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I
Amélia pôde escutar o quase inaudível “beep” do computador, ligando sozinho… Ela estava deitada, com um livro de Jorge Amado sobre os seios… estava nua, fazia calor. Já era a terceira vez que tentava terminar o 1o capítulo. Simplesmente a história não lhe prendia, ou então algum outro livro (mais fácil de ler) aparecia e ela deixava o pobre Jorginho de lado. Agora ela segurava um exemplar surrado de “Capitães de Areia” …  lido apenas por míseras três páginas. E quando viu a tela do computador se iluminando, não pôde ter absoluta certeza. “Ué?! Não desliguei…?!” - Pensou.

Foi até o computador com preguiça… Havia uma página de bloco de notas aberto, com uma única palavra em caixa alta: “MORE…”.

– More?! “Mais” em inglês? More de “Morar? Ah, SEI LÁ. – Sem paciência e já com sono, fechou o notebook com força.

Acordou. O despertador tocava, parecia que tinha dormido apenas por alguns segundos. Mas, já eram sete e meia… Amélia estava no chão do quarto, perto da mesa do computador. Sentiu uma fisgada na perna. Passou a mão na coxa e quando olhou estava suja de sangue. Havia um corte, que se fosse mais profundo um pouco mais pra cima…  provavelmente lhe mataria em poucos minutos. Se levantou fazendo uma careta e deu um gemido de dor… sentindo o corte esticar. O computador estava mais uma vez aberto no Bloco de Notas, agora com as palavras: “MORE DENTRO…”.

 – HÃ?! Eu hein…? Foda-se. – E desligou novamente.

Mancou até o banheiro… não tinha caixa de primeiros socorros. Apenas papel higiênico e água oxigenada. O corte não era mortal, mas também não era exatamente um corte pequeno. O sangue escorria da coxa ao pé. De repente as luzes desligaram.

II
Amélia deu um grito de susto. Em seguida tentou retornar desajeitada – pois não conseguia pisar com firmeza… - andando de costas. O banheiro era muito pequeno e Amélia tinha claustrofobia, que se acentuava quando não podia enxergar. Agarrou a maçaneta da porta, mas a mesma, por algum motivo, estava solta. Era uma maçaneta pesada, antiga… Todo o prédio era antigo e as portas eram de madeira grossa e maciça. A maçaneta caiu diretamente em seu pé, e Amélia deu um berro de dor. Sentiu como se alguém tivesse furado seu pé até a outra ponta com uma coisa pontuda como uma chave de fenda. Empurrou a porta saindo do banheiro, como alguém que consegue fugir de um desmoronamento. Mancando e chorando se arrastou até a cama… sentando-se e gemendo. Foi quando sentiu o quarto se iluminar novamente. Parou de chorar e até mesmo de sentir dor. Pôde sentir a luz atrás de si. Era o computador, mais uma vez. Se virou de devagar, fazendo uma cara de dor. Suando de forma que seus cabelos negros escorriam pelo rosto como trepadeiras num muro. O notebook estava ligado com o programa de escrita mais uma vez ABERTO e em caixa altas, estavam escritas as palavras: “MORE DENTRO DE…”.

… Assim que terminou de ler, pegou o computador arrancou da tomada e levantou com a intenção de atirá-lo no chão, mas foi interrompida por um estrondo que veio da janela que explodiu e se partiu totalmente, espalhando vidros pelo quarto todo e pela cama. Uma ventania entrou. Amélia morava no décimo sexto andar. Algo se batia pelas paredes de um jeito desordenado.

– MEU DEUS, O QUE É ISSOOO???!

Era um pombo preto. Mas ele estava enlouquecido, se batendo nas paredes soltando gritos que Amélia nunca pensou que pombos pudessem emitir… Amélia tentou correr – ainda mancando – até a porta do quarto para fugir de casa e chamar algum vizinho ou o zelador… mas quando estava alcançando a porta ouviu o “Click!” da porta de casa se trancando. Deu um grito agudo desesperado e se virou pra correr em direção à cozinha – querendo alcançar a porta dos fundos… – então o pombo preto avançou em seu rosto bicando sua bochecha e tentando alcançar seus olhos. Amélia se debatia caída no chão com o pombo em cima dela berrando e balançando as asas freneticamente; até que ele finalmente encontrou um dos olhos e deu uma certeira bicada que a cegou imediatamente. Amélia desmaiou de dor…

III
Quando acordou… cega de um olho, e sentindo tanta dor que não podia gritar e nem se levantar (apenas se arrastava até a cozinha), notou que o pombo tinha ido embora. “maldito, filho da puta…”, sussurrou, dando uma risada meio insana, o rosto coberto de sangue e lágrimas. Arrastou-se até a porta da cozinha, que estava fechada. “Peraí…  FECHADA??! POR QUÊ?”. Amélia se lembrou que antes de desmaiar a porta da cozinha estava escancarada. Ela nunca fechava a cozinha.

 – Cristo… Ele está lá dentro… o… o COMPUTADOR… está lá, não está?

Antes que pudesse abrir a porta para saber a resposta viu o quarto se iluminar por baixo da porta. Deu um suspiro choroso e exausto. E somente por desencargo de consciência, mexeu na maçaneta da cozinha… estava trancada, obviamente. Arrastou-se pelo chão de mármore, até o quarto. Se aproximou da mesa em que estava o computador. Todo o esforço – apenas pra se arrastar da cozinha até ali – fez com que ela antes de verificar o notebook… se deitasse na escrivaninha pra chorar, apenas por alguns segundos. Depois com o pouco de força lhe que restava, tentando não pensar na dor excruciante em seu olho perdido e no sangue que escorria, se sentou na cadeira em frente ao computador…  mais uma vez ligado. O pombo aterrissou e parou ao seu lado parecendo dócil e inofensivo… O programa estava aberto e nele estava escrito:

“MORE DENTRO DE MIM.”.