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Todos os dias me pedia licença, entre longos goles de café… para tomar aquela pilula verde e roxa. Vinha calmo, sorriso largo, gostando sempre do assunto de música, grandes bandas e bom instrumentos musicais. Quase todos os dias essa conversa vinha até mim e seguia além das horas… empolgávamo-nos em assuntos em comum… energias em comum. Certa noite o vi se aproximar trêmulo e nitidamente tenso ao encarar incrédulo a sua caixa da medicação vazia. Já passavam das dez da noite… chegou até mesmo a dar “tapinhas esperançosos” no fundo da caixa, mas estava de fato vazia. O suor em seu rosto escorreu instantaneamente e parecia que ele – como se evitasse chorar em minha frente – pudesse chorar pelos poros do rosto, que brotavam incessantes e enormes gotas de suor frio suor… Era uma noite gelada. Todos os dias ele pedia licença, entre longos goles de café, para tomar aquela pilula verde e roxa
… e agora tudo nele era trêmulo e sua voz oscilava entre aguda de desespero, bradando queixas de culpa com uma outra voz irreconhecível. Era um ruído gutural, forte… quase impossível de ser traduzido e explicado. Quase não era linguagem, era na verdade… (um rosnado?). Eram espécies de LATIDOS que convertiam-se em dolorosos uivos de dor. Ajoelhou-se no chão me encarando com um olhar indicando algo de humano que ainda tentava lutar e me alertar do perigo… “amigo, corra!! É noite mais longa…”. Tentei abraçá-lo, melhor dizendo… eu tentei SEGURÁ-LO e contê-lo agarrando seus braços entre seus espasmos e tremores ligeiros, mantendo-o sentado e um pouco mais quieto a fim de evitar a “atenção” das pessoas dali… Perguntei se queria que o levasse pra casa, e desta vez ele uivou ainda com mais desespero e fúria e do pouco que compreendi de sua fala, entendi que temia pela segurança de suas filhas e sua esposa. “O QUE VOCÊ FAZ QUANDO ISSO ACONTECE?!!”, gritei. “Quando era menino… meus pais me largavam no mato até eu voltar ao normal, mas hoje a medicação me protege… e protege VOCÊ e protege todo mundo! Eu tomo elas sempre, eu não machuco gente e nem bichos que são os mais inocentes…”. Fiquei confuso… as coisas que ele dizia não faziam sentido pra mim, mas meus sentidos estavam defensivos e alertas, me ajudando a pensar muito rápido. “Só me deixe num lugar SEGURO onde eu não possa sair!!”. Imediatamente imaginei aquele velho e recém-comprado BAÚ, onde guardava alguns livros velhos. “Amigo, aqui você vai ficar apertado, mas duvido que consiga sair até que EU MESMO destranque e te tire!!”… E foi assim que o conduzi e o deitei – em meio a gritos e uivos alucinados misturados com o pouco português que ainda pude entender. Tranquei-o no baú e ordenado por ele mesmo, ainda reforcei o peso por cima com tudo o que pude reunir. Minha preocupação maior era se ele conseguiria RESPIRAR ali dentro… mas meu amigo estava priorizando segundo ele mesmo me disse (naquela hora e depois) a minha vida e de todos, antes da dele. Além de querer evitar totalmente a possibilidade de instintivamente correr em direção a sua própria residência onde dormiam sua esposa e crianças. A madrugada passou, devagar como nunca… e seus uivos – fortíssimos – não eram escutados por mais ninguém, além de mim. E suas tentativas de sair foram em vão.
Às quatro da manhã o silêncio era absoluto e algum tempo depois com os primeiros raios de sol, resolvi libertá-lo. O susto que tomei quando abri o baú foi traumatizante… jamais esquecerei a cena. Meu amigo ainda se contorcia num processo lento de destransformação de algo que se parecia um cachorro (ou um lobo) gigante para o humano que era. Eu pude assistir sentado em sua frente… ele se revirando em dores agudas enquanto seus ossos e pelos retrocediam a cada anuncio da chegada definitiva de uma quieta manhã de domingo.
Afinal, ele me reconheceu e ainda com minha ajuda se levantou exausto e em prantos. “você precisa de alguma coisa?”, perguntei. Ele me encarou com olhos amáveis de eterna gratidão nos limites do seu cansaço… “só preciso voltar pra casa…”. Então, acrescentei num sorriso forçado, com lágrimas nos olhos: “Meu caro, acho que você precisa passar na farmácia primeiro…”. Ele fez que SIM com a cabeça… também tentando sorrir.