O PODEROSO ZUMBI.

-"Corre, Bastião!" Gritou o escravo ao companheiro, entrando num bananal. Os tiros zunindo sobre suas cabeças. Um riacho a frente deles. O barranco de dois metros não os assustou. O relinchar de cavalos, cada vez mais perto. O latido dos cães. Os negros pularam na água. Protegidos pelas folhagens, deixaram se levar pela correnteza. Justino sorriu. -"Estamos li vres, Bastião." Meia hora depois, um redemoinho na água os jogou num banco de areia. Eles correram mata adentro. Andaram por horas, ate avistarem uma caverna. A chuva caiu impiedosa. Os trovões. -"Aqui estaremos a salvo. A chuva vai apagar nossos rastros, Justino." Disse Bastião, mais jovem que o outro. Cansados, adormeceram. Um filete de água corria pela caverna escura, habitada por morcegos. Justino molhou o dedo indicador e o colocou em riste. -"Está vindo um vento lá do fundo. Essa caverna tem saída. Vamos seguir a água." Eles andaram por quase duas horas. Uma luz a frente. Era a saída daquela caverna sob a serra. Eles se abraçaram. Um vozerio. Justino e Bastião saíram em silêncio. Num ponto mais alto, avistaram uma aldeia indígena. -"Vamos pra lá, em silêncio." Eles andaram por três dias inteiros, se alimentando de frutas. Justino dormia o sono dos justos, enquanto Bastião ficava de guarda. -"Se mexer, vai morrer. Pegamos os ladrões de frutas!" Justino estava cercado por dez guerreiros. -"Abaixa a lança, Tonho. São pretos como a gente. O outro está dormindo." Ordenou o líder deles. -"Que fazem aqui? São fugitivos?" Justino estava com medo. -"Somos dois. Fugimos do engenho do Fabriciano." Os guerreiros o empurraram. -"Vamos. Serão levados ao poderoso Zumbi, o senhor da Serra da Barriga." Bastião foi acordado a pontapés. -"Acorda, homem. Estão presos." Disse o líder deles. Justino e Bastião foram amarrados pelas mãos. Duas horas de caminhada em meio a mata fechada. Eles chegaram ao um quilombo. As cercas vigiadas por guerreiros. No centro do quilombo, a residência do grande chefe Zumbi dos Palmares. Justino e Bastião foram levados ao chefe supremo. -"Grande Zumbi. Pegamos esses dois fujões na minha roça. Roubaram mangas, goiabas e um tatu galinha." Justino e Bastião se olharam. -"Tirem as roupas! É uma ordem." Os dois negros obedeceram. Zumbi e seus comandantes olhavam atentamente. As costas deles na carne viva pelas marcas dos chicotes do capitão do mato. As mascas dos ferros nas mãos e tornozelos. As cicatrizes por todo o corpo. -"Serão condenados a me servirem. Estão em Palmares e aqui são livres, iguais a todos. Serão meus guerreiros e nas horas vagas poderão cuidar da terra, plantar roça e criar gado. Aqui não há ricos nem pobres, nem roubos ou injustiças. Poderão constituir famílias e visitar as vilas proximas daqui. Suas roças serão protegidas e o que colherem serão colocadas em comum. Seja.bem vindos, irmãos." Zumbi os abraçou. Justino e Bastião estavam livres. Eles participaram de festas e treinamentos militares. Justino aprendeu a atirar com arma de fogo. A religião era uma mistura de catolicismo com cultos afros. Justino e Bastião viveram ali durante décadas. Toda semana chegavam escravos fugitivos d fazendas e engenhos da Bahia, devPernambuco, das Alagoas e de Sergipe, aumentando o tamanho do quilombo. -"Gosto quando chegam mais irmãos, nosso exército cresce e repele os inimigos. Bastião costurou um manto novo e presenteou o chefe Zumbi. -"Estou aqui há décadas. Cinquenta anos talvez. Governei com bravura, com espada e cetro. Obrigado pelo manto, querido amigo Bastião. Sinto que o inimigo vem mais forte pois estragamos os planos de riqueza deles, tirando a mão de obra deles." Bastião era um dos comandantes do exército de Palmares. -" Estaremos a seu lado. Não temos medo." No ano de 1695, mais de sete mil soldados marcharam sobre Palmares. Zumbi os expulsou. Recuados, os soldados substituíram as baixas e se armaram. As rocas e plantações foram destruídas. O exército de Palmares estava sitiado. Zumbi tinha ódio e furor nas palavras. Os soldados avançaram de surpresa, por todos os lados. As paliçadas derrubadas. Os negros morrendo aos montes. Os soldados reforçados pelas tropas paulistas de Domingos Jorge Velho e de Bernardo Vieira de Melo. As tropas de Olinda e Sebastião Dias avançando com a espada e mosquetões. As casas de palha destruídas e queimadas. Enquanto morria um soldado, morriam sete negros. Os gritos. O sangue por toda parte. -"Vamos pra serra!" Gritou Bastião a Justino. Eles puxaram o líder Zumbi pelo braço. O quilombo estava quase destruído. Uma centena de guerreiros resistia a fúria de milhares de soldados. A fumaça subia aos céus. Do alto, Zumbi olhou seu reino destruído. Alí aonde décadas nasceu um reino livre. O primeiro lugar realmente livre nas Américas. Cada casinha era revirada. Os sobreviventes eram abatidos sem piedade, numa caçada brutal. -"Amigos. Podem matar o corpo mas nunca um ideal. Liberdade, liberdade." Disse Zumbi, olhando para seus comandantes. Justino e Bastião deram as mãos. Zumbi tirou o manto e o jogou do alto da serra. Sua lança ganhou os ares. -"Sem cetro, sem lança, sem manto. Sou igual a vocês. Somos todos iguais." Zumbi correu e se jogou do alto da serra. Um a um, seus companheiros fiéis o imitaram. -"Justino. Voismecê num é comandante. Procura fugir!" Disse Bastião. -"Num sou mesmo mas sou igual a vocês. Fugir pra onde? Vou com Zumbi." Só restavam os dois. Os soldados subindo a serra. Os tiros. Bastião correu. -"Essa história começou e termina assim, com a gente fugindo, correndo." Justino alcançou o companheiro e gritou . -"Liberdade!" Ainda hoje, são visíveis as ruínas de Palmares. Ainda hoje, a lembrança de Zumbi. FIM

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 10/07/2021
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