Ligação Maldita

Quando a namorada de Jean estava se recuperando da cirurgia que fez no pé, os dois começaram uma interessante rotina de longas conversas ao telefone. Foi um ótimo substituto, já que ambos não podiam mais ficar saindo como antes. Jean até configurou um ringtone especial para o número de sua namorada.

Tudo ia bem, e a rotina seguia feliz. O trabalho, a faculdade e até os planos de casamento. Tudo parecia estar perfeitamente alinhado. Um dia, Maria comentou algo estranho com Jean:

— Amor, você acredita que eu invoquei um demônio?

— Como assim? Não me diga que você chamou o Cthulu?

— Um pouco menos pior que esse. Estou usando um tabuleiro Ouija pelo meu celular. Ontem conversei com um demônio que vive dentro do meu armário.

— Acho que esse tempo sozinha não está te fazendo bem. Mas e aí, o que ele disse?

— Ele disse algo engraçado... Ele disse que quer conhecer você!

Após essa frase, a ligação caiu. Jean tentou retornar diversas vezes e somente dava número inexistente. Da mesma forma, ele mandou e-mails, mensagens de texto e notificação, porém todos sem resposta. Depois de um dia e meio, Jean já se preparava para ir até a casa dela quando ouviu aquele ringtone do número de Maria.

— Maria, o que aconteceu? Você está bem?

Do outro lado da linha Jean conseguiu ouvir um chiado muito estranho. Parecia mais a respiração de um animal selvagem, e em seguida, ouviu a voz de sua namorada que disse:

— Eu estou bem, Jean, sem querer perdi meu chip. Estava ansiosa para falar com você... Por falar nisso, onde você está?

Jean estranhou ela não ter o chamado de amor, e ter usado uma desculpa tão genérica para se justificar. Parecia ser uma pessoa completamente diferente de sua namorada. Mesmo assim aquela voz inconfundível não era de outra pessoa. Então cuidadosamente ele respondeu.

— Estou no trabalho, fiquei muito preocupado com você! Escuta amor, ouço com ruído muito estranho na sua linha. Onde você está?

— Barulho estranho? Deve ser a construção lá fora. Eu estou bem no meu quarto. Arrumando algumas coisas no armário... Por que você não vem hoje me visitar? Faz meses que eu não te vejo.

— Você tem razão, vou ir na sua casa agora.

Havia algo de horrivelmente errado naquela situação, e isso deixava Jean extremamente preocupado. "Não pode ser a Maria, ela sabe muito bem que eu não trabalho esse horário. Por que não me questionou? E só faz 20 dias que não nos vimos, por que ela falou "meses"?

Com muita pressa, ele aprontou sua moto e foi rápido em direção a casa dela. Era um apartamento comum de classe média no segundo andar, num bairro pacato e sem muito movimento. Jean subia aquelas escadas com certa velocidade, não quis esperar o elevador. Sua mente pensava o que realmente poderia ter acontecido com sua namorada. Por um momento, aquela conversa sobre invocação tomou sua atenção.

Ao chegar ao corredor da casa dela, observou que nenhuma luz estava acesa e que não havia construção nenhuma em nenhum canto da rua.

Era noite, então a história dela parecia ainda mais contraditória.

Se aproximou da porta do apartamento de Maria e hesitou em bater de imediato. "Talvez seja melhor eu ligar para ela e avisar que já cheguei..."

Ele pegou o telefone e a ligou, porém caiu na caixa postal. Sem alternativas, ele aproximou então sua orelha da fechadura para tentar ouvir algum barulho, e o máximo que conseguiu escutar foi a própria respiração.

Sem ainda coragem para bater, Jean lembrou-se que havia trago a chave reserva da casa dela. Vasculhou seu bolso até acha-la, e em seguida colocou-a silenciosamente na fechadura. Girou duas vezes e a porta estava destrancada. Ele abriu então, de forma muito vagarosa para não fazer barulho, enquanto tentava espiar dentro do apartamento.

Quando a porta estava totalmente aberta, ele deu de cara com algo que já até esperava. Sua namorada estava deitada no chão, já desfalecida. Seu sangue que nesse momento já secara, pintava de vermelho todo o chão em uma cena macabra. O lado esquerdo de sua cabeça estava destruído, como se tivesse levado uma mordida de um urso. Parte de seu cérebro era visível por causa do crânio que havia sido destruído.

"Puta que pariu" Pensou Jean enquanto tentava esboçar alguma reação. Pensou em mil coisas, ligar para a polícia, chamar ambulância, ligar para sua mãe e etc. Porém, ao ver as marcas de mordidas na cabeça dela, desconfiou que alguém estivesse lá ainda, e seu senso de perigo ligou.

"Esse sangue é de quem morreu há mais de um dia... Não tem como. Eu acabei de falar com ela... Será que era alguém que tinha uma voz parecida? Será que foi um programa de computador para imitar sua voz? Será que essa pessoa ainda está aqui?"

Antes que pudesse fazer alguma coisa, seu celular começou tocar aquele Ringtone característico do número dela. Ele viu o número de Maria bem na tela, como se ela estivesse ligando. Em seguida, ele começou a remexer os bolsos de sua namorada em busca de algo. Encontrou o celular dela, que estava intacto, com bateria e o chip inclusive.

Uma sensação de pavor o tomou, enquanto não sabia se atendia ou recusava a ligação. Acabou atendendo:

— Jean, onde você está? Estou te esperando...

— Maria? Estou quase chegando... Onde você está agora?

— Estou no banheiro tomando banho.

— Certo, vou chegar aí em 20 minutos.

— Ahh que ótimo Jean, mal posso esperar para te rever.

Ele desligou a chamada profundamente espantado e aterrorizado. Porém ainda mantinha certa calma para poder tentar agir. Queria entender o que aconteceu e fazer justiça pela morte de Maria. Poucos segundos após a chamada, ele ouviu um barulho vindo de dentro do banheiro.

Imediatamente foi à cozinha pegar uma faca e investigar quem estava lá dentro.

"Só pode ser o assassino, vou mata-lo aqui mesmo." Pensava ele enquanto tinha sua faca empunhada. Aproximou-se do banheiro e notou que o barulho era do chuveiro ligado, e também viu que a porta estava meio aberta, possibilitando assim que ele observasse.

Sorrateiramente chegou perto e começou a olhar. A única coisa que conseguia ver era uma silhueta muito estranha.

Aparentava ser uma mulher, um tanto magra e extremamente alta, facilmente passando os dois metros.

"O que é isso? Não pode ser real" Pensou ele sem acreditar no que via.

Após constatar que aquilo não era algo humano, ou que ele conseguiria lidar. Pensou em devagar sair e chamar ajuda. Enquanto dava seu segundo passo para trás, com o coração batendo muito acelerado. Seu celular novamente toca, entregando sua posição. Ele o pega desesperado e o desliga. Mas era tarde demais. Quando ele olhou, o chuveiro foi desligado e agora a porta lentamente era aberta por uma mão acinzentada e comprida. Aqueles olhos negros e cadavéricos o acompanhavam de cima abaixo.

O abrir da porta revelou uma figura humanoide que lembrava uma mulher. Alta e extremamente magra, com o crânio desproporcionalmente grande e o corpo retorcido em sua forma. Ela se aproximou sorrindo, e disse com a mesma voz de sua namorada:

— Jean, que surpresa você estar aqui mais cedo. Não sabia que é errado espiar as pessoas tomando banho? De qualquer forma, eu estava ansiosa para te rever... — Ela começou a se aproximar dele, enquanto abria sua boca com os dentes banhados a sangue. Jean não tinha palavras, sabia muito bem o destino que lhe aguardava. Nem forças teve para poder usar a arma que estava em sua mão tamanho era o terror de ver aquela criatura.

Antes de lhe comer o cérebro, aquela mulher disse:

— Me lembro todas as vezes que te vi através daquele armário. Sempre sonhei com esse dia... Amor!