Comunicação instantânea
Ceridwen já estava sob as cobertas quando sentiu a comichão no pulso esquerdo. Suspirou; depois, virou-se para a mesinha de cabeceira e acendeu o abajur. Felizmente, pensou, na época em que haviam ido ao tatuador, ainda não havia a opção de fazer a coisa fluorescente, ou seria ainda mais constrangedor. Esticou o pulso para fora da manga do pijama e olhou para a tatuagem do pergaminho, tinteiro e pena gravado nela; o pergaminho estava desenrolado, e sobre ele, em letras góticas negras sobre a pele branca, estava escrito:
- Acordada?
Tocou no tinteiro e o pergaminho foi apagado; depois, com a ponta da unha, escreveu a resposta no mesmo espaço:
- Agora acordei.
As letras duraram alguns segundos; depois, desapareceram e outro comichão precedeu a chegada da resposta.
- Desculpa. Quer conversar?
- Que tal de manhã? - Replicou.
- Você não fala comigo.
"Não depois do que você fez", pensou Ceridwen.
- Vou na sua casa - escreveu finalmente.
- Quando?
- Depois da aula - prometeu.
E para que não houvesse qualquer dúvida:
- Agora, me deixa dormir.
Antes de apagar o abajur e voltar para baixo das cobertas, perguntou-se onde estava com a cabeça quando havia aceito fazer tatuagens de comunicação instantânea. E, como havia explicado o tatuador, elas não podiam ser redirecionadas para outra pessoa; era um compromisso para a vida toda, alertara.
A ideia não era tão boa quanto parecia, foi seu último pensamento antes de adormecer.
* * *
- Sim, lembro de vocês - disse o tatuador, quando Ceridwen foi vê-lo em seu estúdio no dia seguinte, após as aulas. - Ceridwen e Marguerite, não é?
- Eu sou Ceridwen - identificou-se.
- Você não veio aqui para me pedir para quebrar o vínculo das duas tatuagens, espero - comentou o homem, encarando-a com suspeição. - Eu avisei que esse trabalho não pode ser desfeito; só se uma de vocês morrer.
- Não, eu entendi a sua explicação - redarguiu Ceridwen. - Mas realmente não quero mais ter nenhum contato com essa pessoa além do estritamente necessário; não é possível mudar o encantamento do pergaminho, para que rejeite novas mensagens?
O tatuador levou a mão ao queixo, ar pensativo.
- Posso anular a capacidade do pergaminho de receber novas mensagens e de dar qualquer aviso quando elas chegarem. Serve pra você?
- Nunca mais a Marguerite vai me incomodar? - Indagou Ceridwen esperançosa.
- Pela tatuagem, não - afirmou o tatuador. - Mas, aquela primeira observação também vale aqui: se você mudar de ideia, não tem como desfazer.
- Não vou mudar - prometeu Ceridwen.
* * *
Escondida debaixo da cama, Marguerite ouviu a porta do quarto abrir-se; mais um pouco, e o seu esconderijo seria revelado. Tinha que pedir socorro, e a única pessoa que poderia chamar sem fazer barulho, era Ceridwen.
- Tem alguém no meu quarto - escreveu com a ponta da unha na tatuagem.
Passos pesados sobre o piso de tábuas corridas.
- Cadê você? - Perguntou uma voz masculina.
Uma comichão no pulso. A palavra "OCUPADA" surgiu no pergaminho.
Em seguida, viu a sombra de duas pernas surgir ao lado da cama.
- [23-04-2021]