A vila solitária cap. 4 Consequências

A vila solitária cap 4

Consequências

O pistoleiro sentiu um arrepio em sua espinha e compreendeu a idiotice sem tamanho que acabara de cometer. E por um instante, um terrível instante, ele cogitou em voltar para ajudar aquelas pessoas. Foi apenas um pequeno momento em que ele virou-se, a mão sobre a coronha do revólver, completamente esquecido da criatura atrás de si.

No escuro do aposento aonde se encontravam a menina jogou para o lado o cobertor imundo e atirou-se contra as costas de Thomas, fazendo-o cair de cara no chão. O pistoleiro esforçava-se para se livrar de sua agressora, sem conseguir entender como aquelas mãos tão pequenas podiam ser tão fortes.

Enquanto os gritos continuavam gelando a alma do pistoleiro, ele pôde sentir o hálito fétido da morta viva que o subjugara. E compreendeu estarrecido que não tinha como escapar. Precisava de um milagre, mesmo não se acreditando merecedor. Então, no quarto escuro, outra presença se fez sentir e uma janela foi escancarada, lançando a luz do dia sobre o pistoleiro e sua pequena agressora que sibilando de raiva afastou-se para as sombras. E então uma voz conhecida fez-se ouvir: "Aproveita agora. Ela não o seguirá." Thomas olhou na direção de onde a voz vinha mas não viu ninguém. "Padre, é o senhor?"

"Vai rápido. Talvez ainda haja tempo de salvar as crianças. Eu vou garantir que essa coisa não incomode mais ninguém."

De armas em punho Thomas saiu correndo de dentro da casa, as botas fazendo respingar lama cada vez que pisava em alguma poça pelo caminho. E o pior? Os gritos haviam cessado. E o silêncio era muito pior. Porque enquanto haviam gritos havia esperança. No silêncio apenas a morte.

Havia dezenas de rastros dos lobos na rua encharcada. O pistoleiro reparou neles assim que se aproximou da igreja. E esboçou um sorriso desajeitado. Eles facilitariam executar a tarefa que tinha em mente. Mas havia também as mulheres e crianças. Não queria esse peso na sua consciência.

Venceu os degraus da igreja e enchendo-se de coragem adentrou o templo violado. E deparou-se com o resultado de sua ganância. Havia sangue para todos os lados e corpos mutilados das mulheres. Thomas engoliu em seco e forçou-se a avançar. E então, junto a porta do porão, ele encontrou o padre. Caído, com o pescoço rasgado, ele ainda segurava um facão nas mãos inertes. O pistoleiro improvisou uma tocha, riscou um palito de fósforo, passou por cima do corpo do santo homem e desceu por uma escada de terra até o porão.

"Crianças? Têm alguém aí?" Não houve resposta. Thomas procurou em todos os cantos possíveis, apenas pra descobrir que o porão estava vazio. Então um barulho no salão da igreja chegou a seus ouvidos e de armas em punho ele subiu para ver o que era. E parou assustado, os olhos arregalados fixos no imenso lobo cinzento parado junto à porta do templo e naquilo que o animal trazia na boca.

Imóvel, o pistoleiro manteve os olhos fixos no lobo que lentamente depositou no chão a bolsa. E depois afastou-se saindo porta a fora.

Sozinho, Thomas sentou-se em um dos bancos e passou os olhos pelos corpos ensanguentados à sua volta. E sentiu uma vergonha enorme de si mesmo. Porque o que o padre conseguira proteger por várias semanas, ele destruira em apenas uma noite. Lá fora, voltou a chover. Uma chuva fria e insistente que entrou pela tarde adentro e depois pela noite...

Continua...

S J Malheiros
Enviado por S J Malheiros em 18/04/2021
Reeditado em 18/04/2021
Código do texto: T7235023
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