O Castelo de Vidro -Parte- XIV -
_ Pelo visto você quer mesmo insistir com essa história. Certamente deve acreditar que sou idiota? Morto vivo? Francamente...
_ Engana-se, delegado, nunca existiu e nunca existirá nada impossível neste, ou em qualquer outro mundo. Pense bem e venha falar-me.
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O delegado sabia que Vincent morreria em breve. Mentiu ao dizer que ele teria alguns meses de vida. Na verdade, o fim poderia ser a qualquer momento. Os exames mostraram que todos os órgãos já estavam comprometidos e, como não havia nada a fazer, poderia usar isso a seu favor. Resolveu então que encontraria um jeito de ir com ele até o suposto esconderijo. Teria de ser algo bem arquitetado para que não se arrependesse depois. Tinha certeza de que não encontraria zumbis ou um espelho mágico que refletisse almas. Mas os restos das onze jovens assassinadas era uma possibilidade que não deveria ser descartada. Mas, e se caso não encontrasse nada? Faria então como já havia imaginado: diria que antes de morrer, o assassino confessou que os corpos foram incinerados e as cinzas jogadas em alto mar.
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Alguns dias depois de tudo planejado, Vincent amanheceu morto. O delegado logo foi acionado e, com um falso ar de espanto, fez questão de acompanhar o corpo até o IML.
O auxiliar de necropsia já o havia despido e estava pronto para retalhar o cadáver quando foi atender ao chamado do médico responsável em examinar os órgãos. Foi então que o delegado colocou a mão na testa do morto, e, após pensar em uma figura bíblica que havia sido ressuscitada, falou com a voz cheia de ironia, mas suave como a de um Deus.
_ Você já pode abrir os olhos.
_ Achei que ainda teria de fingir por um bom tempo... mas, Como conseguiu essa proeza?
_ Conversei com o legista, apresentei alguns documentos e assinei meia dúzia de papeis dando conta de que não será necessário retalhar seu corpo. Apesar de não ser adepto a atos ilícitos, para essa finalidade precisei contar com a ajuda de outras pessoas.
_ Mundinho podre esse da justiça, né? Falou o assassino enquanto lambia o sangue suíno adquirido em um matadouro local.
Depois dos tramites, sob centenas de pares de olhos, o pequeno caixão lacrado foi baixado à sepultura. Entretanto, já que antes da suposta morte o assassino deixou um testamento onde metade de sua riqueza ficaria para as famílias das vítimas que supostamente fossem encontradas, não havia mais aquele clamor público gritando por justiça. A outra parte da fabulosa fortuna seria destinada a instituições de caridade.
A fratura no braço do marginal havia infeccionado, mas o delegado enquanto dirigia não se importava em tragar aquele odor de carne necrosada que vinha do porta-malas. Afinal, logo chegaria ao local indicado pelo prisioneiro.
***
Ao estacionar em uma área rural, o delegado abriu o compartimento e com cara de nojo retirou o monstrengo e o colocou de pé, depois disse:
_ Chegamos, e agora? Para onde vamos?
_ Teremos de adentrar na floresta, mas acho que não conseguirei me locomover com os pés e as mãos atadas. Há um longo caminha a percorrer, doutor.
_ Sabe que caso faça alguma besteira, eu lhe estouro os miolos.
_ Relaxa, agora que minha vida foi exposta, não penso e, como vê, não tenho condição alguma de fugir. Quero mesmo que conheça o fim.
Mesmo desalgemado, Vincent tinha dificuldade em andar entre a galhada. A secreção purulenta que saía de seu braço era algo gelatinoso e podre: um verdadeiro atrativo para insetos e animais carnívoros.
Uma sensação de pânico apoderou-se deles quando uma onça, após rugir pulou do alto de uma árvore. O grande felino abocanhou Vincent por uma das pernas e o arrastou para a margem do rio. O policial foi rápido em sacar a arma e atirar entre as costelas do animal, que em meio a um urro assombroso caiu na água e largou sua presa à mercê da correnteza.
O delegado, a fim de resgatar o detento, mergulhou nas águas profundas, sem saber, contudo, que o rio estava infestado de piranhas...
Continua...