Ariadne
Era tarde de domingo, as ruas vazias, as risadas vindas das casas, muitas delas desfrutando do tardio almoço rotineiro, em um bar de esquina Ari acende o terceiro cigarro intercalando com um copo do uísque vagabundo. Alguns homens tentavam uma aproximação, mas sua cara fechada e respostas irônicas os desencorajam. Ela era uma recém chegada, mas já batia carteirinha no "bar do Zé", em todo lugar existe um ‘’bar do Zé’’, mas com toda certeza não existe em qualquer um deles uma "Ari". Passou vários fins de semana assim, sentada na mesa do fundo, bebendo e acendendo cigarros com aquele ar de alguém que precisa muito pensar em algo, e assim as horas corriam. Se tem família ninguém sabe, só sabem que mora sozinha no apartamento da rua da frente, e que vai pra varanda repleta de plantas parecendo mais o jardim do Éden e acende um cigarro, com aquele mesmo ar de reflexão encarando o vazio.
A tarde vai se despedindo e Ari levanta-se da mesa, guarda o isqueiro junto com a cartela de cigarros no bolso de trás, coloca uma bala de menta sobre a língua, acena pro dono e sai pela porta. A temperatura começa a cair e o vento acentuado bagunça seu cabelo, Ari tem cabelos curtos e veste um sobretudo preto, o que alimenta ainda mais o ar de mistério ao seu redor. Depois de poucos passos ela chega à portaria do prédio onde mora, acena para o porteiro e segue até o elevador. "Merda" ela pensa quando a senhora Vilma sai do elevador.
— Boa noite.
— Boa noite —responde com uma expressão que não diz nada, fingindo não notar o olhar de profunda repulsa da senhora.
Entra no elevador e pensa como seria bom viver em local em que não precisasse encontrar sempre com seus vizinhos, mas o aluguel ali é barato e ela não tem do que reclamar. Chegando ao seu andar, já tira a chave do bolso e abre rapidamente a porta antes que encontre mais um simpático vizinho. A casa não é das mais organizadas, na verdade não é nem um pouco, mas ela não se importa, seu gatinho Snow (um gato preto) vem ao seu encontro pedindo comida. Ari enche o potinho de ração, faz um macarrão instantâneo e liga a televisão.
— Malditos programas sensacionalistas Snow, não suporto essas merdas — reclama.
Ela mapeia os canais até encontrar um canal que está passando um filme qualquer, é melhor do que o silêncio, então ela assiste enquanto come sem dar muita atenção. Depois de terminar de comer ela joga a louça na pia que já está carregada, escova os dentes em frente ao espelho partido e vai para a cama. Ela tem um pesadelo naquela noite, nele estava perdida no meio de um mar enfurecido, com ondas gigantes a engolindo. Ari acorda assustada e pensa "Isso é ridículo". Levanta, passa um café, fuma um cigarro enquanto olha pela janela, a cidade está acordando, e as pessoas começam a sair de suas casas com a típica expressão de "segunda-feira", o tipo de expressão que só outro trabalhador explorado que odeia o seu trabalho sabe reconhecer, todos já passaram pela "depressão domingueira " e agora todos odiarão a segunda-feira com a mesma devoção.
Ari toma uma xícara de café sem açúcar e sem leite (a geladeira está quase vazia), toma um banho rápido, veste o uniforme, penteia o cabelo de qualquer jeito e vai trabalhar. Servir mesas o dia todo é a mais perfeita definição de merda, mas ela mal consegue pagar as contas e tem pavor de voltar para debaixo das asas dos pais. O dia passa numa lerdeza, mas tirando um ou outro cliente ‘’pé no saco’’ tudo acaba bem. No final da tarde, Ari está voltando para casa, percorrendo seu caminho de sempre quando decide dar uma passada no mercado, reclama mentalmente sobre o preço das coisas, compra ração para o Snow, pão, leite e macarrão.
Chegando em casa, alimenta o Snow e faz o macarrão. O telefone toca "merda" ela pensa.
— Oi, é do apartamento da Ariadne?
— É, porquê? — diz irritada.
— O senhor Roberto está aqui para ver a senhora.
— Pode pedir para ele se fuder, obrigada.
Ela bate o interfone com raiva, "parece que tem gente que não entende o significado da frase: ‘’não quero compromisso’’, meu Deus!’’ ela pensa. Senta-se na frente da TV, coloca na novela e saboreia seu macarrão. O celular vibra, ela ignora. Toma um banho, veste um pijama desbotado, e vai pra varanda ainda com uma toalha na cabeça, acende um cigarro, no corrimão, e olha pros carros refletindo.
Deitou-se em sua cama, mas sua mente passeava numa espiral de pensamentos, um pensamento levava a outro e outro, em um ciclo sem fim, ‘’agora chega’’ pensou, levantou-se e pegou uma faca na cozinha, com passos silenciosos sai do seu apartamento e anda aleatoriamente pelos corredores, o mundo está silencioso, mas a sua mente continua barulhenta. Com a faca destrói a fechadura de um apartamento e em poucos minutos entra. Sua vítima está dormindo um sono tranquilo, Ari arranca os fios do telefone e do interfone para amarrar as mãos e pernas de sua vítima à cama, usa um lenço que estava na cabeceira da cama para amordaçá-la.
Com a faca fez belos e limpos cortes decepando seus dedos, com a tranquilidade e frieza como se cortasse a salada para o jantar. A vítima se debatia, enquanto sua mente se acalmava a cada corte, mas no fim quando não havia mais dedos nem nas mãos e nem nos pés, ela queria mais daquela sensação, a ansiedade apertava, o seu corpo tremia clamando mais. O olhar da sua vítima a incomodou porque não era apenas um olhar de dor ou de um pedido de misericórdia, quando encarou a vítima viu raiva misturada com repulsa (novamente) em seu olhar. Ari sentou em cima do peito da vítima e arrancou seus olhos, ela tremeu de dor até perder a consciência, enquanto Ari esboçava um sorriso de canto de boca, ninguém olhava para ela daquele jeito. Desceu da cama e com violência golpeou o abdômen até ver o intestino pular. Decepou as mãos e pés completamente, o sangue inundava a cama lavando seus pensamentos.
A vítima respirava fracamente, e Ari deu seu golpe final cortando sua garganta, permaneceu ali vendo o sangue escorrer por alguns minutos. Pela manhã um grito cortou os corredores:
— NÃO, PELO AMOR DE DEUS! A VILMAA NÃOO.