MADRUGADA DE MEDO - Caso verídico -


Ocorreu nos idos de 1974, n' uma cidade vizinha, onde eu cursava o científico.

Morava junto com meus primos, Mike e Omar, seus tres filhos e uma irmã dele, Ivone, muito doente, em cadeira de rodas, com graves problemas neurológicos, não se comunicava e ficava o tempo todo com um olhar distante.

O médico afirmara que ela pouco ouvia e enxergava.

Eu estudava à noite,e, durante o dia elabora meus temas, lia, escrevia algumas cartas e ouvia música, em alto e bom som...

Meus primos e as crianças quase todas as tardes se ausentavam, ocasiões em que eu ficava a cuidar da Ivone.

Preparava meus drinks (cuba libre) e ouvia música alta (Rolling Stones, Johnny Cass,Beatles e rock da pesada).

Certo dia olhei para Ivone e percebi seu rosto iluminado,um suave sorriso e lágrimas enchendo seus tristes olhos.

Eram as músicas, lembranças, saudades ? ...mas se ela não ouvia?

Vez por outra meus primos me flagravam: " ô guri baixe o som pra não perturbar a doente"...

Assim procedia, mas para nosso desencanto, meu e da Ivone, perdia-se nestes momentos nosso único elo de comunicação.

No inverno daquele ano ela faleceu.

O velório foi na casa de uma tia.

E, eu, designado a cuidar do casarão, à noite, onde ela falecera.

Lá estava eu, quase uma da madrugada, sem dormir, deitado, a pensar no ocorrido...

Quarto enorme, escuridão total, porta escancarada para o corredor principal...
 
Um ruído estranho, andar sorrateiro pode ser ouvido, um objeto se estatela frente a porta do quarto.

Repentinamente avistei aqueles olhos brilhantes, flamejantes a se aproximarem da minha cama.


Suava frio, puxei o cobertor até o pescoço...mal respirava, nem piscava...

Estava inerte, gelado e aqueles olhos flamejantes lentamente se aproximando.

Meus olhos fixos neles, o grito preso na garganta, pensava horrorizado: é chegada a minha hora!

E aí a ocorrência, um corpo se atirando sobre meu cobertor, olhos faiscando, o gemido aterrorizante.



Mesmo paralisado consegui gritar histérico e n'um esforço tremendo consegui acender a lâmpada do abajur, suava em bicas.

Luz e finalmente o vi: trêmulo, olhar assustado, acuado no parapeito da janela.
 
Era o gatinho angorá de minha prima...

Não consegui mais dormir.

Amanhecia, uma chuva fina molhava a vidraça embaçada.

Fui acompanhar Ivone à sua derradeira morada!