Terrores noturnos: da bruxa ao autoconhecimento

As grandes transformações que acontecem naquele período único da puberdade são físicas, mentais, espirituais e sociais. São muito mais uma síntese daquelas experiências vivenciadas em todo o período anterior, aquele da infância, todas essas experiências sintetizadas e aplicadas à realidade atual criam inúmeras novas sensações, apontando inúmeras outras possibilidades de entendimento da realidade.

Contava eu com meus treze anos de idade na primeira metade de 1992. Meus pais estavam separados (fato corriqueiro, pois se separavam e voltavam, normalmente até duas vezes por ano). Tínhamos uma família estruturada! Brincadeiras a parte, éramos uma família como muitas, sem estrutura e criando seres desestruturados, que criariam suas próprias famílias e vidas desestruturadas no futuro. Tudo que é semeado, cultivado e nutrido, produzirá frutos e será colhido.

Morávamos em uma pequena casa de quatro cômodos: um quarto que dividia com minha irmã, outro quarto onde dormiam minha mãe e meu irmão mais novo, uma sala e uma pequena cozinha. Aos fundos uma pequena varanda onde se encontrava também um pequeno banheiro.

Sempre sofri com terrores noturnos, mas sempre no mundo onírico, nunca havia experimentado a mescla entre sonho e realidade típica daquelas experiências surreais. Porém, em certo domingo, por volta da meia noite, dormíamos no quarto de minha mãe: minha mãe e meus irmãos na cama de casal, eu no chão, deitado em um colchão de solteiro, entre os pés da cama e o guarda-roupa. Havíamos puxado a televisão da sala até a porta do quarto, já se iniciava a seção de filmes Domingo Maior (nessas seções, um dos únicos acessos a alguma cultura que tínhamos, foi onde nasceu minha paixão pelo cinema).

Assistíamos ao filme que se iniciava, quando sem nenhum motivo aparente o guarda-roupa começou a estourar. Uma, duas, três vezes! Como se algo explodisse no seu interior, fiquei congelado, chamei minha mãe, que me mandou ficar quieto. Depois daquilo, um silêncio sepulcral pairou, levantamos com certo medo, vistoriamos o interior do móvel e nada encontramos, cerca de quinze minutos depois ouvíamos palmas vindas da casa de meus avós maternos, que ficava do outro lado da rua. Ficamos quietos esperando para saber o que estava acontecendo, logo, escutamos a porta abrir, alguém caminhar sobre os pedregulhos no pátio, em seguida ouvimos a voz do cunhado de meu avó, em tom meio abalado, dizendo:

- Pedro boa noite! Não tenho uma notícia muito boa pra dar, tua irmã acabou de falecer!

Levantamos, nos vestimos e seguimos para o velório. Gostava muito dos velórios, pois passava a madrugada na rua brincando com as crianças, conversando com os homens que bebiam, durante a noite toda, direto das garrafas e contavam causos. Era infeliz, mas também era um evento onde os parentes se encontravam, sem falar no café, sanduiches de pão e mortadela durante a noite toda, parecia que deviam aquilo ao morto e lógico o caixão ficava no meio da sala da casa, não como hoje que essa prática é proibida.

O interessante é que depois desse evento insólito, dos estouros no guarda-roupa, passei a não conseguir dormir no meu quarto. Ouvia barulhos, respiração ofegante na janela, que ficava na cabeceira de minha cama, que por sua vez dava acesso à pequena varanda aos fundos da casa, onde ficava também o banheiro. Suava de molhar a cama durante a noite, via vultos, escutava risos, quando cochilava era remetido a algum sonho e logo estava paralisado em minha cama, sem respirar, imóvel, com as vistas embaçadas, enxergando uma fumaça negra sobre mim.

Tudo era iniciado pelo barulho de grilos, que aos poucos se intensificava ao ponto de não ouvir mais nada e começar a sentir meu corpo todo formigar, chegando consequentemente a paralisia, que só sumia com o ruído se dissipando e o formigamento sumindo. Primeiro nos dedos, pés, mãos e sucessivamente ao resto do corpo. E ali estava eu molhado de suor sentindo um terror horrível e gritando por socorro.

Tinha medo de deitar-me, medo de dormir, pois quando relaxava e dormia experimentava essa sensação terrível, que para a ciência é chamada de paralisia do sono, porém no meu caso, havia o sonho, a presença, os ruídos, as visões embaçadas e às vezes alguns arranhões e ferimentos abrasivos surgidos de forma inexplicável.

Já estava nesse estado letárgico a duas longas semanas, todas as noites acontecia e acordava aos gritos!

Uma das experiências de que me lembro, quem sabe por ela ter relação com a conclusão de tudo isso, foi um sonho que se iniciou como tal e acabou em minha cama com a tal paralisia.

Numa noite, cansado de tentar não dormir, peguei no sono. A mesma coisa de sempre: barulho de grilos se intensificando, formigamento e pronto: Dormi! Logo estava em pé na varanda aos fundos da casa. A casa era alta, tinha um assoalho como se fosse um porão, dessa forma a varanda era bem alta em relação à casa que ficava ao lado. Estava eu em pé apoiado na proteção (espécie de cerca) da varanda, na casa ao lado vi uma senhora velha, de cabelos grisalhos e desgrenhados, olhos azuis saltados para fora, boca com dentes irregulares, um sorriso malicioso, trajava uma espécie de vestido cinza, todo sujo, tinha mãos grandes e ossudas.

Parei e fiquei a olhando fixamente, parecia que a conhecia, quando percebeu que a olhava ela me fitou. Com o sorriso tenebroso, esticou as mãos ossudas em minha direção, como em câmera lenta seu corpo foi levantando do chão e se projetando em minha direção até chegar ao meu pescoço. Pronto! Barulho intenso de grilos, formigamento e estava lá, como se houvesse caído de costas em minha cama, paralisado, sem respirar, imóvel, com o embaçamento de uma nevoa negra e transparente sobre mim. Não sei quanto tempo ficava naquele estado, mas rezava, tentava movimentar-me, pedia a Deus, sempre dava tempo de rezar pelo menos dois Pai Nossos. Naquele dia o barulho foi se dissipando, o formigamento foi diminuindo, como se fosse algo concreto que ia abandonando meu corpo, partindo da cabeça até sumir por completo nos meus pés. Acabou! Novamente os gritos, todos acordados!

No outro dia narrei o fato à minha avó, que tinha uma crença inabalável de que esses acontecimentos só poderiam ser uma coisa: a bruxa! Porém nunca a vi concretamente em meus terrores – graças a Deus- mas pelas histórias que ouvi parecia ser mesmo.

Dona Romalina me aconselhou a rezar o Crendiospai (Creio em Deus) antes de dormir, que pegasse meu terço de primeira comunhão e colocasse em torno do pescoço, caso não coubesse aí, deveria dormir com ele enrolado nas mãos.

Naquela noite cumpri as orientações à risca, mas não conseguia dormir, ficava ali escutando tudo ao meu redor esperando o pior. Infelizmente tive uma vontade enorme de ir ao banheiro, segurei o quanto pude, pois ir ao banheiro também significava sair da proteção de minhas cobertas, que nesse momento cobriam inclusive minha cabeça, andar no escuro até o interruptor, depois disso ir até o banheiro que ficava do lado de fora e lógico, passar pelo exato local do meu pior pesadelo, a varanda e a casa ao lado.

Bem, como não podia mais aguentar tirei a cabeça das cobertas, examinei tudo cuidadosamente, para me certificar que não havia perigo, levantei o mais rápido possível e corri até o interruptor. Que alivio! O escuro havia se ido. Caminhei pela cozinha, que ficava logo após meu quarto, fui até a porta que dava para a varanda, com medo de abri-la, acendi a luz da varanda e saí. Inevitavelmente olhei justamente para a local onde a senhora pavorosa apareceu em meu sonho, felizmente nada. Respirei, fiquei mais calmo e segui para o banheiro. Sai aliviado! Parei um pouco na varanda, fiquei observando a noite, uma tentativa frustrada de me forçar contra o medo.

A noite estava parada e tranquila. Porém um vento forte começou a roçar a copa das árvores. Foi aumentando de forma repentina e imprevisível, começou a ventar muito, um frio correu pela minha barriga, comecei a ouvir risos pelo ar, parei para me certificar que realmente ouvia aquilo, mas comecei a ficar tonto, com o pensamento turvo, não quis mais esperar, entrei e tranquei a porta rapidamente.

Tomei um copo de água. O vento continuava a soprar forte e assustador lá fora. Com muito desconforto apaguei as luzes, voltando contra minha vontade a deitar. Porém dormir já era outra história.

Estava lá deitado, coberto até a cabeça, suando, com meu terço enrolado nas mãos, uma sensação de terror indescritível. De forma repentina o vento parou. O silencio agora era intenso. Foi aí que a coisa mais terrível que havia me acontecido até ali se manifestou. Escutei por três vezes, três pequenas batidas na vidraça da janela, como se alguém batesse com a ponta da unha no vidro, totalizaram nove batidinhas ao todo, porém não me atrevi a olhar. Comecei a rezar o Creio em Deus rapidamente, com os olhos fechados. Escutei uma respiração ofegante na janela, que se intensificava à medida que eu rezava, como se por algum motivo sentisse raiva daquela tentativa de afasta-la dali. O respirar se intensificou tanto que parecia penetrar a vidraça e chegar ao meu rosto. Não aguentei! Gritei! Chamei por minha mãe, que levantou e correu até o quarto, acendeu a luz soltando um grito.

Conta ela, que quando entrou no quarto e acendeu a luz viu um vulto negro abandonar a janela, como se estivesse do lado de fora, o que mais causou espanto foi à janela estar com os vidros embaçados, como se alguém ali respirasse. Não dormi em meu quarto naquela noite, dormimos todos juntos no quarto de minha mãe.

No outro dia procuramos minha madrinha, Dona Helena Cordeiro, mulher muito amável, de muita fé, grande coração (a pessoa mais gentil que já conheci, era pobre, muitos filhos, mas sempre dividia o pouco que tinha com aqueles que necessitavam), ela era também uma grande benzedeira, muito respeitada naquele local.

Uma de suas especialidades era o derramamento de cera. O método consistia em colocar uma bacia com água fria a frente daquele que seria bento, com o auxilio de ramos de arruda, enquanto rezava (orações em voz baixa), aspergia a água da bacia na cabeça do paciente, logo após, concluídas as orações derretia-se a cera de abelha, que seria derramada na bacia de água. Com uma colher servia a água onde se depositou a cera, por três vezes ao bento, logo após esse processo a cera era retirada da bacia e revelava aquilo que afligia a pessoa que foi benta.

Chegamos lá na parte da tarde. Era sábado! Minha madrinha nos recebeu, eu pedi sua benção, ela me abençoou com as palavras:

- Deus te abençoe, te guarde e te crie meu filho!

Contamos os fatos acontecidos durante aquelas semanas, principalmente o da noite anterior, pois naquela noite minha mãe viu algo, interessante que até aquele dia estavam me chamando de louco.

Dona Helena iniciou o ritual da cera, a bacia de água estava em um pequeno altar, que ela tinha dentro de casa, eu me encontrava sentado de frente para o altar e ela me benzia aspergindo água com o galinho de arruda, parada ao meu lado direito.

Terminado o ritual começou a retirar a cera, que agora já se encontrava endurecida. Quando retirou o disco de cera da água foi revelado um rosto, espantosamente aquele da senhora tenebrosa, que tanto me assustou em meu sonho. Mesmos olhos esbugalhados, boca com dentes irregulares, sorriso malicioso, rosto com aspecto de loucura.

Levei a cera para casa, também a água, que tomei durante sete dias e continuei durante eles dormindo no quarto de minha mãe. Estranhamente, por sugestão, ou porque realmente aquilo não era só alucinação e medo, o fato se dissipou, nunca mais tornando a acontecer daquela forma.

Passei a vida tendo pesadelos, paralisia, porém com certo controle sobre esses terrores, pois se apegava a minha mente, a minha vontade e a paralisia sumia com esse exercício, até nos tempos atuais se tornar quase inexistente.

Para minha vó e minha madrinha foi sempre uma bruxa. Para outros uma experiência espiritual intensa com seres de outro plano, que por algum motivo queriam estar ali comigo. Eu mesmo nunca tive certeza sobre a origem dos fatos narrados, ou sobre o significado deles, sei somente, que com aquela idade e com aquelas experiências sofri um grande trauma, que se dissipou com o tempo, sendo convertido, nos dias atuais, em uma prática de entendimento e autoanalise.