SETE BOLAS DA ÁRVORE DE NATAL
.
Naquele mês de dezembro chegou uma verdadeira cornucópia de presentes para Martin. Seu filho, designer industrial, havia sido contratado por uma importante multinacional situada na Suécia. Ele mesmo havia acabado de se tornar diretor-executivo da empresa onde trabalhava há exatamente catorze anos e, enfim, conseguira se divorciar da sua esposa sem quase desfalcar o seu considerável patrimônio. Enfim, tudo procedia de vento em popa.
Faltavam poucos dias para o seu 46° aniversário e, na sua elegante casa de Londres, afundado numa poltrona de pele, entrevia um futuro radioso em companhia da sua nova amante, bonita e bem mais nova do que ele. Abriu uma garrafa de conhaque e começou a saborear o liquor enquanto olhava para a imponente árvore natalina que havia posto no salão perto da lareira. Nunca esteve particularmente ligado ao espírito natalino, mas, naquela vez, ponderou que ia ser oportuno comemorar a festa enriquecendo ainda mais as decorações da gigantesca árvore com uma série de sete bolas de vidro. Essas bolas, todas amarelas, haviam sido encontradas, milagrosamente intactas, quando, durante a Campanha da Itália de 1944, seu tio havia descoberto uma caixa contendo objetos que os nazistas furtaram de um grupo de ciganos enviados a um campo de concentração na Alemanha meridional. Por serem de vidro e, portanto, frágeis, jamais haviam sido tiradas da embalagem de papelão. Na antevéspera do Natal, Martin pediu à governanta que as arrumasse, misturadas com as outras modernas, de plástico, nos galhos da grande árvore e depois tirasse suas férias até o Dia dos Reis.
Em torno das quatro horas da tarde, enquanto um aparelho de som tocava uma música de Bach, uma réstia de sol, já oblíquo no horizonte, iluminou a mais baixa das bolas que refletiu a luz amplificada. Martin, apoiou o copo, levantou-se e foi ver de perto esse estranho fenômeno. Na superfície espelhada se via uma figura indistinta que, em breve, tornou-se mais definida: era um adolescente de dezesseis anos que se despedia da sua namorada enquanto ela se desesperava em lágrimas. Lembrou daquele episódio e sentiu um pouco de remorso por ter iludido uma coetânea que utilizara unicamente para satisfazer seus impulsos sexuais. Tentou se auto-justificar pensando que esses comportamentos são corriqueiros entre os adolescentes e, embora um pouco abalado pela visão decididamente inusual, instintivamente procurou a bola imediatamente superior. Nela apareceu a cena do dia em que, superada uma dura seleção, conseguiu, aos 32 anos, uma vaga importante na grande empresa da qual trabalhava. Lembrou do fato com grande satisfação e complacência e, logo depois, procurou a terceira bola na qual, mais uma vez, se focalizou a imagem de outro fato determinante em sua carreira, o dia em que, aos 40 anos, tornou-se executivo da sociedade.
A mente brilhante de Martin havia reparado que o tempo que separava os eventos mostrados nas bolas diminuía pela metade e, justamente, imaginou que a quarta bola mostrasse algo de importante acontecido quando tinha 44 anos. De fato, viu o rosto de Jennifer, a sua jovem amante, no dia em que se conheceram durante umas férias na amena localidade de Saint-Moritz, na Suíça. O homem subiu numa cadeira para observar a imagem na quinta bola, mas não viu nada a não ser o seu rosto reflexo. Ficou um pouco desapontado, mas, afinal, tratando-se da quinta idade na sequência crescente (16-32-40-44-46) só podia mostrar o tempo presente. Ficou tranquilizado, mas ainda faltavam a sexta e a sétima bolas, bem mais altas que as anteriores: para vê-las foi necessário utilizar uma escada para subir até quase ao teto da sala.
Martin jamais queria ter visto o que, infelizmente, apareceu na sexta: ele mesmo, completamente calvo, numa cama de hospital, cheio de fios, soros e aparelhos para respirar. Não precisava ser médico para entender que se tratava de um paciente acometido por um câncer, moribundo com apenas 46 anos e meio de idade. Mas será que ele havia chances de sobreviver? Ainda faltava a sétima bola que, coerentemente com a sequência das outras anteriores, ia mostrar eventos registrados três meses depois dos da sexta bola. O que viu foi tão horrível que, por um instante fechou os olhos, mas logo os reabriu e a superfície dourada da esfera lhe mostrou um cadáver putrefato, mais horrendo e impressionante, dos que aparecem nos filmes do terror. Nos traços deformados do rosto ainda apareciam os vestígios de dores alucinantes que apenas a morte havia conseguido interromper.
Era isso que o esperava: um câncer dos piores, sem a menor possibilidade de cura e caracterizado por sofrimentos desumanos.
As suas pernas perderam rigidez, vacilou, perdeu o equilíbrio e caiu quebrando o pescoço contra uma mesinha de mármore, a mesma sobre a qual estavam porta-retratos com as fotos de seus momentos de sucesso.
A morte foi instantânea. No entanto, o tempo de Martin se dilatou e a queda, que durou cerca de um segundo, foi percebida como num filme em câmara lenta. Teve o tempo de pensar que essa ia ser a forma melhor de sair da vida, sem ter que passar pelo calvário de uma doença oncológica sem esperança. Pensou, também, que talvez as bolas estivessem mentindo...
O que Martin jamais soube é que, depois daquele dia, as bolas nunca mais mostraram nada do passado ou do futuro, voltando a se comportar como normais bolas duma árvore natalina.