Quando eu estava no último ano da faculdade de Belas Artes, decidi que o tema do meu trabalho de conclusão de curso seria a Arte Tumular. Era um assunto que me fascinava – eu sempre tive um encanto por cemitérios -, e também fugia aos temas comuns entre os outros formandos. Escolhi o Cemitério da Consolação para desenvolver minha pesquisa por ser o cemitério mais antigo ainda em funcionamento na capital e porque, por ter sido fundado pela aristocracia cafeeira de São Paulo, desde o seu início abrigou belíssimas obras de arte tumular que ornamentam além dos jazigos e mausoléus das famílias abastadas, túmulos de poetas, escritores e artistas de grande prestigio. Isso fez da Consolação o mais belo e mais famoso cemitério do Brasil, um campo fértil para minhas pesquisas e foi assim que passei os sábados do último semestre da faculdade fotografando e pesquisando esquifez, lápides, mausoléus e túmulos projetados por grandes artistas e escultores brasileiros e internacionais, cada dia mais encantada com a beleza do lugar que, como costumam dizer, é realmente um museu à céu aberto. Dentre túmulos e mausoléus que são verdadeiros pontos turísticos, inclusive sendo possível fazer uma visita guiada pelo local como num museu de verdade, há aqueles que por serem mais discretos e guardarem pessoas sem qualquer renome, não chamam a atenção do público em geral, mas que também interessavam à minha pesquisa. Caminhando pelos pontos mais afastados do cemitério, me deparei com um jazigo muito simples, mas de uma beleza delicada que despertou minha curiosidade. Era nada mais que uma caixa revestida de mármore branco, com um pequeno anjo sombre ela apontando para o nome de Helena Dal Pozzo gravado junto à data de seu falecimento, em letras que um dia foram douradas, mas que, depois de mais de meio século, estavam completamente desbotadas. Porém, o que mais chamou minha atenção foi a data de seu nascimento, sete de novembro, mesma data do meu aniversário. Não sei se foi por termos nascido no mesmo dia, mas senti uma imediata ligação com aquela moça cuja foto reproduzida em louça oval e pregada acima de seu nome mostrava seus olhos bonitos e seu sorriso melancólico. Desde então, todo sábado, ao encerrar meus trabalhos, eu passava pelo túmulo de Helena e fazia uma oração. Com o tempo, além da prece, passei a lhe contar sobre minha pesquisa e a lhe falar de minhas coisas pessoais, como se fosse uma amiga em quem eu podia confiar completamente e que me ouvia com atenção. Por um longo tempo, falei com ela sobre coisas que não falava para mais ninguém, contei sobre meus medos e preocupações, sobre meus sonhos e projetos. Enfim, depois de seis meses, minhas pesquisas tinham chegado ao fim e meu último dia de visitação no cemitério caiu exatamente no dia do nosso aniversário. Para me despedir e também por ser uma data especial, levei para ela um ramalhete de rosas amarelas, por alguma razão acreditaando que aquelas tinham sido suas flores preferidas em vida, deixei sobre seu túmulo e disse adeus torcendo para que talvez nos encontrássemos um dia. Logo após a minha formatura, viajei para o exterior para continuar meus estudos e tenho vivido em diversos lugares desde então. Mais de vinte anos já se passaram, porém, não importa onde eu esteja, todo ano, no dia de meu aniversário, uma rosa amarela é deixada em minha porta.


 
Fefa Rodrigues
Enviado por Fefa Rodrigues em 24/03/2021
Reeditado em 26/03/2021
Código do texto: T7215146
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