacerou a garganta do rapaz, e sem dar tempo de Cleidenice reagir também a degolou... Colocou as garras sobre o peito da moça e arrancou seu coração, o coração de quem jurara que jamais lhe pertenceria... Zildinha desmaiou.
A cidade acordou assustada, assassinatos eram coisas raras na freguesia; segundo o chefe de polícia informou, sua filha foi morta pelo jovem pescador Ranulfo, um crime passional... A autoridade não atinava de como o rapaz conseguiu após assassinar a donzela dilacerar a própria garganta.
O outro comentário do dia foi à chocante notícia do casamento apressado do mancebo Leodoro, sonho de consumo de todas as donzelas encalhadas e doidas para dar um golpe do baú, com Maria Zilda, uma jovem escrava... Ah, o amor! Para o amor jamais haverá uma explicação lógica; Zildinha jamais revelou o negro segredo de Leodoro, e o porquê dele concordar com o estranho casamento; ela com o tempo chegou à conclusão de que não amava o marido, e sim o lobisomem, a besta fera que em noites de lua cheia a fazia feliz.
Gastão Ferreira/2021