Perfume Cadavérico 5º Capítulo
 
"Eu me interesso por pessoas boas em situações ruins,
pessoas comuns em situações extraordinárias".

Stephen King
   
 November Rain
tocava numa triste nota através dos alto-falantes.
     A tampa da câmara de refrigeração mortuária abriu-se em silêncio e o cadáver nu do menino se esgueirou para fora, o peito vincado de suturas, a cabeça inclinada num ângulo horrível devido às lacerações na garganta, o rosto apático tingido de um sombrio plúmbeo.
     O garoto residia com o pai, a mãe grávida de oito meses e uma tia de treze anos — e a barbárie fora cometida pela adolescente e seu namorado de quinze. O plano era extrair o filho da irmã e levá-lo à mãe do rapaz para que esta aplicasse o "golpe da barriga" no namorado empresário; então os dois a doparam, lhe abriram o ventre usando estiletes e facas de cozinha e depois a mataram a pedradas; em seguida, esfaquearam o sobrinho que dormia no quarto ao lado para que ele não comprometesse o insano plano.

     Sentado à sua mesa, o doutor Albert Pazzanese falava ao micro gravador:
     E não acabou. Há uma variedade de casos tão ou mais sinistros que Lady In Red, mas, por hora, preciso me concentrar no cadáver da Unidade Oito: se prestar atenção aos ruídos na gravação…
     Alguma coisa à direita lhe chamou a atenção; algo captado por sua visão periférica, porém que, ao firmar o olhar, desaparecera. Ressabiado, pressionou STOP no gravador e forçou a cadeira para trás na intenção de se levantar, contudo, ela resistiu como se as rodinhas estivessem travadas — ou se alguém a segurasse. Tentou mais duas vezes, notando um sutil odor à sua volta. Hortelã. Estacou, os músculos do maxilar enrijecendo-se numa pragmática compreensão do medo. Estava às suas costas, podia sentir. Foi torcendo o pescoço devagar e, de supetão, ergueu-se num giro rápido para pegar aquilo de surpresa.
     Entretanto.
     Não havia ninguém ali, apenas a poética rouquidão de Axel Rose navalhando o silêncio fúnebre da sala:
… É difícil segurar uma vela
Na chuva fria de novembro…
Simplesmente tentando acabar com a dor, oh, sim
     Ninguém.
     Albert suspirou enervado e por descuido deixou o gravador cair, batendo em seu pé e indo parar sob a mesa. Apressado, abaixou-se para pegá-lo, agarrando-o — e imediatamente uma pequena mão gélida pousou sobre a sua, obrigando-o a erguer os olhos, saltando assustado para trás ao dar de cara com o menino acocorado a centímetros do seu rosto.
     — Putaquepariu!
     O palavrão saiu numa tacada única, antes de suas nádegas e costas chocaram-se contra o piso, um fade in vermelho lhe encobrindo os olhos e um gosto ácido de sangue lhe vindo à boca. Ficou deitado um instante e depois, sentando-se, focalizou onde o menino estivera. Nada. De novo. Lembrou-se do episódio no banheiro e alteou a cabeça para olhar além de sua mesa, diretamente para o cadáver da Unidade Oito.
     — Se diverte com isso, não é?
O Marceneiro
Enviado por O Marceneiro em 19/09/2021
Reeditado em 19/09/2021
Código do texto: T7345750
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