A noite da caça

A garota, com uma capa vermelha caindo sobre o vestido e capuz puxado sobre a cabeça, empurrou a porta da cabana, que estava apenas encostada. A construção era modesta, e seus olhos logo recaíram na cama de casal junto à janela; sob os lençóis, mal-iluminada por uma vela acesa num castiçal sobre a mesa, via-se uma figura que parecia dormir.

- Vovó? - Indagou baixinho a garota, pousando sobre a mesa a cesta de vime que trouxera.

O vulto sob os lençóis grunhiu alguma coisa indistinta.

- Eu trouxe empadão de frango e aquela geleia de framboesa que a senhora gosta - anunciou a garota, aproximando-se da cama e parando ao lado da cabeceira.

- Trouxe vinho? - Uma voz roufenha sob os lençóis questionou.

- Ah, sim, uma garrafa de vinho. Vou esquentar um pouco, para ajudar a curar essa sua dor de garganta.

- Acho que vou beber mesmo na temperatura ambiente - informou a voz, subitamente clara, mas decididamente não mais de uma senhora de idade.

O lençol foi afastado e revelou a presença de um homem grande e mal barbeado, que passou a língua pelos lábios antes de se dirigir à garota:

- Acho que a sua avó não vai voltar tão cedo...

Sem se impressionar, a garota pôs as mãos na cintura e olhou pela janela para a floresta lá fora.

- Está enganado; hoje é lua cheia, e minha avó nunca se afasta muito de casa...

A porta se abriu de supetão, e uma criatura enorme e peluda surgiu, presas brancas e olhos amarelos, recortada contra a escuridão lá fora.

- Vovó... um caçador - alertou a garota, indicando o homem paralisado de medo sobre a cama.

No instante seguinte, a criatura estava sobre ele.

- [30-08-2021]