Meu irmão morreu - Uma história do tempo do coronavírus
Encontraram-se, às onze horas da manhã de hoje, nas proximidades da igreja Nossa Senhora de Fátima, no entroncamento das avenidas José Bonifácio e Joaquim Nabuco, na calçada à frente de uma loja de cosméticos, João Carlos e Roberto Carlos, colegas de trabalho que há alguns dias não se viam. João Carlos gozava, havia dez dias, de férias. Retirara-se havia um minuto da igreja Nossa Senhora de Fátima, e caminhava, lentamente, cabisbaixo. Roberto Carlos saíra do escritório minutos antes, e rumava para um restaurante, distante uns cem metros de onde ele e João Carlos encontravam-se. Saudaram-se. E Roberto Carlos não precisou de mais de um segundo para notar a tristeza estampada nos olhos do seu colega.
- O que se passa contigo, João?! - perguntou-lhe. - As férias não te fazem bem?! Por que a cara tristonha?! O que houve?! Que bicho te mordeu, homem?!
João Carlos não lhe respondeu de imediato; tremeram-lhe os lábios. Fitou Roberto Carlos, que estava ciente de que dele não ouviria boa notícia. E respondeu-lhe:
- Saímos da igreja há pouco meus pais, minha irmã e eu. Eles foram para a casa deles. Eu lhes disse que eu iria caminhar um pouco. Assistimos à missa de sétimo dia da morte de meu irmão.
- Meu Deus! - exclamou Roberto Carlos, sinceramente condoído. - Aceite meus pêsames, João. Seu irmão é mais uma vítima do covid, este maldito vírus.
- Covid!? Não. Meu irmão não morreu de covid.
- Não!? De que mais ele poderia morrer?! - perguntou Roberto Carlos, visivelmente surpreso. As suas palavras incomodaram João Carlos, que tratou de lhe responder.
- Ele não morreu de covid. Ele foi assassinado. Dois ladrões invadiram-lhe a casa. Renderam-lo. Amarraram-lo. Espancaram-lo. Cortaram-lhe, à faca, as mãos e os pés, e a língua, e as orelhas; e esmigalharam-lhe, à marreta, os joelhos, e a cabeça. Mataram-lo.
- Assassinado!? Ele foi assassinado!? Ufa! Que alívio! Alegro-me saber que ele não morreu de covid.