MICRO-INVASORES

– Você acha que os extraterrestres vão chegar na Terra em grandes naves espaciais e nos atacar com armas de alta tecnologia? – perguntou o rapaz de vinte ou vinte e um anos, mais ou menos, à jovem, que aparentava a mesma idade, sentada a seu lado, no banco da Praça da Cinelândia, no Rio de Janeiro.

– Você quer saber? – disse a moça – Eu acho que, no universo, deve existir milhões de sistemas solares com planetas habitados, mas estão tão distantes de nós, que nunca vieram e nem têm condições de chegar até aqui. – Engano seu, Joana. Eles já estão entre nós e são tão pequenos, que nós não podemos vê-los. Podem nos acompanhar sem que sejam percebidos.

– É mesmo? – perguntou ela com ironia, sem querer resposta.

– Eles chegam, às vezes, nas nossas próprias naves, que retornam de missões espaciais ou nos meteoritos que atingem nosso planeta. Você já ouviu falar no “gel das estrelas”?

– De Hollywood? – ironizou Joana.

– Eu estou falando sério. Em diversos locais do planeta, desde séculos atrás, as pessoas têm encontrado, logo após a queda de meteoritos, uma espécie de gel ou gelatina, no local onde o meteorito caiu. Os cientistas acham que, em todos os casos, isso pode ter vindo dentro do núcleo congelado dos meteoros que se partem na hora da queda. A massa gelatinosa foi analisada e encontraram um tipo de estrutura que pode ser um DNA desconhecido. Essa deve ser a maneira dos alienígenas semearem sua forma de vida no nosso planeta. Eles podem ser quase microscópicos, entrarem no nosso alimento para serem ingeridos e nos fazerem de hospedeiros.

Nesse momento, o estômago do rapaz começou a se dilatar, demonstrando que alguma coisa se movia em seu interior. Desesperado de dor, o jovem caiu ao lado do banco, deixando sua amiga apavorada e sem saber o que fazer. Alguma coisa forçava sua pele de dentro para fora, chegando ao ponto de romper o tecido e expor um pequeno ser monstruoso, que o utilizava como hospedeiro. O monstrinho, que parecia um morcego, pulou de seu estômago para fora e saiu voando, deixando o rapaz se debatendo no chão, todo ensangüentado.

– Olha, Paulo! – disse a amiga, trazendo-o de volta à realidade (ele estava tão mergulhado em sua imaginação que chegou a se assustar). – Não tem perigo – continuou ela – eu ouvir essas bobagens que você fala, porque sou sua amiga, mas não fique falando essas coisas para outras pessoas, porque vão achar que você é louco e podem mandá-lo para o hospício.

Joana virou o rosto para o outro lado e ficou olhando as pessoas que passavam, como se não quisesse mais ouvir o que o amigo tinha a dizer..

– Einstein já disse – prosseguiu o jovem – que tudo no universo é relativo. Podem existir galáxias do tamanho de uma bola de golfe, de tênis ou de bilhar, assim como, em algum ponto do universo, podem viver seres quatro mil vezes maiores do que nós, dependendo do tamanho e da força da gravidade do planeta, do sistema solar e da galáxia em que vivem. Se eles desembarcassem no planeta Terra, nem tomariam conhecimento de nós. Nós seríamos pisados como formigas e eles pensariam que, nesse planeta, não havia vida inteligente.

– Se você fosse um sujeito com acesso a algum meio de comunicação e divulgasse essas idéias, só iria provocar pânico na população – interferiu Joana. – Quem acreditasse em seres de outro planeta invadindo nosso corpo e dominando nossa mente, talvez saísse matando as pessoas para eliminar os extraterrestres malignos que vivessem dentro delas - concluiu.

– Não, porque não resolveria. Eu só estou te apresentando uma situação irremediável. Nós já estamos sendo invadidos e dominados de diversas formas. Eles estão na AIDS, no Câncer e em outras doenças sem cura.

– Essas são apenas doenças. – disse a moça.

– Já estiveram na pólio – continuou Paulo. – Sempre que alguma dessas “doenças” é erradicada, ELES provocam outra nova que ainda não se conheça a cura. – Se algum dirigente louco, de algum país, acreditasse nisso, era capaz de provocar um novo holocausto.

– Você sabe por que os remédios da homeopatia resolvem contra certas doenças? Porque são feitos com álcool. E (quem sabe?), é o álcool que pode acabar com eles.

– Agora você quer dizer que a solução seria transformar todo mundo em alcoólatras? Ou é só para justificar sua fama de beberrão? – brincou a jovem.

O rapaz continuou, sereno, olhando para um ponto fixo, como se estivesse falando consigo mesmo:

– Eles estão chegando. Estão entrando na gente através da nossa respiração e por outros pontos de acesso ao interior do nosso corpo, como olhos e ouvidos, circulam na nossa corrente sangüínea e podem se alojar no cérebro, controlando nossa vontade e nossas ações.

– Chega! – disse Joana, já cansada do assunto, pegando a mão do amigo e tentando levantá-lo do banco. – Vamos andar. Assim talvez você pare de delirar.

* * *

Os dois saíram caminhando e passaram por uma velhinha humilde e mal vestida, jogando milho aos pombos.

– Isso é que não é bom – disse a moça, apontando a velha. – Alimentar os pombos, impedindo que eles busquem o alimento naturalmente, e que eles cumpram a função natural deles, que é comer insetos, por exemplo. Com essa superalimentação, a população de pombos aumenta muito. Eles espalham sujeira pra todo canto. As fezes secam sob o sol forte do Rio de Janeiro, viram pó, que é levado pelo vento e entra nos nossos pulmões, pela respiração, ou, então, são levadas pela chuva para os ralos e, consequentemente, para os rios e para a água que consumimos, nos causando doenças, principalmente respiratórias.

– Puxa! – exclamou o amigo fingindo admiração – não pensei que você fosse assim tão paranóica também. – Não! Paranóicas são as suas idéias. Isso é realidade, e você sabe muito bem disso.

A moça aproximou-se da velha e perguntou:

– Como a senhora arranja dinheiro para comprar tanto milho para alimentar as aves?

– Eu peço esmolas.

– A senhora não sabe que não é bom alimentar pombos – insistiu a jovem. – Eles deixam de comer os insetos e ainda causam doenças.

– Vai cuidar da sua vida – gritou a velha com raiva. – Vocês não têm coração! Vocês querem é que os bichinhos morram de fome – falou como se dirigisse a palavra às outras pessoas que passavam. – Eu não estou pedindo o seu dinheiro – completou, balançando o dedo indicador na direção da jovem.

Os dois se afastaram para evitar escândalos.

Mais à frente, um candidato a algum cargo político falava em um microfone amplificado por uma pequena caixa de som. Ninguém lhe dava atenção. As pessoas passavam e ninguém parava para ouvi-lo, mas o homem falava sem parar, como se tivesse uma platéia invisível.

– Se eu for eleito, eu prometo que todos terão emprego.

– ...inclusive eu – brincou o rapaz, imitando o candidato.

Estava entardecendo. Num dos bares da praça, dois garçons colocavam mesas e cadeiras na calçada para receber os fregueses de sexta-feira, que sempre param para tomar uma cerveja após a saída do trabalho.

– O aquecimento global é que vai acabar com a vida no plane... – antes que acabasse de falar, a moça se engasgou e começou a tossir. – Eu acho que engoli um mosquito.

– São eles! Também entram na gente desse jeito.

– É, eu vou te dizer por onde mais eles podem entrar. – brincou ela. – A gente precisa é arranjar um emprego pra parar de pensar besteira. Você acha que eles vão chamar a gente? – disse, se referindo aos executivos da empresa onde haviam acabado de fazer um teste para uma vaga de auxiliar de escritório.

– Não sei. Pelo menos o meu teste, eu acho que não foi bom.

– Você está com algum dinheiro para gente fazer um lanche?

– Não. Estou só com o valor de duas passagens de metrô.

* * *

Cada um pagou a sua passagem e se dirigiram ao embarque com destino à Zona Norte. O trem se aproximava em alta velocidade. O rapaz chegou até a beira da plataforma e se atirou na frente do trem, que espedaçou seu corpo, fazendo respingar sangue no rosto e na blusa da moça.

– Êh! Chega pra cá. Não ultrapasse a faixa amarela – disse Joana, puxando Paulo pela camisa.

O rapaz despertou de seus pensamentos e deu um passo atrás. A composição parou e abriu as portas. A moça entrou na frente. Logo atrás dela, uma coisinha prateada, parecendo um inseto, de mais ou menos um milímetro de tamanho, de forma triangular, parecendo a ponta de uma flecha, quase imperceptível, fez uma volta no ar, passou bem próximo dos olhos do rapaz e entrou pela porta aberta do trem, atrás da moça. Ao ver aquilo, ele parou alguns segundos. Ficou indeciso se entrava ou não, e as portas se fecharam.

Acenou para a amiga que o olhava pelo vidro da porta enquanto a composição se afastava e desaparecia na escuridão do túnel.

Outra coisinha prateada, idêntica à anterior, que também ia entrar no metrô, mas ficou do lado de fora quando as portas se fecharam, foi pousar no acento de uma das cadeiras de espera mais próximas, localizadas na plataforma.

Paulo colocou-se de pé, ao lado das cadeiras, e ficou observando a pequenina coisa de formato triangular, tão pequena que só era visível, àquela distância, devido a seu brilho prateado. Parecia um pedacinho de papel laminado, de um ou dois milímetros de tamanho. Que bom se tivesse com ele, naquele momento, uma lente de aumento, uma lupa, para examinar aquela coisinha. Mas não poderia se aproximar muito sem chamar a atenção dos outros. Talvez fosse uma micro-nave espacial, cujos ocupantes não deviam passar do tamanho de bactérias ou quase isso.

Estava assim, envolvido em seus pensamentos, quando uma menina de mais ou menos quinze anos, bem gordinha e de saia muito curta, se aproximou e sentou-se justamente sobre o pequenino objeto voador não identificado, sem vêlo. A saia da menina era tão curta, que o que ficou em contato com o acento da cadeira foi sua calcinha. Instantes depois, a garota começou a se mexer, como se algo a estivesse incomodando. Subitamente, arregalou os olhos e juntou muito as pernas. Ficou paralisada por alguns segundos e, em seguida, relaxou, e se acomodou mais confortavelmente sobre o acento, como se tivesse se enganado a respeito de alguma coisa que a tivesse beliscado por baixo. Outro trem chegou e ela se levantou para embarcar.

De pé, ao lado da fileira de cadeiras, o rapaz viu que a coisinha prateada não estava mais lá. A menina a havia levado com ela. Talvez agora ela fosse uma hospedeira. O trem fechou as portas e partiu. O rapaz resolveu sair da estação do metrô e ir para casa de ônibus.

Na esquina da Avenida Rio Branco, ele parou no sinal luminoso, para atravessar. Distraído, achou que o sinal havia fechado para os veículos, desceu do meio fio e deu dois passos em direção ao outro lado da pista. Um ônibus, vindo em alta velocidade, o atingiu, jogando seu corpo contra uma árvore na calçada, onde ficou pendurado, atravessado por um galho pontudo, na altura do abdômen.

– Ô, rapaz, preste atenção! O sinal ainda está aberto – disse uma senhora idosa, que estava atrás dele, segurando-o pelo ombro, ao ver que o rapaz já ia atravessar a rua, despertando-o de seus pensamentos.

– Quer morrer antes da hora? – completou ela.