SATÃ BRASIL Capítulo VII
“Mas hoje o Diabo já senil, já fóssil,
Da sua Criação desiludido,
Perdida a antiga ingenuidade dócil,
Chora um pranto noturno de Vencido”.
Cruz e Souza
Às vezes me irrito sozinho e quieto, pois sei - sem querer saber - que Deus também sonha. Tenho certeza disso, porque faço parte dos sonhos Dele, quaisquer que sejam. Não nasci sozinho, nasci da vontade de Deus.
Quando olho profundamente para o Mundo chego à conclusão de que Deus fez o que quis e quis o que fez, senão ele já teria posto um fim a essa peça chamada Humanidade.
Acho que ele é um grande Autor que nos coloca a todos dentro de um livro, depois o esquece na estante. De vez em quando volta à leitura, porém se cansa do enredo repetitivo e abandona o livro novamente. De minha parte não sei até quando ele terá interesse em continuar a leitura. Eu se fosse Ele, atirava tudo ao fogo.
Quem pode ver tudo e tudo saber? Os velhos livros afirmam que Ele pode. Eu só sei o que minha vontade ensina. É pouco, mas é prazeroso. A minha vontade não me conduz até Ele. Devido a isso sei a respeito Dele tanto quanto os humanos sabem - ou seja, quase nada - ou o pouco que li nos livros antigos e modernos.
Nossa limitação não nos deixa ver que Ele age o tempo todo. Ele é um grande construtor de mundos, não tem descanso como muitos humanos e eu temos. Enquanto ele constrói, nós destruímos.
Há milhões de anos Deus passou por aqui fazendo mundos, embelezando o Universo. Seu único erro naquele momento foi ter nos deixado para trás como a poeira na cauda dos cometas.
Alguns de nós nos ressentimos deste abandono. Por isso existem tantos templos, igrejas e catedrais: os humanos aguardam que o velho Pai retorne para casa depois do serviço, porém ele não volta. Em vez disso quem retorna sou eu porque nunca fiz questão de ir muito longe. Estou sempre presente e pronto para habitar as casas abandonadas por Deus.
Entretanto, muitas pessoas guardam a imagem Dele, pois a imagem Dele é semelhante a de um móvel antigo e valoroso - pertencente à gerações de uma tradicional família – que mesmo sendo substituído por um móvel mais moderno e funcional ainda ocupa um lugar, de verdade, na lembrança das pessoas.
Várias outras pessoas O guardam no bolso, de onde o retiram para satisfazer suas cobiças. Enfim, Deus é como uma espada: serve para tudo, menos para se sentar em cima.
Mas, até as lembranças têm prazo de validade. Elas se acabarão quando se acabarem os humanos que as cultivam. Eu atuo para este fim. Para qualquer fim. Para o esquecimento das lembranças e para o apagamento das memórias. Atualmente estou satisfeito com minha atuação.