A ENTREVISTA - Parte 02

A Praça Alexandre Gusmão, à meia noite, estava calma. Um silêncio sepulcral e sobrenatural penetrava as paredes externas do pequeno coreto, iluminado pelas lâmpadas verdes dos pequenos holofotes colocados no entorno, o que lhe dava uma aparência fantasmagórica. Victor não ligou muito pra isso. Estava com muita raiva e, com a adrenalina das últimas horas, não estava no clima para admirar a paisagem da praça bem cuidada. Pretendia pular no pescoço do meliante que ousou invadir seu apartamento e fazer aquela brincadeira de mau gosto (como lido no conto anterior. ps: o autor). Mas estava também curioso pelo fato de que o baderneiro poderia conhecer alguma coisa sobre seu passado de aventuras, afinal, nos dias de hoje, qualquer coisa poderia ser pesquisada na internet, sobretudo na Dark Web. Foi quando lembrou da conversa que teve com Melissa mais cedo.

- Se ele acha que vou cair nessa, está muito enganado! – dizia para sua esposa enquanto limpava, enojado, a sujeira deixada pelo invasor – Provavelmente trata-se apenas de uma brincadeira de mal gosto, querida! Esses garotos de hoje não tem mais o que fazer. Vou me encontrar com ele, sim, mas irei preparado. O 38 que tenho guardado na escrivaninha me fará companhia.

-Não sei não, Victor. – falou Melissa, enrolada num roupão de seda e cruzando os braços enquanto assoprava a fumaça do cigarro em direção à janela estilhaçada – Todo esse trabalho apenas para nos assustar? Aparentemente, parece que não levou nada. É um trabalho bastante amador, com certeza, mas, e se for mesmo alguém da Chama Negra? Ou os adoradores da Lua de Sangue? Ou, ainda os seguidores de Dracul? – apagou o cigarro no cinzeiro, indo de encontro ao corpo de seu marido, que a abraçou carinhosamente.

- Querida, pare com isso! Não se lembra que a Chama Negra acabou de vez quando daquele soterramento no Tibet? E a Lua de Sangue e Dracul? Besteira! Estão todos mortos. Meu amor, nós vencemos! E quando finalmente enterramos a última das bestas negras, decidimos nos mudar para o Brasil, assumir nomes locais e nos aposentar de vez. E já faz cinco anos que não temos mais qualquer notícia de quaisquer ocorrências sobrenaturais no mundo. Nossa rede de contatos e amigos espalhados pelo globo mantem uma vigilância constante e, além disso, fechamos todos os portais místicos que existiam. – parou para tomar fôlego, deu um leve suspiro e ensaiando um pequeno sorriso, concluiu: - Não, meu bem! Estão todos mortos e enterrados! Agora podemos viver sossegados nossa velhice e curtir nossos filhos e netos em um mundo normal e de paz. – declarou tentando mostrar mais confiança do que na verdade possuía. Queria acreditar cem por cento nas suas próprias palavras, mas em algum canto de sua mente, algo lhe dizia para, pelo menos, tomar mais cuidado.

Seus pensamentos foram bruscamente interrompidos fazendo-o voltar ao momento presente. Graças a um movimento repentino à sua direita, onde, por entre as árvores, uma figura humanoide se escondeu repentinamente, aquela sensação de frio que Victor já conhecia muito bem voltou a se instalar em seu estômago. Quis se dirigir em direção ao local onde viu, de relance, o tal vulto, quando notou que havia outras presenças que saiam lentamente de quase todos os cantos escuros à sua volta. Na medida em que esses vultos avançavam lentamente em sua direção, percebeu, estarrecido, que vários deles não tinham a forma humana. Foi então que uma pedra foi atirada no lago de seus pensamentos, criando ondas de agonia e terror, como se farpas afiadas de madeira espetassem seu crânio! Fazendo-o dobrar-se pra frente em agonia até o ponto em que, não aguentando mais, ajoelhando no chão em frente ao coreto da praça, teve que se apoiar com uma das mãos no banco de cimento próximo para não cair no chão duro de pedra.

- “Assim é que eu gosto!”- “ouviu” em sua mente uma voz rouca, sobrenatural e que lembrava os ossos de cadáveres raspando o caixão – “o gado de joelhos ante aquele que é o seu senhor absoluto!”

Sentindo uma dor mental que não pode ser descrita em palavras, Victor Starling se lembrou do treinamento no passado distante e, com muito esforço, efetuou um bloqueio de pensamento, o bloqueio de Voltoum, que aprendera da Chama Negra e, aos poucos, voltou a raciocinar normalmente. Mas quase se arrependeu de ter feito isso! Agora ele sabia quem estava com ele naquela praça, qual o batedor que lhe tinha enviado a mensagem e, o mais importante, a criatura que quase destroçou sua mente!

-“Não pode ser”! – pensou alucinado – “ O Senhor dos Vampiros, aqui? Mas ele foi morto! Quer dizer, não só morto, foi destruído por Herbert Macness em 1998! Como isso é possível?”

Levantando de forma cambaleante, o ex-caçador se ergue apoiando-se no banco da Praça, notando, de relance, a presença de duas irmãs siamesas, ligadas pelas costelas do abdômen, seminuas e com olhar embranquecido e distante. –“Devem ser as irmãs Rodchilds. Já ouvi falar delas!” – pensou ele – “As irmãs siamesas da loucura, cujas mentes telepáticas estão em íntima simbiose e que devem ter sucumbido ante o poder do Senhor dos Vampiros, se tornando escravas mentais da criatura” – ele passou a raciocinar febrilmente, agora que tinha escapado do ataque mental, pensando se haveria um modo de fugir da situação difícil em que se encontrava.

Ao lado das irmãs siamesas, um carvalho enorme, cuja sombra abarcava vários metros da praça, escondia outra criatura que também julgava ter sido extinta. O enorme lobisomem, com aquele mesmo olhar esbranquiçado e distante, mas ainda demonstrando a ira da maldição do lobo, olhou para ele com seus olhos brilhantes e brancos e com a saliva escorrendo da bocarra cheia de dentes afiados. À esquerda, notou uma espécie de zumbi com uma única perna se aproximar mais rapidamente e, ao parar a uns 3 metros dele, começou a falar:

- O Senhor dos Vampiros lhe dá as boas vindas, caçador! – falou ele numa voz morta e lânguida, com um líquido verde e viscoso a escorrer pelos cantos da boca e com suas vísceras dependuradas no lado direito – O Mestre pede que se desloque para a sombra da árvore maior e que não tema. Nosso Senhor apenas o convocou para uma entrevista – voltando pelo mesmo caminho, a criatura (agora ele tinha certeza de que era um zumbi), retornou ao mesmo local onde estava antes e se virou encarando-o com olhos mortos e inexpressivos.

À sua frente, a sombra espessa do carvalho gigante escondia várias criaturas, cujos vultos ele podia perceber em meio aos movimentos, conseguindo distinguir alguns dos asseclas do “mestre”. – “Ele veio aqui com um exército!” – pensou o caçador, suando frio e tentando controlar o pavor que insistia em torcer suas tripas, uma vez que a sua situação ficava cada vez mais difícil – “Ele me pegou desprevenido, o sacana! Ele sabe que está em vantagem e quis deixar isso bem claro! Se quiser, pode me liquidar aqui mesmo, com a rapidez de um raio! A pergunta então é: Porquê não faz isso?” – raciocinando febrilmente, o caçador tenta pesar suas opções, mas percebe que elas diminuem a cada minuto que passa.

Uma mulher muito sensual e vestindo nada mais que apenas a roupa de baixo se aproxima e, numa voz e gestos surpreendentemente insinuantes, aponta com o dedo indicador em direção a uma pedra sob o grande carvalho e diz:

- Ele está ali, caçador. Não o faça esperar mais - olhando-o com seu olhar lânguido e insinuante e passando a língua nos lábios, a semi-vampira se move numa velocidade espantosa e aparece rapidamente ao lado do seu mestre – “E talvez, amante” – pensa o caçador.

Ao aproximar-se ainda mais do carvalho, Victor adentrou a escuridão da sombra da grande árvore e, aos poucos, sua vista foi se ajustando à penumbra, onde pôde distinguir um vulto negro de um homem com uns dois metros de altura e cujos olhos vermelhos e brilhantes se destacavam na escuridão.

Continua...