Cães de rua

O grupo de jovens de classe média ridicularizava e chutava a moradora de rua. Beirava à meia-noite. A rua, embora residencial, jazia deserta. E se alguém estivesse ouvindo os gritos de dor da pobre mulher, que aparentava bem mais do que os 50 anos que possuía, não ligavam. Há muito tempo ela andava pelas imediações, com suas roupas rasgadas e sujas.

Pedia algo para comer, dinheiro. Às vezes davam, outras, a enxotavam.

E ali estava ela, rodeada pelos quatro jovens bem abastados. Pós-adolescentes, universitários, contudo, carentes de humanidade.

Enquanto a agrediam com palavras, golpes, cusparadas e exigiam que ela nunca mais andasse por ali, em meio a risadas cruéis, ficaram alheios aos olhos que começavam a se multiplicar em volta deles.

Junto com os olhos, brilhando no escuro da rua mal iluminada, brotaram rosnados. Cada vez mais altos. Ante o barulho, seguidamente os jovens começaram a perceber os animais. Eram dezenas de cães de rua.

Alguns robustos, outros raquíticos, mas estavam lá e caminhavam em direção aos agressores e a vítima.

Eles não entendiam a situação. Mas deitada no chão, sangrando, agora com um leve sorriso no rosto, a mulher entendia.

Primeiro os quatro tentaram afugentá-los, jogaram pedras, gritaram com os cachorros. De nada adiantou. Os animais aceleraram o passo na direção deles. Antes que pudessem fugir, os jovens viram toda a matilha em cima deles, mordendo e rosnando. Semelhante a lobos, abocanharam a garganta dos agressores, cujo grito foi abafado.

Começaram a comer.

Ainda se recompondo, a andarilha se levantou, pegou sua sacola e começou a andar calmamente em meio ao tumulto. Ela já havia sido salva outras vezes por cães de rua. Mesmo que tivesse tão pouco para se alimentar, sempre dividia o que tinha com esses animais, pois os entendia, sentia o que sentiam, e eles estavam lhe demonstrando a sua gratidão. Havia uma inexplicável ligação.

A andarilha foi embora, não sem antes se virar e dizer “obrigado”.

Quanto aos jovens, os restos deles seriam encontrados no dia seguinte pelos moradores da rua.

Aermo Wolf
Enviado por Aermo Wolf em 20/05/2021
Reeditado em 26/12/2021
Código do texto: T7260373
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