O PREÇO DA MORTE VII
Mais uma vez, este narrador onisciente, faz parte da saga do defunto cobrador; porquanto não me contive, e fui até a Delegacia de Polícia, ter acesso ao depoimento; a escrivã falou que o inquérito prosseguia, com a oitiva das testemunhas constantes do Boletim de Ocorrência; e que os investigadores deveriam intimar as pessoas referidas nas declarações do defunto... Vejamos, na íntegra: "Perguntado sobre o que aconteceu, no final da tarde, daquele dia, o defunto respondeu: Eu só consegui recobrar um pouco da minha memória; Estou ciente de que alguma coisa sobrenatural vinha acontecendo comigo; Eu tinha pressentimento que iria morrer; Algo me dizia que eu seria assassinado; Eu tinha passado alguns dias viajando, e acabei me envolvendo com uma moça, e trazendo ela pra cá; Eu desejava fazer um trisal, mas não falei nada para minha mulher; Aí eu fiquei sabendo que depois do crime, esta moça vazou na braquiária; Acho que ela era namorada de um traficante; Pensando bem, acho que era ex; Perguntado sobre a condução do veículo, o defunto respondeu: Eu estava dormindo o veículo com o "parça"; Nós tínhamos ido na zona rural, no caminho de volta eu encontrei um conhecido, e disse a ele, nem sei porque disse isto, eu disse a ele que se eu fosse morto, eu voltaria, pra cobrar, o preço, da minha morte; Perguntado se lembra sobre o que ocorreu depois, o defunto respondeu: Depois eu lembro da asfixia, deitado no caixão, na sala de estar, da casa da minha mãe; Eu olhando pro teto; Perguntado se não se recorda do momento em que fora alvejado, o defunto respondeu: Só lembro que parei o carro, o "parça" estava comigo; Perguntado aonde parou o carro, o defunto respondeu: Eu parei na casa do "parça" e desci; Perguntado se o "parça" também desceu do carro, o defunto respondeu: Eu não sou caguete, acho que desceu, era a casa dele; Perguntado por que utilizou a expressão "caguete", o defunto respondeu: O "parça" não tem nada a ver, eu sei quem queria me matar; Perguntado sobre quem suspeitava, o defunto respondeu: tem um moço aí que me jurou de morte faz tempo que eu dei uns tiros nele; Perguntado sobre o que pensava por se encontrar vivo, o defunto respondeu: Eu sou justiceiro vingador, não permito que façam nada de mal à minha família, e ressuscitei pra matar o Judas, ou o Pedro, ou o João; Perguntado se recorda quem atirou nele, o defunto respondeu: Lembro vagamente de um carro atirador; Nada mais disse, nem lhe foi perguntado."
Volvendo ao enredo da trama, o defunto se encontrava proseando, na casa da tia benzedeira, quando adentra o primo, afirmando que o "parça" havia sido solto, por alvará, do Juiz da Comarca...
O defunto quis saber.
- Mas quem foi o advogado que fez o pedido de liberdade?
Não é que tinha sido o advogado de porta de cadeia, o advogado do tal do atentado, que atentava os miolos do defunto!!
O defunto exclamou.
- Titia, tou precisando me benzer!!
A titia generosa apanhou no quintal alguns ramos de vassourinha e, a sós, pediu ao defunto que se posicionasse de pé, defronte a ela, celebrando o ritual, e rezando pelo defunto; no instante em que os ramos murcharam, o defunto confidenciou.
- Titia, existe algo que ainda não contei pra ninguém, e agora irei falar com a senhora...