O fantasma do pontilhão
O fantasma do pontilhão (José Carlos de Bom Sucesso – Academia Lavrense de Letras)
Cidinha sempre gostou de curtir a noite, tanto na cidade quanto no sítio da família. Professora de uma grande universidade, sempre dividia a vida na escola e nos finais de semana estava presente no sítio.
João Pedro era uma pessoa que sempre Cidinha admirava. Um senhor já idoso, trabalhador rural aposentado, muito comunicativo, falando manso e sempre com um sorriso nos lábios, ela o tinha como um grande amigo. Trabalhou para os pais no sítio por muito tempo. Pai de duas filhas e todas elas casadas e viviam na capital. Ele, porém, viúvo, morava em uma casa na cidade e nos finais de semana ele sempre ia para o sítio da família de Cidinha, pois sentia saudades do agrado, sentia prazer em estar ali perto dos antigos e amigos patrões. Pela amizade e carinho com João Pedro, os pais de Cidinha compraram alguns porcos e o deram para engordar à meia. Desta forma, era mais um motivo para a ida nos finais de semana.
Gente humilde, sempre feliz, com um sorriso bem forte na boca, sempre se vestia com um paletó na cor preta, um par de botas sete léguas, chapéu de palha. Toda sexta-feira ele chegava ao sítio. Como de costume, após os cumprimentos, carregando uma sacola no ombro, onde se encontravam algumas trocas de roupa, ele se dirigia ao quarto reservado especialmente para ele. Era festa para a família, pois os patrões estavam velhos e viviam ali no sítio. Tinha mais dois funcionários que lá moravam, mas as casas deles eram afastadas, porém estavam todos ali, sempre que se precisava.
A alegria maior de João era esperar por Cidinha, que chegava ao sítio às sextas-feiras por volta da meia noite. Ela cumpria com as obrigações na escola e a última aula terminava às dez horas da noite. Com a bagagem na camionete, ela saia da faculdade e ia direto para o sítio.
Cidinha ficou viúva muito cedo, pois o marido faleceu em serviço. Era bombeiro. Foi resgatar um corpo na cachoeira. Perdeu o controle do helicóptero em que pilotava e morreu entre as chamas após cair nas pedras. Não mais quis casar e nem mesmo pensava em namorar. Passava a vida entre o trabalho, entre a vida no sítio e na escrita de vários livros. Era uma intelectual e sempre alegre para com as pessoas que lhe procuravam.
Como de costume, João a esperava perto do pontilhão. Não demorou muito e as luzes do farol do veículo projetaram no rosto envelhecido e enrugado do velho João. Saindo do veículo, como tradição, Cidinha desceu e logo foi brincando com o amigo. Um forte abraço entre eles. Risos, gargalhadas e brincadeiras.
- Saudades estou do senhor.
- Vim rápido, pois hoje eu lhe trouxe um presente. Pela manhã, passei na loja e comprei algumas roupas para este velho e grande amigo que tenho. Amanhã será seu aniversário. São setenta anos bem vividos. O meu amigo João ficará um gatão com as roupas...
Feliz da vida por ver a amiga, João sorriu e lhe agradeceu.
- É sempre um prazer estar perto de você. Sabe, que, além de ser minha afilhada, eu também lhe considero minha filha...
Mais um abraço entre os dois. Risos, mais risos eram dados pelos dois.
Em um dado momento, Cidinha assim disse:
- Padrinho, o fantasma do pontilhão ainda existe? Nós estamos bem aqui, bem perto. Caso ele apareça, vou correr até... Sorrindo, como nada tivesse acontecido...
- Minha afilhada! Não brinque com estas coisas. Isso é muito sério!
Abraçados uns aos outros, os dois seguiam em direção ao veículo, que na estrada estava ligado e com os faróis acesos. Risos entre eles, brincadeiras e tapinhas nas costas de cada um.
Cidinha, antes de entrar no veículo, logo disse:
- Se este fantasma aparecer, saio correndo... Risos...
- Afilhada! Não subestime os acontecimentos. Eu já vi este fantasma por muitas vezes. Da última vez foi assim:
- Vinha eu da cidade para cá. Ainda era escuro. Penso ser a hora máxima, ou seja, perto da meia noite.
- O frio era intenso. Eu estava montado no cavalo baio. Na garupa, trazia alguns sacos que estavam as compras minha e de seu pai. Cobria eu com uma capa que ia até a minha canela. Estava de botas, mas sentia muito frio nos pés. Na cabeça do arreio, com muito cuidado, eu levava algumas garrafas de guaraná que seu pai pediu para você. As mãos estavam geladas. Penso que caia geada no momento. Quis acender um cigarro de palhas, mas o vento soprava e não deixou o isqueiro ascender. De vez em quando, vinha a vontade de espirrar. O frio era tanto, que mesmo estando agasalhado, penso que estava pegando um resfriado. Cheguei a rezar e depois comecei a cantar. Cantei a música do Chico Mineiro, do Menino da Porteira e também algumas músicas religiosas. O cavalo até que estava gostando das canções. Não andava depressa, mas, a meu sinal, ele obedecia aos comandos. Estava tudo normal. De vez em quando, eu ouvia o piar da coruja, que sempre voava perto de mim. Imaginei ser minha protetora, porém lembrei do conselho de mamãe dizendo que a coruja põe azar em todos que lhe cruzem o caminho.
Uma pequena pausa entre os dois, que foi ouvida pelas tosses de João, consequências do pulmão já cansado de receber muita nicotina, porque ele fumava muito e sempre gostou de fumar o cigarro de palha.
Continuando, assim disse:
- Estava aproximando deste pontilhão. Ao lado, tem a porteira que dá acesso a cavaleiros, a carro de boi e a animais que não podem passar por cima deste conjunto de trilhos de ferro.
- Quando me aproximei, senti que o cavalo parou repentinamente. Ele deu um rinchada, levantou as duas patas dianteiras. Eu não estava firme no arreio. Senti o golpe e somente senti minhas costas batendo no chão. Doía muito. Não sei para onde o cavalo foi. Acho que ele voltou na direção da cidade.
- Olhei para frente e vi, acima da porteira, uma forte luz, que resplandecia a figura de uma linda mulher.
- Trajava ela com um vestido comprido. No pescoço, tinha um lindo colar que muito brilhava. Penso ser de diamante. Os olhos dela eram muito grandes e parecia um túnel. Quando abriu a boca, sua língua vinha em minha direção e pensei que fosse engolido, pois a boca parecia uma estrada sem fim. Vi que ia ser sugado pelo forte ar que me puxava para dentro.
- Gritei muito, contudo, minha voz não saia. Clamei pelos santos e somente aquilo desapareceu quando rezei muito e pedi proteção...
Cidinha ouvia bem atenta. Não dizia nenhuma palavra, mas ouvia cada vez mais a estória como se fosse e se estivesse participando do cenário.
- Padrinho!
- Não acredito muito nestas coisas, mas respeito muito sua opinião. Não tenho medo, pois ele está dentro de nós.
Quando os dois se dirigiam para dentro do veículo, a surpresa foi grande. Inesperadamente, o veículo apagou o motor e as luzes dos faróis foram apagadas. Um breu ficou entre eles. Fortemente, acima da porteira, uma forte e longa luz brilhou. Junto dela, estava o fantasma da porteira, com uma bela mulher, que trazia no pescoço um lindo colar de diamantes. Abrindo a boca, a língua foi logo tocando os dois, que caídos no chão foram socorridos por dois cavaleiros que estavam indo na direção da fazenda do vizinho.