O Abutre Que Agourava Morte
Agora eu estava perto da minha adolescência e começando a abandonar certos medos, porém, essa história sempre me deixou com o pé atrás a respeito de Abutres até os dias de hoje.
Aconteceu o seguinte, Serjão era um conhecido de meu finado avô, que saiu de Itaporã para tentar a vida em Belo Horizonte. Era um rapaz muito trabalhador, porém, não muito honesto.
Sempre dava um jeito de sair por cima em seus trambiques, e esquemas. Além disso, tinha um pavio curto. Se irritava por coisas pequenas, praguejava os outros e sempre foi respondão, não abaixava a cabeça para ninguém.
Um dia qualquer de trabalho rotineiro, uma coisa estranha aconteceu. Lá estava Serjão capinando um lote como de costume, quando um urubu bem grande pousou em um poleiro perto dele. Aquele abutre de pescoço pelado não parava de observar nosso companheiro, que até esse momento já começara a se irritar com a presença do animal.
- Que é? Tá chamando Urubu de meu Louro? Tá achando que aqui tem carniça? Xô Bicho feio, vai procurar um pedaço de bosta pra ciscar!!! - Esbravejou Serjão em direção ao pobre Urubu que apenas observava pacificamente. Mas para a surpresa dele, o urubu respondeu gritando, como se fosse um papagaio:
- É amanhã, uurrr, é amanhã.
Serjão de tão surpreso largou a enxada imediatamente e deu uns dez passos para trás. "Oh meu Deus, não sabia que Urubu falava. Será que o pai dele é um papagaio?"
Por não ser bobo, pensou maliciosamente que se capturasse aquele bixo, poderia vender por um alto preço tal raridade. Então matutou bem um plano para poder pegar o tal urubu falante. Foi numa casinha ali perto e logo chegou com uma carabina (espingarda de pressão), seu plano era atirar na asa da ave e fazer ele cair. Mirou bem, mas a arma estava com o cano torto e acabou matando o animal num só tiro. Lamentando a perda do abutre, ele disse batendo as mãos no peito:
"Que dó, virou carniça. Mas também estava atrasando minha vida, antes ele do que eu. Que pena que ninguém vai acreditar se eu contar, melhor voltar ao trabalho."
Nem funeral e nem túmulo teve o bicho, ficou largado lá no chão como esterco de boi. Ironicamente, alguns outros abutres começaram a circundar os céus procurando pela carniça. Serjão em um tom lamentável pensou enquanto observava. "Será que é a família do urubu que veio prestar condolência? Deus me valha que vou embora se escutar outro falar."
Não demorou muito para que as primeiras aves pousassem perto dos restos mortais e começassem a fazer seu trabalho de recolhimento. Um após o outro, pedaço após pedaço. Serjão até ficou maravilhado de como eram organizados, e ainda com a arma por perto, pensou se não seria uma boa ideia tentar matar outro só por recordação. Antes que ele inventasse outra besteira, algo lhe assustou até a ponta da espinha. Os Urubus começaram a conversar entre si:
"Urr, é amanhã, Urr é amanhã hein."
"Amanhã? Urr mal posso esperar."
Encucado, Serjão se aproximou e perguntou àqueles animais, ao mesmo tempo que se perguntava se ainda estava são — Ei cambada, o que vai ter amanhã?
— Um banquete. - Respondeu um Urubu em prontidão.
Serjão empunhou a arma, e apontou para os animais.
— Vai fazer banquete lá na zona, é melhor bater asa senão hoje vou experimentar carne nova. - Ameaçou Serjão, mas na verdade estava realmente assustado com a resposta de seus exóticos interlocutores.
Os Urubus imediatamente começaram a voar em bando para longe, mas no meio do voo resmungavam e se riam em coro. Um dizia "Eu quero o fígado", e o outro comentava "Quero o pâncreas".
No dia seguinte, havia apenas parte do trabalho para terminar e Serjão pretendia ir embora pela tarde mesmo. Com medo do episódio do dia anterior, chamou um de seus amigos para lhe acompanhar, e embora tenha insistido muito, nada de seu colega acreditar naquela história. "Serjão só pó tá de brincadeira, tem condição uma coisa dessas não."
Andando pela última rua que dava até o terreno onde trabalhariam, algo os surpreendeu. Havia uma fila de urubus empoleirados nos postes de energia que cinicamente olhava para a dupla de trabalhadores.
— Ta aí baiano, não te falei que essas carniça tão me marcando?
— Qui nada Serjão, eu via isso direto na roça... - Desconversou seu amigo que ainda não colocava fé nas palavras de Serjão.
O trabalho começou intenso porque os dois tinham pressa para finalizar. No meio do expediente, porém, o mesmo bando de urubus anterior se aproximou dos dois e começaram a sobrevoar a região.
Serjão voltou a pegar a espingarda e atirou para o céu enquanto gritava "Hoje não suas praga". Enquanto atirava inúmeras vezes, não prestava atenção para onde andava e acabou tropeçando em um pequeno buraco no terreno.
Se desequilibrou e caiu, bateu a cabeça bem forte e morreu na hora.
O amigo bem que tentou socorrer, mas sua única opção foi se afastar quando dezenas de abutres começaram a devorar o corpo de Serjão.