A ENTREVISTA - Parte 01

A ENTREVISTA.

Por Rogério S. Malta

Victor Mendes Starling está feliz! Já faz pelo menos uns cinco anos que ele se aposentou e sua esposa Melissa, uma mulher na altura dos seus 45 anos, o aguardava em casa com o café da manhã bem posto. Acordou cedo, se barbeou, tomou um banho e saiu em direção à Padaria Galeria dos Pães, sua favorita. Na verdade, é sua favorita apenas por se encontrar convenientemente próximo à sua residência, um apartamento de cobertura na rua José Maria Lisboa, 330, no bairro Jardins. A região dos Jardins, na zona oeste de São Paulo, é muito conhecida pela qualidade dos serviços oferecidos – de grifes cobiçadas e alguns dos melhores restaurantes da capital. A região foi planejada, há mais de 100 anos, para ser um bairro-modelo: com habitações de alto padrão, muito verde e qualidade de vida para os moradores.

Compreendendo quatro bairros nobres de São Paulo – Jardim Paulista, Jardim América, Jardim Europa e Jardim Paulistano – uma das facilidades para os moradores do bairro é poder fazer tudo a pé nas ruas arborizadas. Com uma pequena caminhada, algumas joias da gastronomia, da moda e do design estão ao alcance.

Assim que entrou em seu luxuoso apartamento de cobertura no edifício Village, um arrepio gélido percorreu sua espinha de alto a baixo, eriçando todos os pelos de seu corpo e trazendo-lhe à memória os tempos de caçada. Os móveis estofados estavam desarranjados, os vasos de plantas quebrados e suas flores espalhadas e esmagadas; algumas luminárias de cristal haviam caído e cacos de vidro se espalhavam por todos os cantos; a cristaleira que comprou num antiquário e que, disseram, pertenceu ao imperador D. Pedro II, havia sido derrubada, e seus pedaços haviam se espalhado por toda a imensa sala, sinalizando um sinal claro de luta. – Melissa!! - O som do nome de sua esposa saiu alto e sem querer de sua garganta, que havia ficado seca de repente, tal a surpresa da destruição que via! Além disso, a preocupação pelo amor de sua vida lhe causou um “deja vu” sobre um caso parecido, no passado remoto de sua intensa vida combatendo “sugadores de sangue”, algo que já vinha ocorrendo em muitas gerações de sua família.

Ao caminhar, cauteloso, em direção ao meio da sala, percebeu sinais claros de sangue que vinham do lavabo, e o horror da preocupação pela sua esposa congelou seu coração!

– Unggh! Victor... – ouviu, de repente, numa voz baixa e gutural, a voz de sua mulher e, imediatamente, foi em direção da mesma, e percebeu, num assombro, que Melissa estava caída atrás do sofá e fazia um grande esforço para se levantar.

- Querida, meu Deus! Você está bem? O que houve? O que aconteceu aqui? – Agarrando-a gentilmente pelos ombros e ajudando-a a se levantar, percebeu que ela ainda tremia e suava muito, provavelmente devido à adrenalina do recente confronto.

– Eu estou bem! – Disse ela com voz fraca – Apenas um pouco atordoada. Foi muito rápido, querido. Quase não tive tempo de reagir. - notou que ela o encarou de repente direto nos olhos, e aquele olhar, que ele já conhecia há muitos anos pela convivência mútua entre o casal, sinalizava pra ele o que de fato havia ocorrido.

– Querida...o quê?...Não! Não pode ser! Nós acabamos com todos eles! Não restou mais qualquer traço daqueles filhos da puta!

Sem dizer palavra, com apenas um leve ferimento na testa e ainda tremendo ante a adrenalina do confronto recente, Melissa Maria de Jesus Mendes Starling fez apenas um leve gesto com a cabeça, indicando o lavabo que ficava ao lado da cristaleira de D Pedro, sinalizando que ele deveria se dirigir para lá antes de qualquer coisa.

Victor Mendes Starling pertencia à oitava geração de uma antiga e famosa linhagem de caçadores. Muito dessa fama se devia ao fato de que todos os ancestrais de sua família acabaram se envolvendo, de uma forma ou de outra, com o sobrenatural, mais especificamente, com as caçadas que empreendiam a diversas criaturas que habitavam as trevas. E essas histórias eram muitas vezes tão espetaculares que beiravam à ficção, levando à maioria das pessoas as aceitarem apenas como lendas, contos da imaginação fértil dos fazendeiros que, antigamente, habitam o oeste da grande cidade. Eram, muitas vezes, contadas em rodas de proza nos sítios e fazendas em torno de São Paulo e, como sempre, os contadores dessas histórias aumentavam e as “coloriam” com os pincéis de sua criatividade imaginativa.

Ao ter certeza de que Melissa estava bem, virou-se lentamente e, suando frio, se dirigiu ao lavado, cauteloso e sentindo a adrenalina subir cada vez mais na medida em que se aproximava da porta de entrada do pequeno banheiro. Era o menor dos quatro banheiros da residência dos Starling, instalado ali graças às especificações do próprio Victor, que já era um senhor na altura dos seus 62 anos quando adquiriu o imóvel de 330 metros quadrados, há cinco anos atrás, numa das melhores regiões nobres da cidade. Mas Victor estava longe de aparentar a idade que tinha. A maioria das pessoas diria que ele parecia mais com um senhor de meia idade, com uns cinquenta e cinco anos, no máximo.

Na medida em que se aproximava da porta, notou que a quantidade de sangue aumentava cada vez mais e que havia algumas manchas até mesmo nas paredes próximas, sinalizando pra ele que, seja quem for que estivera ali, saiu apressadamente e de forma espalhafatosa em direção à janela da frente, que também se encontrava estilhaçada. E isso, devido à sua experiência nestas situações, concluiu se tratar de “operadores” menores na escala hierárquica dos sanguessugas, caso fosse mesmo um deles que tivesse invadido seu apartamento.

Ao entrar pela porta, porém, seu sangue tornou a gelar nas veias ante a dantesca cena que contemplou, e diante do cheiro nauseabundo de carniça que quase sufocou suas narinas. A pia do lavabo estava repleta de sangue, com penas e vísceras que ele pôde verificar serem de pombos, pelo menos uns sete deles, que foram estripados, esquartejados e deixados de qualquer maneira dentro e fora da mesma, sujando paredes, piso, banheira e, até mesmo o teto com pedaços de carne, sangue e penas ensanguentadas. E no espelho estava escrita, de forma grotesca, uma mensagem que dizia: “ ME ENCONTRE NA PRAÇA. MEIA NOITE. NÃO FALTE.

Uma mistura de náusea, medo e raiva percorreu o corpo de Victor. Raiva que estava prestes e se tornar fúria ante a ousadia de quem havia feito aquilo! Afinal, já não existiam mais quaisquer criaturas da noite, disso ele tinha a mais absoluta certeza! Quem quer que seja que aprontou essa pegadinha com ele, iria pagar muito caro por tal ousadia!

(Continua...)