CIBELLE (CLTS 16)

 

 

 

(...) e teus olhos não deixarão de ver;

teus ouvidos não deixarão de escutar.

Teus membros conhecerão a vida

para sempre e sempre (...)”.

 

(Ritual fúnebre egípcio).

 

 

"She's got her head in the clouds

She's got the stars in her eyes

And she's dancing with a dream in her heart

She's got the wind in her hair

Moonchild shining bright

And she’s dancing, with a dream in her heart".

 

- The Mission, Severina.

 

 

 

I

 

 

Egito, 1943 – a descoberta de uma enigmática câmara mortuária subterrânea, no Vale dos Reis, pertencente a uma princesa desconhecida, alvoroçava a equipe de arqueólogos, liderada pelo britânico de meia-idade, PHD em egiptologia, Doutor George Thompson, na tentativa de decifrarem o Medu-Netru, já bastante desgastado pela ação do tempo, tanto na cripta, quanto na tumba que abrigava o sarcófago real.

 

Há pelo menos 72 horas, que eles tentavam em vão, encontrar uma pista que revelasse o nome da princesa, mas, tudo o que conseguiram até agora, foi saber que ela pertencera à antiga Dinastia Negra ou Draconiana. Um dos períodos históricos mais obscuros do antigo Egito, do qual se tinha muito pouca, ou nenhuma informação.

 

O calor tórrido, e a atmosfera inebriante no interior da cripta, expulsaram o arqueólogo-chefe para fora.

 

Lá em cima, sob o sol, mas respirando ar puro, ele retirou o chapéu por um momento, enxugando o suor da face, e caminhou pensativo, em torno do sítio arqueológico, enquanto bebericava uns goles d'água fresca de seu cantil. Aguardando, ansioso, pela chegada do consultor, que iria auxiliar sua equipe, o grego Nô Lykaios, especialista em História Primitiva e Línguas Mortas.

 

A noite não tardou a cair.

 

Em sua barraca de acampamento, enquanto tomava um trago, o Dr. George finalmente recebia a presença tão esperada do professor Lykaios, homem de seus quarenta e cinco anos de idade, usava barba negra e espessa, e tinha os olhos grandes, verdes e penetrantes. Chegara acompanhado pela doutora Beverly Stewart, e por dois beduínos, que lhes serviram de guias.

 

- As-Salamu Alaikum. – saudaram os guias, respeitosamente.

 

- Alaikum As-Salaam - Dr. George respondeu, fazendo um aceno com a mão direita, dispensando, em seguida, os beduínos.

 

Apresentações feitas, eles iniciaram uma longa conversa, onde o Dr. George os informava acerca da descoberta. Ao que, o professor Nô ficou extremamente empolgado, e, bastante curioso, para ver com os seus próprios olhos, a tumba da princesa “sem nome”.

 

Nô Lykaios viajara pelo mundo, decifrando línguas de civilizações perdidas, dominava idiomas que variavam do arcano watan (a suposta língua atlante), perpassando ao sânscrito, o cuneiforme sumério, o medu-netru arcaico, além das clássicas, hebraica e aramaica, do grego (seu idioma nativo), e do latim. Por isso, sua presença era tão vital ali.

 

Em suas peregrinações, o professor Nô esbarrara em segredos e mistérios, cuja chave, ele agora intuía, talvez estivesse encerrada naquela câmara mortuária.

 

Percebendo a evidente agitação na qual Nô Lykaios se encontrava, o Dr. George sorriu, oferecendo-lhe um trago de sua bebida, dando-lhe uma piscadela.

 

- Amanhã, meu caro! Você poderá ver a cripta, matar sua curiosidade, e, assim espero, ajudar-nos a resolver definitivamente esse enigma!

 

* * *

 

 

Eu e somente eu,

penetrei na grande trama do Mestre”.

 

– Boris Balkan em ‘O Último Portal’.

 

 

II

 

 

Na manhã seguinte, o professor Nô Lykaios tomara apressado uma caneca de café, na tenda do Dr. George, e mal podia conter sua excitação. Desejoso por chegar logo ao sítio. Esfregava vigorosamente as mãos uma na outra, agitado.

 

A Doutora Beverly, que era antropóloga, e especialista em biologia e processos antigos de mumificação, quase sempre o acompanhava em suas andanças pelo mundo, atrás de novas descobertas científicas, observava-o curiosa, estranhando o seu comportamento quase passional, por um achado alheio, do qual ele mal acabara de ficar sabendo, uma vez que, sempre se mostrava frio e impassível, diante de suas próprias descobertas.

 

Ao deixarem o acampamento, rumo ao sítio arqueológico, Bev prendeu os cabelos num rabo-de-cavalo, caminhando ao lado dos dois homens. Enquanto Nô analisava, detidamente, as fotos 24x30 da câmara funerária, que o Dr. George lhe entregara. Alarmou-se, no entanto, ao ler uma funesta sequência de hieróglifos, inscritos na lateral da tumba.

 

- Quando pretendem abri-la?! - Nô indagou aflito.

 

- Agora de manhã, antes de chegarmos. – replicou George. – a intenção era de que já estivesse aberta, quando o senhor chegasse, para examiná-la.

 

- Oh, Deus! Não... Corramos. É uma armadilha!

 

Os três precipitaram-se esbaforidos para o Vale dos Reis, chegando ao sítio, desceram até a câmara subterrânea. Tarde demais, porém...

 

Alguns ajudantes já haviam retirado a pesada tampa de pedra da tumba, e, agora, três pesquisadores da equipe e dois ajudantes egípcios, forçavam com pés-de-cabra, a fechadura da urna mortuária, onde, a múmia da princesa, jazia em seu descanso eterno.

 

Antes que os recém-chegados pudessem gritar: parem! A urna foi aberta, acionando um dispositivo, que pulverizou uma espécie de pó ácido, sobre os desafortunados homens. Todos caíram gritando e contorcendo-se de dor. A carne de seus rostos e das partes do corpo, atingidas pela substância, foram totalmente carcomidas, os homens morreram agonizantes, contorcendo-se, até o último suspiro.

 

Após o trágico incidente, a área foi isolada pelas autoridades do Cairo. A perda irreparável de três pesquisadores da equipe, assim como, a dos trabalhadores egípcios, trouxera grande consternação para todos os demais.

 

As autoridades proibiram a entrada no sítio, e puseram guardas armados em volta, fazendo a ronda.

 

Triste pela fatalidade, o doutor George pretendia abandonar a liderança da equipe, enquanto o professor Nô Lykaios, tentava animá-lo, dissuadindo-o do contrário.

 

De fato, eles sequer conseguiram abrir a verdadeira urna, e vislumbrar a face da múmia, pois, a mesma, ocultava-se num segundo sarcófago (havia um dentro do outro, feito matroska), estando, o segundo, hermeticamente selado, o que lançava um desafio claro, aos modernos violadores de tumbas, para que desvendassem a prestidigitação dos antigos egípcios.

 

Somou-se, assim, minando os seus ânimos, além da dor, pela perda de alguns membros da equipe... A amargura pela decepção do fracasso... Hieróglifos arcaicos por traduzir... Enigmas de uma urna hermética para desvendar...

 

Contudo, se havia alguém na face da Terra, capaz de enfrentar esses desafios e vencê-los, esse "alguém" era o professor Nô Lykaios.

 

Bev e o Dr. George, no entanto, não tão otimistas, indagavam-se os motivos dos antigos egípcios, pelo excessivo zelo, com a segurança da múmia.

 

* * *

 

À noite, revendo as imagens dos hieróglifos, enquanto tomava uísque na tenda do Dr. George, acompanhado pela doutora Bev, Nô confirmava, por vezes murmurando expressões: “é isso”, “é isso”, algumas teorias controversas, que havia publicado em seu polêmico livro “Death Star”, que lhe rendera a ridicularização no meio acadêmico, e sua expulsão da comunidade científica.

 

Concluídas suas deduções, o professor Lykaios passou a explicar aos colegas, o significado de toda àquela simbologia presente na câmara funerária. “A princesa - começou ele a dizer - foi encerrada hermeticamente, pois, na "Tradição Arcana", ela representa o “Sol por detrás do sol”, o "Deus Oculto!" A imensa estrela de "Sírius", também conhecida como a “Estrela-Cão”. O "Sol Negro!" Uma força totalmente caótica. Equivalente ao Apocalipse Bíblico! Que, se despertada, traria o fim do mundo.

 

- Bobagem! – interveio o Dr. George, nessa altura da explicação. – isso é um mito.

 

- Não, não é. – Lykaios sustentou sério, e continuou com sua exposição. – "O ano astrológico, ou "Grande Ano" dessa Estrela, dura, aproximadamente, 26 mil anos, e, uma vez, a cada 365 dias, ela abre o nosso próprio ano, ou ciclo astrológico, trazendo as energias do “Deus Oculto”, ou as "Forças Caóticas", tidas como "sangrentas", "femininas" e "lunares"."

 

"Os eruditos afirmam, em concordância com Heródoto, que existiu no Egito, durante o período dinástico negro, uma "Casta Secreta", conhecida como os “Seth-An”, justamente, os "Adoradores de Sírius" ou o Sol Negro, a quem reverenciavam como o “Deus Seth”, o ‘Senhor Supremo do Caos’."

 

"Os Seth-An, ou “Shaitan”, palavra cuja corruptela, hoje é conhecida como “Satã”, tratava-se de um grupo misantrópico, que buscava o fim do mundo, através de encarnar uma ‘Divindade Negra’ na Terra."

 

"Sob as influências lunares, do período, esse ser encarnaria em uma criança do sexo feminino, ou seja, uma ‘Deusa da Lua’." – Enquanto explicava, o professor Lykaios apontava com o indicador, os hieróglifos correspondentes, às suas traduções, nas fotos. Um enorme disco, nas imagens, representando Sírius, estava parcialmente apagado, mas, dois raios que procediam do mesmo, e pareciam iluminar uma figura feminina, que dançava logo abaixo, ratificava o que ele dizia.

 

- Então a destruição da identidade da princesa, no interior da cripta, foi intencional! - Dr. George concluiu, acendendo um charuto.

 

- Exatamente. – Nô Lykaios confirmou, tornando: - Seja lá o que houver dentro daquele sarcófago, precisa ser destruído, ou será o fim da humanidade! As configurações astrológicas já se encontram em seu ápice de energia, e favorecem uma nova encarnação da criatura. Sírius não é conhecida como a “Estrela-Cão” sem motivos, seus adoradores, tentando encarnar o Mal na Terra, utilizavam-se de Magia Sexual, que abria os portais para essas forças. Eram, então, realizados ritos obscenos, caracterizados por cópulas bestiais, daí a expressão...

 

- Céus! - a doutora Bev interrompeu-o bruscamente, com um ar de estupefação, franzindo o sobrolho. - Precisamos agir rápido, então!

 

- Sim. – Lykaios aquiesceu, julgando desnecessário retornar à explicação, crendo já haver dito o bastante, limitou-se apenas em enfatizar: – Vamos entrar naquela cripta ainda essa noite, e destruir a múmia.

 

 

* * *

 

 

Ela acredita em 'O Amor é a Lei'”.

“Jurada para a fé do 'Amor sob Vontade'”.

 

- The Mission, Severina.

 

 

 

III

 

 

O céu egípcio estava nublado, o vento Levante assanhava uma tímida e incipiente tempestade de areia. Mas, nossos amigos, já se encontravam no interior da cripta.

 

Usando seu charme, e alguns dólares americanos, a doutora Beverly havia subornado os guardas que vigiavam o local, e, estes, os deixaram entrar.

 

Nô Lykaios observava o segundo ataúde metálico, com toda atenção.

 

Havia uma inscrição, gravada em Medu-Netru arcaico, na tampa da urna, mas, que ambos os professores concordaram com a sua tradução, que dizia: “A Filha da Lua. Ela é chama da vida, poder das trevas, ela destrói com um olhar, ela pode levar a tua alma. Ela se alimenta da morte dos homens (...)".

 

Porém, somente Lykaios compreendeu que essa fórmula, era na verdade, a chave para abrir o sarcófago.

 

Ele inclinou-se sobre a urna mortuária, comprimindo uma espécie de "botão" em formato convexo e circular, representando a palavra “Ahmés” em egípcio arcaico, que significava “filha da lua”. O doutor George encarou-o confiante, já compreendendo o raciocínio do outro. Depois, Nô pediu que encontrassem, na base do sarcófago, um dispositivo que destravaria o mesmo.

 

A câmara mortuária da princesa, como um todo, constituía um intrincado mecanismo, que era, ao mesmo tempo, uma armadilha mortal, para deter violadores de tumbas, e, uma espécie de “prisão”, para o morto.

 

Bev encontrou uma pequena alavanca, na base dos pés do sarcófago. O professor Lykaios orientou-a a acioná-la bem devagar. Feito isto, ouviram um estalido. Em seguida, as paredes de pedra da tumba, que circundavam o sarcófago, baixaram mecanicamente, em sentido perpendicular, através de enormes fendas, que haviam no pedestal sob a urna.

 

Sem o claustro das paredes que o encerravam, e nem a "casca" do falso ataúde que o cobria, o imponente sarcófago dourado, reluzia magnificente, ante os seus olhos deslumbrados! Após recuperarem o fôlego, os três voltaram ao trabalho, sempre sob a orientação do professor Lykaios, que, dessa vez, mandou que virassem, por duas vezes, no sentido horário, o sarcófago, cujo centro, fixava-se sobre um eixo giratório, mecânico.

 

Após concluírem as voltas, com extenuante esforço, sob protesto, resistência e rangidos do enrijecido mecanismo milenar, nossos exauridos violadores de tumbas, enfim, desabaram, conseguindo, no entanto, voltar a cabeça do ataúde, para o leste.

 

- "A Filha da Lua”, “Ela é Chama da Vida", "Poder das Trevas”. – Nô ruminou, explicando aos amigos os passos que deram até ali, após ter interpretado as enigmáticas sentenças, para acessar o sarcófago hermético com segurança. A "Filha da Lua” foi o primeiro “botão” que acionamos sobre o sarcófago, cujo símbolo, representava exatamente a palavra egípcia “Ahmés”; “Chama da vida” é o sol (ponto cardeal leste), para onde direcionamos a cabeça do sarcófago, e, “Poder das Trevas” a direção oposta, ou (ponto cardeal oeste), para onde voltamos os seus pés, após darmos “duas" voltas na urna, que representam a polaridade "bem" e "mal". (Bem/Oriente/Leste; Mal/Ocidente/Oeste).

 

- Fabuloso! - disse George tocando o ombro de Nô - estou impressionado.

 

Bev sorria, também congratulando o professor por seu conhecimento e habilidades.

 

De repente, ouviu-se outro estalo, dessa vez, vindo das travas da tampa do esquife dourado.

 

Os três doutores se puseram de pé, a tempo de testemunharem o acontecimento do século, quando a urna se abriu... Exalava uma suave fragrância de sândalo, que se contrapôs à atmosfera nauseabunda predominante na câmara mortuária.

 

Com os corações acelerados, ansiosos e mortos de curiosidade, os três não acreditaram no que viram!

 

A “múmia”, não estava embalsamada ou envolta em bandagens, vestia os trajes da realeza, e tratava-se de uma criança, uma menina, de pele clara e cabelos vermelhos, cuja idade, aproximava-se dos 4.063 anos, conforme deduzira o professor Nô, mas, que na realidade, aparentava não ter mais do que dez anos de idade. Seu corpo permanecia incorrupto como o de uma santa, e ela repousava com os antebraços cruzados sobre o peito, parecendo apenas dormir.

 

Os doutores estavam boquiabertos.

 

- É o Mal! – George bradou. – Você estava certo. – disse olhando para Nô. – precisamos destruí-la!

 

- Oh, Deus! Sim... É... ELA! الأميرة ذات الشعر القرمزي (al'amirat dhat alshier alqirmizii). – o professor Lykaios, deslumbrado, dizia em árabe. - a "Princesa de Cabelo Escarlate", sem dúvida é uma Deusa da Lua!

 

Instantes depois, os sinais conflagraram a assertiva do professor. Um forte tremor de terra sacudiu as bases da cripta, tudo começava a afundar...

 

Lá fora, o fenômeno se propagou numa terrível tempestade de areia, que nublava o deserto noturno, tomando a forma de um tornado.

 

Nô ordenou que Bev fugisse dali. Teimosa, ela relutava, temendo pela sorte dos colegas.

 

O chão se tornara movediço, e dificultava a locomoção.

 

O doutor George tropeçou, e caiu num fosso que se formou no interior da cripta. Ele gritou por socorro. Nô tentou segurar sua mão, mas, não teve forças para puxá-lo, e ele foi tragado pelo abismo.

 

Bev, enfim, escalou até a saída, e conseguiu se safar, embrenhando-se pelo deserto, em meio à tempestade. Ela chorava desorientada, mas, tentaria chegar sã e salva ao seu veículo, e rumaria até o hotel do Cairo.

 

Dentro da cripta, diante do sarcófago da “menina”, Nô fitou-a hipnotizado, por uns momentos, em meio ao caos instalado. Um pensamento obscuro lampejou em sua mente, no mesmo instante em que o clarão de um relâmpago rasgava os céus. Ele a retirou do ataúde, carregando-a em seu colo, escalou até a saída com dificuldade, deixando o subterrâneo da cripta, e fugindo dali com o corpo da princesa.

 

* * *

 

O jipe 4x4 estacionou em frente à entrada do Hotel do Cairo, de dentro do veículo, saiu um homem com uma menina nos braços, enrolada num cobertor.

 

Após instalar-se, pôs a princesa deitada sobre a cama de casal. Em seguida, olhou pela janela, a terrível tempestade de areia amainara.

 

Nô abriu uma garrafa de uísque, e tomou-o no gargalo. Fitava ainda incrédulo, um dos maiores “achados”, que já fizera em sua vida. Era a oportunidade pela qual sempre rezara.

 

Desde que sua mulher e filha, foram ceifadas pela morte, naquele terrível acidente de carro, motivado por seu estado de embriaguez, devido à sua expulsão do meio acadêmico, por aqueles pseudocientistas, sua vida perdeu todo sentido. Mas agora, ele tinha diante de si, não apenas a prova de sua tese! Mas o instrumento de sua vingança!

 

Abriu sua bagagem, retirando de dentro um caderno, onde constavam anotações das antigas "Convocações Enoquianas", um dos mais poderosos rituais existentes, de Alta Magia.

 

Ele também retirou de sua mala, uma alcatifa escura, na qual fora bordada, uma enorme estrela heptaédrica, de cor esmeralda. Ornada, internamente, com pinturas em ouro, representando os nomes bárbaros e divinos de proteção.

 

O professor despiu-se completamente, e estendeu o tapete ritualístico no assoalho, posicionando-se no centro geométrico da figura, em seguida, ele cortou a palma de sua mão esquerda com o Athame, deixando jorrar sangue abundante, sobre o sigilo estelar, que servia como uma espécie de círculo mágico.

 

Voltado para o trevoso sul, iniciou a evocação, traçando figuras geométricas no ar com a adaga ritual, e repetindo exaustivamente a operação, enquanto circunambulava em direção aos quatro pontos cardeais, vibrando as bárbaras palavras, como mantras:

 

"Blman Prdiz Aao Ial-Pir-Gah Qui-In Enay Butmon Ad Noas Ni Vgear Chirlan Paradial Od Zonac Luciftan Ta Vaul Zirn Tol Hami Sobol Ondoh Nod Oriom Bagle Nolabab I Dlugam Lonshi Od Umplif V-Ge-Gi..."

 

"Venha Criança da Lua! Renasça! Traga o Caos e o Apocalipse para a Terra!"

 

O tonitruar de um trovão marcou o fim do cerimonial, e Nô caiu exausto, desfalecido, sobre o tapete.

 

Em sonho, viu a princesa dançando graciosa sob um forte raio de luar, ela o encarava sorrindo. Seus olhos pareciam duas bilhas negras, sem íris e nem pupilas, refletindo a luz esverdeada de uma estrela heptaédrica, que despontava num horizonte negro, e girava veloz.

 

Assim, absorvido pelo buraco negro de escuridão, que provinha dos olhos dela, contrastando com o giro psicodélico da estrela esmeralda de sete raios, ele teve uma visão apocalíptica, onde vislumbrou os homens, e o planeta Terra, arderem em chamas.

 

A menina fez o sinal de silêncio para ele, com indicador entre os lábios. E a visão se dissipou.

 

Quando despertou, a doutora Beverly estava no quarto. Olhando para ele nu. Ela acabara de chegar, estava um pouco confusa, não sabia, exatamente, o que estava fazendo ali, mas, uma estranha força a atraíra até lá.

 

- Pedi que ligassem para você da recepção. – informou ela, fitando-o nos olhos.

 

Bev sentia-se, súbita e estranhamente, atraída por ele. – como não atendeu. - ela tornou. - então, resolvi subir. Eles me deram uma chave extra...

 

Súbito, a doutora olhou em direção à cama, e viu o corpo inerte da princesa sobre ela. – você a trouxe para cá?!

 

Sem prestar atenção no que ela dizia, Nô Lykaios tomou-a em seus braços, despindo-a com ardor e ferocidade, ela aquiesceu às suas carícias, e retribuiu com um cálido beijo.

 

Os dois fizeram amor ali mesmo, sobre o tapete ritualístico.

 

Seguiu-se, à explosão de êxtase, um estranho fenômeno paranormal, uma espécie de “fantasmogênese”. Quando Nô olhou para um canto do aposento, viu a pequena princesa egípcia materializada por alguns instantes, em seguida, a forma se esvaiu...

 

* * *

 

Epílogo

 

Oito anos depois, no jardim de sua bela casa em Londres, a linda filha que a doutora Beverly tivera, chamada Cibelle, dançava à noite, descalça sobre a relva úmida, de vestido branco, os braços abertos formando uma cruz, ela girava e girava sobre si mesma, suas madeixas compridas e vermelhas como carmesim, esvoaçavam ao vento, e ela sorria diabólica, com àqueles olhos grandes e verdes acesos, iluminada, sob o sibilino holofote do luar.

 

 

Temas: Crianças Paranormais e Invocações Malignas.

 

Frater Mandrake
Enviado por Frater Mandrake em 09/08/2021
Reeditado em 06/11/2024
Código do texto: T7317053
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