Floresta Sangrenta

Resquicios da luz do sol entravam pelo parabrisa da caminhonete alugada. O vento soprava fresco e a vegetação ao redor da pista se movia como flashes despretenciosos. Música pop soava sob o som ruidoso do vento.

A garota no banco da frente olhou para o casal no banco de trás por uma fração de segundo e encarou a janela ao lado.

- Alguém mais tá com a bunda doendo de tanto ficar sentada?

Risos.

- Logo você vai poder esticar as pernas, estamos quase chegando. - Disse o motorista. Ele tinha os cabelos espetados e um sorriso divertido nos lábios.

- Dai você chega lá, ajeita uma ou duas coisas e volta a sentar de novo. - Disse o rapaz no banco de trás, sorrindo.

Ela fez uma careta, olhando-o pelo retrovisor.

O carro passou ao lado de uma placa que dizia fazenda S.H.F e uma seta indicando a entrada ao lado, que os passageiros mal conseguiram ler. Entraram em uma estrada de terra vários metros depois de passar pela placa da fazenda e pararam em uma clareira. O sol já havia se despedido no horizonte.

- A gente podia ter chegado um pouco mais cedo. Vai ser meio complicado montar as barracas no escuro. - Disse a jovem que estava sentada no banco da frente, ao descer.

- Se você não tivesse demorado tanto talvez tivessemos chegado ainda com o sol. - Disse o rapaz que estava sentado no banco de trás.

- Dessa vez eu tenho que concordar com o Teo. - Disse a jovem que estava ao seu lado durante a viagem. Ela tinha os cabelos curtos com uma franja grande jogada de lado.

- Eu arrumei tudo o mais rápido que podia. - Uma mancha vermelha apareceu no meio de sua testa.

- Dá próxima vez acho melhor começar uma semana antes. - Disse o motorista, sorrindo.

- Com o tanto de coisa que você trouxe parece que vai ficar morando no mato, sei lá uns três meses.

- Vem cá, vocês vão ficar me crucificando ou vamos arrumar logo as barracas? - Cruzando os braços. - Daqui a pouco vai ficar ainda mais escuro e ferro de vez.

- Eu trouxe lanternas. - Brincou o motorista.

- Às vezes eu odeio o seu senso de humor.

Os jovens tiraram as barracas de dentro do porta malas e as montaram.

- Um acampamento não é um acampamento sem uma fogueira. - Falou Teo.

- Eu é que não vou sair nesse escuro para pegar lenha. - Disse a garota de cabelos curtos.

- Ah qual é, Valéria. Tá com medinho do escuro. O Thomas vai, ele é corajoso.

- E por que não vai você? Foi você quem deu a ideia.

- Eu só fiz um comentário. - Cruzando os braços.

- Eu não sei se vai dar para encontrar alguma coisa, já tá bem escuro. E se afastar muito do acampamento pode ser meio perigoso. - Disse Thomas.

- Então a gente usa as roupas da Bia, ela trouxe de sobra mesmo. Problema resolvido. - Falou Teo.

- Eu vou é usar a sua língua como lenha.

- Você vai ter que arrancar primeiro.

- Amanhã a gente faz uma fogueira, hoje é melhor ficarmos só com as lanternas mesmo. - Disse Valéria.

- Tem razão. Vamos só sentar nesses banquinhos que eu trouxe e ficar conversando com a lanterna na mão.

- Alguém lembrou de trazer as cervejas? - Perguntou Teo.

- Claro. Deve ter ficado dentro do porta malas.

- Eu vou buscar.

O som de alguma coisa pesada caindo ecoou pela floresta, assustando-os.

- Vocês ouviram esse barulho? - Perguntou Teo, ao voltar com um cooler grande nas mãos.

- Ouvimos. Alguma árvore deve ter caído. - Disse Bia, um pouco assustada.

- Nem ventou tanto assim.

- Mistérios da natureza. - Brincou Thomas. - Devia estar muito velha.

- Ou pode ser o casal da cera espreitando por ai. - Sentado e abrindo o cooler a sua frente.

O som da lata de cerveja sendo aberta foi um convite para que os outros fizessem o mesmo.

- História de fogueira sem ter uma fogueira. - Disse Thomas, sorrindo.

Teo deu uma golada grande na cerveja antes de começar.

- Reza a lenda que um casal maluco assombra essa floresta e que eles matam quem se arriscar por essas bandas.

- Essa é sua história de fogueira? Que falta de criatividade.

- Eu não inventei, me contaram.

- Então quer dizer que você trouxe a gente para um ninho de assassinos? - Falou Bia, indignada.

- Você queria um lugar sem bichos e isolado. Esse era o único lugar.

- Você me paga.

- Gente relaxa, é só uma história. - Falou Thomas, tentando acalmar os ânimos.

- Será? - Falou Valéria.

- Eu vou dormir, já deu por hoje.

Bia jogou a lata de cerveja no chão e entrou na sua barraca.

- É melhor todo mundo ir dormir, foi uma viagem cansativa.

***

A lanterna ao lado do colchão de ar de Bia piscou, acordando-a. Uma coruja cherriou ao longe. Ela pegou e a bateu contra a palma da mão. A lanterna piscou mais uma vez. O som de passos esmagando folhas e galhos secos ecoou do lado de fora, fazendo-a olhar para o fundo da barraca.

- Deve ser só um dos meninos. - Sussurrou para si mesma.

Apertava o cabo da lanterna com força sem que notasse. A ligou, iluminando o fundo da barraca. Viu o que parecia ser uma sombra se movendo para longe da luz, um grito escapou de seus lábios. Aquela havia sido uma péssima ideia. Uma faca de caça rasgou a lona da barraca, com a facilidade de quem corta um pedaço de queijo macio e suculento, e um par de mãos negras a arrancaram de dentro, sem que pudesse gritar por ajuda.

Thomas acordou alguns minutos depois e saiu da barraca, precisava tirar água do joelho. Se esgueirou para trás de uma árvore. A luz da lanterna continuava acessa na barraca de Bia. Caminhou até a entrada da barraca e antes que pudesse chamar por ela, mãos o agarraram por trás. Thomas tentou se livrar, mas um golpe em sua perna o fez cair de joelhos, em seguida sentiu uma forte pancada na cabeça.

***

Teo foi o primeiro a acordar. Ao ver a barraca rasgada e o tênis de Thomas abandonado no chão próximo a barraca, correu para acordar Valéria.

- O Thomas e a Bia sumiram! - Sua voz era quase um grito.

- Como assim? - Deixando a barraca, ainda meio sonolenta.

- Não sei. Acho que alguém pegou eles. A barraca da Bia tá rasgada e encontrei um dos tênis do Thomas perto.

- Eles não podem ter simplesmente desaparecido. A gente vai achar eles.

- Eu não devia ter trazido vocês aqui. - Levando as mãos na cabeça.

- Vamos procurar por ai, deve ter alguma coisa que nos leve à eles. Vamos fazer o seguinte, você vai por ali. - Apontando para a sua direita, na direção da barraca da Bia. - E eu vou nessa direção. - Indicando o lado oposto. - Se alguém achar alguma coisa, grita.

- Ok, boa sorte.

- Para você também.

Eles se dividiram e começaram a vasculhar a mata ao redor. A floresta estava silenciosa e os raios solares penetravam entre as frestas de galhos e árvores.

- Valéria, vem aqui! - Gritou, olhando para o outro pé do tênis do Thomas, vários metros de onde estava o primeiro.

Ela correu até onde ele estava.

- É o outro par. Eu não achei nada, acho melhor seguirmos por aqui.

- Tem razão.

- Você trouxe alguma arma?

- É claro que não. Era para ser só um acampamento, não uma caça à assassinos.

- Você sabia da lenda, podia ter se prevenido.

Ele cerrou os dentes.

- Pode colocar mais essa na minha conta.

Caminharm por mais alguns metros e encontraram um pedaço de tecido cinza enroscado em um galho.

- Isso aqui é da Bia. - Disse Valéria, pegando o pano nas mãos.

- Isso tá me cheirando a armadilha.

- Acho melhor chamarmos a polícia.

- Não tem sinal aqui.

- Eu não tenho uma arma e você também não.

- Eles podem estar precisando da gente.

- E o que a gente vai fazer? Sermos as próximas vitímas?

- Se você não quer ir não precisa, mas eu não vou abandonar eles aqui, sei lá nas mãos de quem.

- Não estou falando para abandonar. - Se interrompeu soltando uma curta bufada. - Deixa pra lá, vai ser inútil, você quando colocar uma coisa na cabeça nem o diabo tira. Acho melhor eu ir com você para evitar que faça alguma burrada.

- Entao vamos continuar, já perdemos tempo demais.

- Só espero que isso não nos mate.

Eles continuaram caminhando e encontraram pedaços das roupas dos colegas pela mata. Teo pegou um pedaço grande e forte que um dia fora um dos galhos de uma árvore grande. Encontraram uma casa pequena e de aparência velha, com algumas manchas de lodo nas paredes, e se esconderam atrás de uma árvore, abaixados.

- Você acha que eles podem estar lá dentro? - Perguntou Valéria. Seu coração pulsava acelerado.

- Só tem um jeito de saber.

- Vamos esperar um pouco e ver se alguém sai de lá.

- Já esperamos demais.

- Ser impulsivo agora não vai ajudar em nada.

Ele sabia que ela estava certa, mas não disse nada.

Ninguém se aproximava ou saia da casa, estava tudo quieto e calmo.

- É melhor a gente entrar logo.

- Está bem, mas não faça nada, vamos agir com calma e cautela.

- Você quem manda. - Seguindo na frente.

Se aproximaram da casa e um calafrio percorreu todo o corpo da Valéria. Teo sentia todo o seu corpo tenso. Segurava firme o pedaço de madeira, pronto para golpear se houvesse necessidade.

Teo abriu a pesada porta de madeira que rangiu ligeiramente. Estava um pouco escuro dentro da casa. Um sofá de dois lugares, uma poltrona e uma televisão antiga sobre uma bancada pequena eram os únicos movéis ali. Tudo parecia preto ou de tons bem escuros. Deram alguns passos e viram uma parte dos pés de Bia no corredor estreito.

Eles se aproximaram e viram o corpo da amiga com as costas voltadas para o teto. Valéria engoliu em seco e se ajoelhou ao seu lado, virando corpo. Ela soltou um grito e se econlheu na parede com as mãos no rosto, chorando. Não havia rosto, tudo tinha sido coberto por uma camada espessa do que parecia ser cera quente.

- Quem fez isso? - Teo havia deixado o galho grosso cair de sua mão.

- Um doente.

- Será que Thomas também está morto?

- O que você acha?

- Eu vou matar esse filha da puta.

- Nós vamos.

Eles continuaram vasculhando a casa. Os dois pequenos quartos estavam vazios. Seguiram para a cozinha e Valéria torcia para que também estivesse vazia, mas algo dentro dela não acreditava nisso.

Na entrada do cômodo era possível ver uma maca hospitalar e um corpo amarrado à ela. Thomas havia tido o mesmo fim que a amiga. A luz vermelha de uma fritadeira era o único foco de luminosidade daquele lugar.

- Vocês não deviam ter vindo aqui.

Uma sombra alta saiu de trás de um armário que eles sequer haviam notado que estava ali.

- Foi você quem matou nossos amigos! - Disse Teo, com raíva.

- Fomos nós.

Uma mulher surgiu na porta.

- E vocês serão os próximos.

- Espero que tenha mais cera, querida. - Sorrindo.

- Eu sempre tenho mais.

Ela os observava com o olhar malicioso.

O homem se aproximou dos jovens e Teo se colocou à frente, golpeando-o com a madeira, no entanto o homem segurou o golpe e o desarmou com facilidade, em seguida deu-lhe um soco fazendo-o se chocar contra o chão. Valéria viu o amigo desacordado no chão e uma onda de adrenalina fez seu coração dobrar os batimentos cardiacos.

- E você garota? Vai tentar escapar do inevitável?

Ela sentiu suas pernas franquejarem por um instante.

- Eu não vou morrer aqui!

Correu em direção a mulher na porta. Passaria por ela com a mesma violência que um trator esmaga a terra. No entanto, antes que pudesse alcançá-la, foi golpeada pelas costas, caindo aos pés da mulher.

- Ao que parece você vai. - Chutando seu rosto com violência.

- Eu já disse que adoro o seu senso de humor? - Olhando para o corpo desacordado da jovem.

- Já sim, querido. Todos os dias.

Seu rosto tinha um sorriso perturbado.

*** INSPIRADO EM UM RÓTULO DE WHISKY. SERÁ QUE VOCÊ CONSEGUE DESCOBRIR?

Dose de terror
Enviado por Dose de terror em 20/09/2021
Código do texto: T7346703
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