O Castelo de Vidro _ Parte XV_

O cardume seguindo seu instinto acompanhou o animal que, agonizando, deixou um rastro ferruginoso sobre as águas turbulentas.

Após resgatado o homenzinho foi colocado às margens do rio. Só então o delegado percebeu que o membro, cuja fera dilacerou, havia sido devorado pelo cardume. Apenas o fêmur ficou grudado aos ligamentos da ossatura dos quadris. Entretanto, apesar do ferimento grotesco, ele ainda respirava. Matá-lo seria o melhor a fazer, porém o infeliz ficou de pé, e cambaleando em uma perna, disse enquanto tentava apalpar a inexistência da outra:

_ Agora terá de me carregar, basta seguir por este caminho e ir em direção àquela frondosa árvore no alto da colina.

Entretanto, o delegado com as mãos trêmulas já havia sacado a arma. Vincent percebendo a iminência da ação ainda tentou dialogar:

_ Não faça isso...

Mas a ordem já estava processada no cérebro e o acionamento do gatilho foi inevitável.

Tombou no chão...

O atirador suspirou aliviado ao constatar que havia errado o alvo. Afinal, mesmo estando diante de algo tão repulsivo, deveria ter mantido a calma e não se deixar levar pela emoção. Havia colocado sua carreira em risco, vindo a forjar a morte do detento e ainda o convencer a deixar um testamento que, em parte, favorecia as famílias das vítimas. Para a sociedade o fim do assassino e sua confissão já elucidaria o caso. Contudo, algo lhe assustava: tinha procurado o legista, como sugeriu Vincent, e, para sua surpresa, constatou que o coração da mulher infartada parecia ter sido rasgado por poderosas presas. No fundo, mesmo não querendo acreditar, o fascínio pelo sobrenatural era o combustível que o impulsionava a toda aquela loucura.

***

O fardo enganchado no pescoço pendia para o lado. Não que fosse pesado, mas era úmido e escorregadio. Enojado, o delegado relutava em agarrar o fêmur que roçava impregnando seu distintivo com uma substância amarelada que minava do osso descarnado.

Não demorou para que chegasse à árvore indicada. Só então Vincent abriu os olhos e após estalar todos os ossos do pescoço, falou com voz arrastada:

_Ponha-me no chão para que eu possa lhe mostrar a entrada.

O delegado fechando a respiração desceu a criatura que estava ainda mais repugnante sujo de fezes e urina. Só os imensos olhos azuis pareciam ter vida quando disse:

_ Observe a grandeza dessa árvore incrustada na montanha.Talvez tenha mil anos, ou mais, vai saber?

O homem a contemplou de alto a baixo: era de uma beleza hipnótica com suas incontáveis folhas que refletiam a luz do dia. Pássaros regidos pelas mãos de vento cantavam enquanto pequenas pétalas vermelhas caiam sobre uma trilha emoldurada por flores brancas. Em meio aquele cenário de extrema beleza, Vincent segurou o fêmur, e sem se importar com o voo das varejeiras que copulavam sobre os tendões que o mantinham preso ao corpo, o ergueu como um cetro. Tinha ele a imponência de um príncipe, mas foi como tétrica figura folclórica que saiu pulando sobre o rubro tapete que só a natureza é capaz de tecer.

O assassino chegou ao colossal tronco, cujas raízes como imensos tentáculos se agarravam a rocha ornada por samambaias verdes_oliva. Ele se agachou com extrema dificuldade e introduziu o bracinho em um pequeno buraco na madeira rugosa. Após tatear bem no fundo, uma enorme fenda se abriu ao pé da árvore. Depois se levantou, e sem olhar para trás disse:

_ Enfim, venha e seja bem vindo. Chegou a hora de conhecer meu castelo e todo o terror que se encontra lá dentro...

Continua...

Luiz Cláudio Santos
Enviado por Luiz Cláudio Santos em 10/09/2021
Código do texto: T7339136
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