O padeiro e os fantasmas dos Mirandas
O Padeiro e os fantasmas dos “Mirandas” (José Carlos de Bom Sucesso – Academia Lavrense de Letras)
Paulinho, o padeiro, estava indignado no dia. Tudo para ele estava ruim. O sol estava muito quente; faltava água em parte da cidade; alguns clientes estavam reclamando do pão; a namorada estava de cara torcida para ele e o saldo bancário estava negativo. Sem condições de humor, ele chega à padaria e diz:
- Hoje o céu está negro para mim.
- Que isto! Mansamente, falava a balconista com um ar sério, mas por dentro, morrendo de rir de Paulinho.
- Veja como o céu está tão azul e você está dizendo que ele está negro?
- Matilde! São expressões poéticas que digo. Hoje eu estou mal. Estou de ovo virado e xingo tudo o que vier pela frente...
Com muita fúria, ele dizia para a colega de trabalho. O rosto estava vermelho e por um fio mandaria quem estivesse frente à frente para aquele lugar.
- Fica frio, colega! Matilde assim dizia, mas com um sorriso escárnio no rosto.
- Hoje, a empregada dos Mirandas não apareceu. Deve estar doente e o patrão pediu para você levar os pães lá no casarão. Será divertido... Você vai morreu de medo!
Arregalando os olhos e com bastante ódio, ele respondeu:
- O patrão poderá me mandar embora. Eu jamais vou àquele casarão. Lá é feio, lá é nostálgico e tem fantasma. Da última vez em que fui, vi o velho Miranda bem sentado na sala. Ele fumava um cachimbo e ainda lia um livro. Tinham quatro escravos perto dele e com uma tala, ele batia nos pobres infelizes.
- O patrão poderá me mandar embora ou eu peço as contas, pois lá eu não vou não.
Repentinamente, Paulinho sente dois tapinhas no ombro. Leva susto. Dá um pulo para trás e ouve a voz do patrão, enfurecido, assim fala:
- Então você quer que eu lhe mande embora?
- Têm mais quatro pessoas me pedindo seu trabalho. Vou pensar um pouco...
- Não patrão, eu não disse isto! Estou brincando com a amiga. Olha, eu estou cheio de contas para pagar. Saldo negativo na conta bancária, pagar aluguel e além disto, minha moto estragou. Vou gastar mais uns quinhentos paus para arrumá-la.
O patrão de Paulinho assim disse somente para fazer medo. O funcionário era o melhor que já passou e estava trabalhando. Sempre tratava muito bem os clientes, era pontual e vendia muito pão. Saia com o balaio de pão todo dia, bem cedo. Os clientes gostavam muito dele e jamais mandaria o colaborador embora. Tê-lo como funcionário era uma honra para aquela padaria de vários anos na cidade.
- Hoje, disse o patrão, tem mais uma nova missão para você. A empregada dos Mirandas não veio. Ela está doente e pediu para você levar os pães lá. Sei que tem medo, mas será rápido. São dois pulos: um para ir e o outro para voltar.
Com o rosto vermelho, cheio de ódio e a vontade de mandar todos para o pior lugar do mundo, ele não pensou mais. Se pedisse conta, perderia tudo e até mesmo a namorada. Ele estava em um beco e cheio de encruzilhadas. Se corresse, bicho pegaria e se parasse, seria mandado embora, ou seja, o fantasma o pegaria.
Com a mão direita, arrumou o boné à cabeça. Deu um pequeno puxão na camisa. Pegou o cesto, com as quitandas e partiu. Olhava para trás e via o rosto sarcástico da balconista, que sorria e mostrava os lindos e brancos dentes.
O trajeto não era muito. Eram seis quarteirões. Viraria no sexto quarteirão. Andaria mais duzentos e poucos metros e lá estava a velha e misteriosa mansão dos Mirandas.
Segundo a história, a morada dos Mirandas era uma velha fazenda do século XVI. Lá, por muitas gerações, a geração motriz econômica do município passava por lá. Era produtor de açúcar, de café e muitos outros produtos. Com o crescimento da cidade em torno da fazenda, há alguns anos, ela foi ficando menor. Alguns herdeiros venderam partes da fazenda. As poucas terras que lá sobraram foram loteadas e muitas casas surgiram no local, ficando, porém, somente uma pequena área que abrigava a casa e parte do quintal. Era um monumento histórico, mas os herdeiros foram morrendo e permanecendo a filha mais nova da família.
A única moradora que sobrou era uma senhora professora aposentada, com idade de noventa e tantos anos. Não saia para nada, a não ser para assistir à missa aos domingos e participar da Semana Santa. Era muito culta, gostava de ler muito, pois foi professora da Língua Portuguesa por muitos anos. Jornalista, poetisa, escritora e ainda lecionava aulas de várias línguas.
A empregada era uma filha considerada pela Velha Miranda. Ainda bebê, perdeu a mãe. A família a criou e lhe deu todas as oportunidades profissionais. Estudou para ser médica, mas abandonou o curso nos primeiros anos. Dedicou-se intensivamente ao trabalho na antiga fazenda e jamais saiu de perto deles.
Paulinho, com a cara muito feia, seguia atentamente para à casa dos Mirandas, pois tinha pressa em entregar a encomenda. De lá, passaria na escola para buscar a namorada, que era funcionária da escola. Desta forma, terminaria o dia e voltaria às quatro horas da manhã para assar os pães.
Assim que atravessou a rua, levou um pequeno susto, pois olhou repentinamente e viu um gato preto cruzar à rua indo na direção do abrigo dos Mirandas. No pensamento, ele já sentia ou previa cenas de terror. Ergueu a cabeça, respirou fundo e adentrou-se na antiga fazenda.
Um muro ao estilo colonial cercava toda a casa. Um lindo jardim com muitas flores. Ao centro, a fonte jorrava água. Pequenas árvores circundavam a residência. A forte escada ligava o portão principal à varanda. Janelas seculares ficavam abertas e somente se fechavam às dezoito horas, logo após as badaladas do relógio da igreja. O teto era bem alto e viam-se fios elétricos descendo no centro da varanda até à altura razoável. As salas eram duas, muito grandes e decoradas com móveis ao estilo da época. Vários quartos enormes também decorados à moda antiga. As camas eram bem altas e ainda possuíam cortinas à volta, pois tinham pavores de pernilongos. Móveis antigos, casa antiga. O piso era somente na varanda principal, porque o restante da casa era todo de assoalho e várias tábuas de longas espessuras. Diziam que a senzala foi no porão da casa.
Meio ressabiado, Paulinho para um pouco no portão. Não tinha coragem para entrar lá. Na mente, ele ouvia sons estranhos e até passos de pessoas que vinham de dentro para fora. Abaixando a cabeça e com a mão esquerda, ele tira do bolso um terço e o coloca no braço. Ficou mais um tempo parado e do outro lado da rua, viu a cunhada que se aproximava. Tomou coragem e abriu o portão. Um som estranho do portão ringia até a alma. Entrou rapidamente e no pensamento imaginava a figura do velho Miranda, que poderia estar ali, bem próximo dele, talvez abrindo o portão e lhe cumprimentando. O movimento de entrada de Paulinho foi tão rápido que o portão fechou instantaneamente e o terço ficou preso no portão, dando a impressão que algo lhe puxava para trás.
Olhado de repente, ele viu a figura estranha de um homem bem velho, de chapéu, fumando cachimbo estendendo a mão para ele.
Tomou fôlego e largou o terço caído pelo chão. Apressou os passos e começou a subir pela escada. O vento soprava um pouco forte e abria e fechava uma das janelas de algum dos quartos. O som do vento nas janelas era horrível e relembrava as músicas de filmes de terror. Quando estava aproximando de uma cancela, a qual abriria e chamaria na campainha, ele resolve olhar para trás. O corpo tremeu todo, pois a dois degraus dele, estavam quatro pessoas que se vestiam à moda antiga. Duas mulheres, um jovem robusto e um escravo com algo nas mãos. Ele, porém, não soube explicar o que era. Apressou-se mais uma vez e logo foi abrindo a cancela. Por sorte, a porta estava aberta. Antes de entrar, olhou mais uma vez e não viu nada.
Parou por um instante e pensou consigo mesmo que seria muita falta de educação entrar em uma residência sem, pelo menos, chamar. Com a mão esquerda, deu alguns toques na porta, mas ninguém veio a seu encontro. Ficou imóvel por alguns minutos e resolveu bater mais uma vez. Assim, ele não só fez barulho, mas gritou o nome da Velha Miranda...
Mais uma vez, ninguém veio atendê-lo. Com medo, ousou ainda olhar para trás. Não viu nada, a não ser o mesmo gato preto que olhava intensamente para ele. Paulinho olhava para o gato e o gato olhava para ele. O gato foi olhando e foi crescendo de tal forma que não cabia dentro da varanda. Desta forma, Paulinho tomou coragem e entrou gritando pela sala afora. Pisando rápido e com força, as tábuas do assoalho iam balançando, fazendo com que ele cambaleasse de um lado para o outro.
Em passos rápidos, ele ainda teve a coragem de olhar para um dos quartos e viu uma grande quantidade de mulheres deitadas na cama. Contou e totalizou sete mulheres. Uma delas veio a seu encontro, mas ele foi esperto e logo se adentrou gritando na copa.
Vários espelhos estavam lá e projetavam muitas imagens de Paulinho. Ao mesmo tempo, junto a ele, estava um garotinho bem pequeno, que se vestia de calça curta, camisa listada, botinha preta. Nas mãos, trazia um pequeno reio que Paulinho sentia as dores no lombo. Uma grande janela separava a copa de um outro corredor. Sobre a janela, uma linda mulher sorria e acenava para Paulinho ir até lá. O sorriso dela era tão belo, pois os dentes, muito brancos, que ao mesmo tempo iam crescendo. A língua ia para o lado de Paulinho, que alarmado com tudo aquilo ameaçava gritar, mas a fala não saia pela boca. De tantas lambadas nas costas, ele conseguiu correr e passou rapidamente pelo corredor. Já estando no meio do corredor, um senhor muito bem vestido veio a seu encontro. Com um sorriso e não tendo nenhum dente na boca, o velho, bem vestido, tirou uma espada onde se via o brilho da lâmina bem afiada, vindo a seu encontro. Por precaução, Paulinho desvia e entra no banheiro da residência...
... CONTINUA NA PRÓXIMA SEMANA... KKKKKKKKKKK