Ruinas da/na Escuridão

Após praticamente três meses, resolvi aproveitar os últimos dias de folga e dar sequência a uma aspiração pessoal, tão consumidora de noites como as chamas de um amontoado de lenha, um projeto capaz de ditar os rumos da minha vida, afinal há muito ódio e amor envolvido... Não poderia me referir a outra coisa senão ao livro “Ruinas da/na Escuridão”, um título ainda provisório e muito cativante, ao menos para mim.

Passei quase uma hora esmiuçando os últimos escritos, parte da preparação para o arremate e por tanto tempo distante, acabei me vendo impelido pela dubiez. “Foi realmente eu quem desenvolveu essa narrativa?”, “caramba quanta inspiração, esse trechos estão realmente lôbregos”... O texto, para minha surpresa, continha passagens tétricas o bastante para fazer pairar essa dúvida e foi realmente oportuno jornadear por esse universo, que às vezes parece tão dissociado de minha mente. Dissociado porque não faz muito tempo que, durante o repouso, fui transportado para um cenário do livro, uma suntuosa morada habitada apenas por uma mulher alta, trajando uma longa indumentária negra e munida apenas de um candelabro.

Com medo da terrífica figura, tendo o rosto ocultado por um véu negro (duvido muito que ela tivesse rosto), ative-me a correr de um lado a outro. Arfante, reunia novas forças para disparar, enquanto sua voz gutural e cobiçosa se expandia pelos meus ouvidos. Provocava uma sensação deveras irritante, até finalmente me dar conta que já estivera naquela casa assim como meu caminho já cruzara antes com a mulher sombrosa. Apesar de ambos serem produtos da minha mente, um pesadelo que depositava acordado no livro, talvez devido ao abandono passara agora a assombrar meus sonhos.

Coincidência ou não, a Viúva do Véu Negro, como gosto de chamá-la, nasceu de um pesadelo ainda mais pavoroso. Eu me sentia aferrolhado pelo véu escuro, apanhado por uma espécie de tecitura. Na ocasião a velha limitou-se apenas a dizer: “Me retrate em uma de suas histórias ou voltarei”. Depois de delinear o personagem, por vontade própria reaparece e odeio admitir, acabou servindo de estímulo para prosseguir.

Ao menos umas dez vezes me peguei disposto a abortar esse projeto. Como não me permito abandonar nada nessa vida, indubitavelmente, sempre recomeço. Chegou a hora de voltar àquela velha casa, a Senhora Clotilde ainda está me esperando. Só espero que quando terminar, a Viúva do Véu negro pare de flagelar meu repouso. É desagradável ser atormentado (e assombrado) pelas próprias criações.

Rafinha Heleno
Enviado por Rafinha Heleno em 23/07/2021
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